sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Capítulo XIII

Eu sinto que eu me perdi nos meus relatos. E, pior, eu sinto que cada vez mais eles não fazem sentido. Eu sinto falta da Isabel, eu realmente sinto. E já faz um ano e meio que a gente terminou. Eu comecei a escrever isso aqui a mais ou menos uns oito meses. Eu esperei até eu me sentir seguro, até eu ter certeza de que tudo estava acabado, mas agora eu já não sei mais. Eu encontrei ela semana retrasada, num bar. Fazia tempo que eu não a via. Foi forte. Foi foda. Ela tava com a Flávia e mais umas duas amigas que eu nunca conheci direito. Ela sorriu quando me viu. Ela veio me cumprimentar. E foi ela quem me beijou. Sim, sim amigos. E desde então eu não escrevo mais. Eu não sei se tudo isso faz sentido. Eu tenho evitado ligar para ela, mas admito que acabei ligando um dia, só pra conversar. Eu já não entendo qual era o problema, eu já não vejo motivo nenhum para ficar longe dela. E eu reli tudo que foi escrito até agora e eu não acho nenhum motivo concreto tirando uma mísera briga. Meu Deus, será que eu agi mal? Será que foi só um surto momentâneo, que me pareceu como sendo todo um padrão dentro do meu relacionamento. Será que eu falhei em segurar a onda por uma fase passageira. Eu acho que eu só consegui ficar tão longe por tanto tempo graças a crença de que eu estava certo, mas não seria só meu orgulho falando mais alto que a verdade. Eu já não sei mais. Eu não sei, eu não sei. No bar eu estava com o Chef e ele meio que me tirou de lá um tempo depois. O Tobias estava junto também. Mas e se ele não tivesse feito isso? Eu poderia ter ido pra casa com ela, a gente poderia ter transado e tudo poderia ter ficado bem, eu poderia... não sei, ter tido certeza de que eu estava errado. Eu vou ligar pra ela.


PS: Último capítulo de Isabel. Sim, acaba assim mesmo.

domingo, 21 de dezembro de 2008

A mulher perfeita e outras histórias: parte 1

Sábado, aproximadamente seis da tarde. A Isabel tava visitando a mãe, outra que sempre me odiou, e eu estava com o fim de semana livre para ver alguns filmes que eu tava adiando, ler algumas coisas e bater punheta. E esses eram meus planos, feitos com carinho e displicência, como todo bom plano de final de semana. Meus planos são então modificados com um telefonema do Tobias, insistindo que precisava encontrar todo mundo em algum bar, e que tinha pensado no Finnegans, mas que se eu tivesse alguma sugestão melhor a gente poderia repensar. Eu não tinha, então foi lá mesmo. Não que o Finnegans tenha nada de especial, eu só tava com preguiça de pensar.
Eu fui o último a chegar e o Tomás já estava bêbado, nada de especial. Assim que eu cheguei o Tobias começou: “Ótimo, já que estão todos aqui, eu posso fazer o meu anúncio. Eu tenho pensado muito sobre a minha vida e percebi que eu não tenho nenhum objetivo claro que realmente vá me fazer feliz e que não seja ligado a dinheiro. Portanto, eu comecei a pensar nas minhas prioridades e decidi que eu preciso encontrar minha alma gêmea. De agora em diante, todos os meus esforços estarão voltados em encontrar a MULHER PERFEITA”. Nesse momento, eu, o Rafael e o Tomás nos olhamos com o mesmo olhar de estranheza enquanto o Tobias esperava algum comentário com uma cara de satisfação e o Pedro ria como se não houvesse amanhã. Logo o olhar do Tobias se refez para um olhar de estranheza, mas com um motivo diferente do nosso. Ele simplesmente não entendia nem a risada do Pedro, nem a nossa cara. O Tomás então tomou a dianteira. “Bixo, eu admito que eu to bêbado e que meu raciocínio pode estar meio prejudicado e tudo mais, mas essa deve ser das idéias mais estúpidas que eu já ouvi na minha vida. Tipo, sua alma gêmea, beleza, a gente vive pra amar e todo mundo tem uma alma gêmea no mundo, apesar das materialidades nos impedirem de ver isso às vezes, mas esse negócio de mulher perfeita é história pra boi dormir, bixo. Que porra é essa? Todo mundo é perfeito do jeito que é ou todo mundo tem algum defeito, escolhe a sua teoria, mas te garanto que uma das duas ta certa. E não que seja ruim ter encontrado vocês, muito pelo contrario, amo vocês, mas porra Tobias, era essa a urgência? Achei que você ia assumir que era gay, ou que você tava mudando pra Botsuana ou qualquer porra assim”. “Então vocês não acreditam que a mulher perfeita existe?” Ao que o Pedro, parando de rir, respondeu: “ Não, porra nem o Tómas acredita e ele é o que mais sonha daqui. Pra não falar que esse negócio de mulher perfeita, mesmo se existisse, seria relativo, o que a mulher perfeita pra mim pode não ser pra você. O Vitor gosta de morena e eu de loira, e pronto, já fodeu todo o conceito.” “Eu sei que é relativo, inclusive eu já comecei a fazer uma lista de tudo que ela precisa ter”. “Bixo, é uma mulher, não um carro”. O Rafael, que até então tinha mantido a cabeça baixa e a boca fechada, interrompeu o Pedro e falou “Se é isso que você quer mesmo, eu te ajudo”. “Pronto, dois loucos, e você Vitor, compactua com essa putaria?” “Eu namoro com a Isabel, num tenho moral pra falar nada”.

sábado, 13 de dezembro de 2008

De onde veio a expressão “piegas”?

Eu conheci a Isabel logo depois que eu, relutantemente, terminei a faculdade. Nunca trabalhei com economia, graças ao Rafael e ao fato de que, sendo ciência, a faculdade de economia não requer estagio para a graduação. O Rafael é formado em publicidade e propaganda e trabalhava numa agência de propagandas pequena, do pai dele. Depois que eu me formei eu fiquei meio sem rumo e o Rafa me chamou pra fazer um bico na agência. Eu não queria trabalhar com economia mesmo, então eu aceitei. No fundo ele só ofereceu por amizade, ele nem precisava de nada de mim e eu acabei ficando como um faz tudo com um belo diploma de economista de uma bela instituição de ensino. Nessa eu acabei acompanhando o Rafael na apresentação de uma campanha pra empresa na qual a Isabel trabalha. Foi a primeira vez que eu a vi. Numa sala de reunião, com um terninho e maquiagem séria no rosto. Imponente. Conforme a produção da campanha foi indo, com pequenas modificações aqui e ali, eu acabei conversando mais com ela. Pegando telefone e essas coisas, teoricamente pra agilizar essas coisinhas que faltavam. Olhando pra trás, agora, eu percebo como a coisa foi burocrática no começo. Na época parecia tão mais romântico. Todo o jogo parecia mais interessante, com as insinuações no ar e os telefonemas e se mostrar mais e menos interessado e todo esse tipo de coisa que acontece no começo. Tudo parecia mais interessante quando a gente conversava sobre isso na cama, antes de dormir. No fim das contas, a gente acabou saindo uma noite e nos beijamos na pista de dança de um lugar que tocava música eletrônica e qualquer outra coisa que estivesse na moda aquele mês. Eu lembro que eu estava falando no ouvido dela e nossas bochechas começaram a se acariciar meio que sozinhas. Como se fosse pra acontecer. E ela me abraçou e eu parei de falar. E a coisa ficou assim pelo que pareceu uma eternidade pra mim. Ela me abraçando e nossas bochechas se tocando e eventualmente eu abraçando ela. E enfim o beijo. Natural e espantoso. Eu não lembro a musica que estava tocando porque eu não estava ouvindo nada. Meio aquela coisa clássica do tempo parar e só existir os dois naquele momento e tudo mais. Piegas. Eu sei. E daí?
Eu consegui, eventualmente, um emprego decente na agência. Redator. Ganho pouco e trabalho pra cacete. Mas pelo menos não preciso mais buscar café pra ninguém. Não é grande coisa, mas é melhor que ficar o dia inteiro preocupado com o preço de alguma commoditie ou ficar movendo curvas de oferta e demanda imaginárias, ou ainda passar minha vida virando um mestre nas movimentações das curvas IS-LM. Eu sei, para os economistas que me lêem, que as coisas não são só assim. Mas elas são assim também. E eu gosto de imaginar que elas são só assim. Fica parecendo que eu joguei cinco anos da minha vida fora, mas não que eu joguei cinco anos e mais um monte de dinheiro que eu podia ter ganhado a mais. Fica parecendo que eu troquei esses cinco anos (que poderiam ter sido quatro, admito) e essa grana por felicidade. Aí fica sendo uma troca justa. E eu fico achando que, pelo menos, eu to trabalhando com uma “versão beta” do que eu queria realmente fazer. Mas a verdade é que eu não conseguiria passar fome por um tempo pra ser escritor. Não tenho culhão. Talvez um dia, com algum empurrãozinho. Quem sabe?

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Pausa para lamentação 2

Se você olhar direito vai ver que a fumaça do cigarro é azul, e não importa que todo mundo argumente que é cinza, a fumaça do meu cigarro sempre foi azul. E sempre encheu minha vida, mesmo antes de eu fumar. Porque a metáfora sempre esteve lá, quer eu quisesse ou não. E agora, olhando pra fumaça azul saindo do cigarro apoiado sobre a mesma mesa que a tela do meu computador, e para minha janela aberta, com o vento frio entrando e as luzes da maior cidade do meu país – a cidade que eu sempre idolatrei e eu sempre vou idolatrar – até parece que eu entendo minha vida e o que me trouxe aqui. Mas na verdade não. Essa resposta não está soprando no vento frio que entra pela minha janela. Vento esse que já foi personagem de tantos poemas ruins e sonhos que deixaram de ser sonhos apenas para cair no esquecimento, como o verde de uma maça madura, quem sabe podre. Eu lembro de abrir a janela do meu quarto em Goiânia, onde eu morava, e sentir o vento frio bater no meu rosto, e respirar fundo pra sentir o cheiro da noite, o sabor da noite. E eu sonhava em como estaria sendo minha noite se eu tivesse saído de casa – eu era moleque e minha mãe nem sempre deixava – cheia de surpresas e embriagues. Eu demorei um pouco ainda pra desmistificar a noite, e não sei ainda se valeu a pena. Mas é assim que as coisas são. Um dia tudo há de ser desmistificado. Até a morte. E eu realmente não sei se isso tudo vale a pena.

domingo, 30 de novembro de 2008

A mulher perfeita e outras histórias: prefácio

Vejam bem, para não parecer que eu sou só mais um babaca depressivo, e eu não sou, eu queria contar algumas historias nesse meio tempo entre meus desabafos e minha libertação. Até porque eu acho que vai ficar meio chato essa coisa de ódio, dor, amor, vingança e desejos reprimidos o tempo todo. Até pra mim. Agora que eu sou um novo homem eu não quero ficar fuçando tanto assim só nas merdas do passado. Então eu vou contar algumas outras historias, que não são minhas, mas que merecem ser contadas. Eu tenho alguns amigos. Não muitos, alguns. Diversos conhecidos, mas só alguns amigos. Pouquíssimos da infância, alguns poucos da adolescência, e mais alguns da faculdade. Depois disso a coisa meio que virou trabalho-casa-trabalho e o coleguismo tomou conta. Grandes colegas, sem dúvida, mas colegas. Mas o que importa é que eu tenho uns quatro amigos que eu acho que eu poderia chamar de “meus melhores amigos”, por mais infantil que essa denominação soe. O Tomás, o Pedro, Tobias e Rafael. Eles se conheceram através de apresentações minhas e daí a amizade entre eles tomou vida própria, como tinha de ser. O Tomás eu conheci ainda moleque, estudamos juntos no colégio. Continuamos amigos durante a faculdade e mesmo depois que ele ficou, colocando do jeito dele, “cansado das amarras formais que a sociedade impõe a uma vida que não pertence a ela”. Ele continua sendo um bom sujeito, mas não é o tipo de pessoa pra quem você pede conselhos sobre trabalho e coisas assim. O Pedro fez faculdade comigo e com o Chef. E, ao contrario de nós dois, ele realmente seguiu com economia. Mercado financeiro e tudo mais. Eu particularmente nunca tive saco pra isso, mas ele tem. E muito. O Tobias e o Rafael são exceções no que diz respeito a eu ser o elo de tudo. Eles se conheciam antes, até porque são irmãos, mas eu conheci os dois separadamente, antes de saber que eles eram irmãos. O Rafael é o mais velho, e eu o conheci através de uma menina que eu namorei. Ele fazia faculdade com ela. O namoro durou pouco mas, como nós tínhamos outras afinidades fora o sexo, continuamos a nos encontrar e ele ia junto em algumas das vezes. Com o tempo, a menina começou a namorar outro cara e a situação ficou meio estranha e ela se afastou de mim. O Rafael não. Nessa altura eu já tinha conhecido o Tobias. Ele tocava na banda de um conhecido meu, e eu conheci ele num dos ensaios ao qual meu amigo me convidou. Admito que nós só ficamos realmente amigos depois que eu descobri num dos shows deles que o Rafael era irmão dele. Esse meu amigo que era da banda do Tobias tinha me chamado pra ir num show deles num buraco qualquer e, como eu não tinha nada melhor pra fazer mesmo, eu fui. Não sem antes chamar minha ex-namorada e o Tomás. Chegando lá eu, naturalmente, não fiquei nada surpreso ao ver o Rafael, já que ele e minha ex viviam grudados. Na verdade foi só depois que o show acabou que eu fui informado, dessa vez realmente surpreso, que o baterista da banda punk do meu amigo era irmão do amigo da minha ex-namorada. Complexo, não? Mas no fim ficamos bastante amigos, graças ao rock, à cerveja e algumas outras coincidências. Pararei por aqui, por enquanto. Depois eu falo mais dessas historias.



PS: Isabel, ainda.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Briga I

Eu não sei do que você precisa! E se soubesse, talvez não pudesse dar. Não é como se você fosse a coisa mais imprescindível na minha vida. Embora seja confortável. E minha preguiça me impede de mudar. Ouviu? Eu só estou com você por preguiça. Preguiça de sair e tentar arranjar alguma coisa melhor, e nem to falando que ia ser difícil. Meia hora num bar sozinha e procurando de verdade e eu já ia conseguir. Seu bosta. Aliás, quer saber? Sai daqui. Eu tava precisando mesmo tomar uma atitude. Eu vou arranjar um cara melhor, alguém que me dê valor. Alguém cujo sonho de vida não seja poder viver numa porra de um apartamentozinho só escrevendo porcaria e falando que é literatura. Seu bosta, seu merdinha. Incompetente. Vagabundo. Você me envergonha. Perdedor. Eu nem sei porque eu tenho sido fiel a você esse tempo todo. Você não merece. Eu devia ter te chifrado há muito tempo. O que me consola é que você não vai conseguir ninguém. O único orgasmo que você vai ter é quando ficar brincando com seu pinto no banheiro sozinho. Ou quando pagar uma vagabunda pra te chupar. O que você tem a dizer sobre isso, hein? O que você tem a dizer sobre isso?
Eu sempre te dei valor.
O caralho que deu! Eu que dei mais valor a você do que você merecia. Só de falar com você já é dar mais valor do que você merece. Lixo.

sábado, 15 de novembro de 2008

As minhas primeiras vezes

Eu tinha algo em torno de cinco anos na época. Freqüentava uma escolinha cujo nome eu obviamente já não me recordo mais, no entanto têm três coisas que eu nunca me esqueço daquele lugar. E uma que eu costumo esquecer, extremamente inútil. Comecemos pela inútil. Logo depois do recreio, as professoras mandavam a gente fingir que dormia, eu digo fingir porque ninguém dormia realmente. No entanto, enquanto fingíamos que dormíamos e nos achávamos o supra-sumo da esperteza por não estarmos de fato dormindo, e sim, geralmente, jogando pedra-tesoura-papel ou alguma coisa do gênero, as professoras podiam ter o recreio delas. Obviamente eu não prestava atenção no que elas conversavam, mas deviam ser as suas preocupações e seus medos ou talvez fofocas e algumas piadas ruins. O que eu lembro era de um menino, cujo nome acho que eu nunca soube – na verdade não lembro nem do rosto – que realmente dormia. O molequinho apagava em cima da mesinha. Tudo bem que elas criavam todo um ambiente propicio ao sono – luzes apagadas e silêncio – mas mesmo assim ninguém mais dormia. Eu me pergunto o que aconteceu com aquela criança. Mas essa era a historinha inútil. As três coisas que eu lembro que importaram na minha vida foram as seguintes, em ordem de importância.
Eu estava no recreio da escolinha e tinha um “brinquedo” no pátio que era tipo essas barras de fazer exercício que infestam os parques hoje em dia. Eu não sei qual era o propósito de colocar uma dessas numa escolinha de jardim de infância, é claro que apesar disso, nós achamos uma utilidade para a barra. Nós nos balançávamos nela. Um pulava e se segurava na barra enquanto o outro empurrava o primeiro rapaz para frente, criando um efeito de vai e vem. Até ai, apesar de ser uma péssima idéia, sem problemas. O que aconteceu foi que um dia choveu. Choveu enquanto estávamos em sala de aula desenvolvendo nossa coordenação motora com pinturas horríveis ou brinquedos idiotas, ou ainda nosso raciocínio lógico com algum jogo estúpido. Mas, por sorte nossa, parou de chover um pouco antes da hora do recreio. Saímos, então, ávidos para correr em volta de nossos rabos e desenvolver nossos físicos, como as crianças saudáveis e estúpidas que éramos devem fazer, mas sem machucar o coleguinha e sem ser extremamente estúpido. O problema é que para uma criança, que ainda não aprendeu muito sobre como o atrito pode ser diminuído com uma camada de água, se pendurar na barra como ela faz todo dia e balançar, mesmo a barra estando molhada, não é uma idéia muito estúpida. Então, lá fomos nós. Eu não lembro se eu fui o primeiro nem nada do gênero. Eu lembro que eu fui. Lembro também de ter conferido se as “tias” estavam olhando. Acho que elas até falaram alguma coisa do tipo “menino, num faz isso senão você vai se machucar”, mas nenhuma atitude mais enérgica que isso. E, para uma criança estúpida, essa frase só tem o efeito de deixá-lo com mais vontade de fazer estupidez. Então eu subi na barra. Um amigo meu começou a me balançar. Até ai, tudo bem. Ele era pequeno e eu tava conseguindo me segurar, mas a brincadeira não estava emocionante. Foi quando um outro menino, um tanto quanto maior que o primeiro, foi ajudar a me empurrar. Quando meu balançar estava tomando proporções emocionantes, eu me soltei. Aliás, eu escorreguei. E caí em cima do meu braço, cujo osso se rompeu prontamente. Daí pra frente eu não me lembro de muita coisa. Lembro de aprender direita e esquerda pela primeira vez. Esquerda era o lado que tinha o braço engessado. Depois eu esqueci de novo, até descobrir uma pinta no meu braço esquerdo. Funcionou bem durante o tempo necessário. Hoje eu já não uso mais, mas a pinta ainda está aqui. Só um detalhe: contando essa historia de como eu aprendi direita e esquerda com a pinta para a minha mãe, eu descobri que a pinta, que para mim era uma simples marca de nascença, era um pouco mais que isso. Era uma cicatriz. Ela tinha se descuidado quando eu era bebê e eu tinha enfiado meu braço num espinho de laranjeira ou coisa assim. De qualquer maneira, essa é a historia da primeira vez que eu quebrei um osso.
A outra primeira vez que eu queria contar toma lugar nessa mesma escola, não sei se antes ou depois. Na verdade, eu considero a primeira vez porque é a memória mais antiga que eu tenho de algo parecido. É que eu tinha uma professora, uma “tia”, que gostava muito de mim. No sentido fraternal da coisa. E ela sempre me pegava no colo dela, segurava meu rosto enquanto me falava “Deixa eu ver seu olho. Seu olho é lindo. Parece uma jabuticaba de tão escuro que ele é”. Foi a primeira vez que eu me rendi ao elogio de uma mulher. A primeira vez que eu tomei um elogio como sendo algo mais do que uma simples constatação de um fato ou de uma opinião. Eu ficava me perguntando se ela queria alguma coisa comigo, apesar de não ter noção do que isso poderia ser. Eu me lembro de me sentir estranho. Não era como se minha mãe estivesse me falando que meu olho parecia uma jabuticaba, ou minha avó, que de fato me fez esse elogio acredito que mais de uma vez. Era diferente. E foi a primeira vez que foi diferente.
Minha terceira, e mais importante, primeira vez aconteceu pouco antes de um recreio. Sem ter o que fazer conosco até a hora marcada para elas nos deixarem correr em volta dos nossos próprios rabos ou quebrar nossos braços na barra, elas resolveram sondar a vida amorosa dos pequeninos seres humanos que elas acompanhavam todo dia, provavelmente para ter alguma coisa para fazer piada na nossa hora da soneca, logo após nosso recreio. Então elas começaram com uma brincadeira que era assim: Todos nós deveríamos, quando perguntados, falar quem eram nossos(as) respectivos(as) namorados(as) e elas iam contabilizando o negócio na lousa para ver quem tinha mais namorados(as). De qualquer maneira, eu tava garantido. Já fazia algum tempo que eu “namorava”, seja lá o que isso significava pra mim naquela época, uma mocinha cujo nome era Marcela. Muito bonitinha e aparentemente gostava mesmo de mim. Ou assim ela me dizia e, dado os escândalos que ela fazia pra ficar como meu par na quadrilha, eu acreditava. Então, lá estava eu, sempre um garoto do fundão o que quer fosse o fundão na época, esperando chegar a minha vez de declarar orgulhosamente “EU TENHO UMA NAMORADA, A MARCELA” quando eu ouço alguém roubar essas exatas mesmas palavras da minha boca. E não se engane, companheiro, só havia uma Marcela na sala e era a ela que o filho duma puta estava se referindo. Foi quando meu mundo caiu aos pedaços. Como assim a Marcela tinha outro? Eu não podia aceitar aquilo, deveria estar havendo algum engano. Seria todo o conceito de monogamia uma fraude? Foi quando eu reparei que, no tempo em que eu estava absorto em meus pensamentos, outro pauzinho havia surgido ao lado do nome da minha pretensa namorada. E eu só conseguia pensar “Dois? Um tudo bem, pode ser um engano, mas dois? DOIS?”. Então, o golpe final foi dado. O terceiro pauzinho. Eu estava desesperado, descrente, com o meu coraçãozinho infantil partido em pedaços. Enfim, chega a vez da falsa se pronunciar e ela declara, em alto e bom som, que o namorado dela era o Vitor (sou eu, acredito que tenha esquecido de mencionar). Descarada. Agora ela queria fazer tudo ficar bem, não é? Mas as coisas não funcionavam assim comigo. Quando chegou a minha vez, apesar dos dolorosos (pra mim, naturalmente) sorrisinhos que ela ficava me mandando eu respondi à infeliz da professora que havia tido a idéia de tão cruel questionário: Eu não tenho namorada, e vi o sorrisinho se desfazer da boca de minha, naquele momento, ex-namorada. Pouco depois, o sino do recreio tocou e fomos liberados. Eu não sei porque eu demorei pra sair, ou pra levantar. Sei que quando eu levantei e olhei pra porta da sala, que tinha suas luzes apagadas, eu vi o vulto da Marcela esperando. A luz entrando e deixando ela ligeiramente assustadora, imponente, santificada. Eu andei ate a porta e ela me parou. Perguntou : “Porque você disse que não tinha namorada” e eu, cheio de razão, respondi que tinha sido porque três meninos tinham falado que eram namorados dela. Ao que ela responde “mas eles não são”. O que pra época até fazia sentido, afinal, você podia até nunca ter falado com a menina, mas isso não significava que você não podia falar que era sua namorada. Naturalmente. E, com isso em mente eu fiz o que talvez eu nunca deveria ter feito. Ela me perguntou: “Então, a gente tá namorando, ou não?” e eu respondi um tímido e arrependido “tamo”. Essa foi a primeira, e garanto que não a ultima, vez que eu me rendi a uma mulher.






PS: ainda dentro de Isabel.

sábado, 8 de novembro de 2008

Madame Satã e o nada

Uma vez, na minha época de faculdade, me levaram no Madame Satã. O Madame é um bar escuro com uma pista de dança mais escura. E ele é muito mais do que simplesmente isso, mas pra mim, ele foi só isso mesmo. Eu tinha conhecido um sujeito com quem eu comecei a discutir e, nessa discussão, o tema “nada” surgiu. E ele me falou o seguinte: “É impossível imaginar o nada, porque a partir do momento em que você tenta imaginar o nada, ele deixa de ser nada para ser alguma coisa que você está tentando imaginar. E discutir o nada é inútil, porque tema de discussão já é alguma coisa, logo, se torna impossível até mesmo discutir o nada. Por definição”. Então, quando eu digo “nada” eu estou tentando me aproximar o máximo da definição de nada e das restrições por ele impostas. Nada é, no máximo, completamente nada.



PS: o madame satã já não existe mais. E isso é de Isabel ainda.

sábado, 1 de novembro de 2008

Teatro. Mais um da isabel.

Eu abri a porta de casa. Entrei, meio cambaleando de álcool e sono, direto na sala e desabei sobre o sofá. Acendi um cigarro e puxei o cinzeiro mais próximo para mais perto ainda. O suficiente para eu não precisar mover o tronco para bater a cinza. E fiquei fumando um cigarro com a luz apagada. Mas as luzes da cidade entravam pela porta de vidro da minúscula sacada e iluminavam o ambiente.
Eu não ouvi os passos. Só reparei que ele estava lá quando o vi. A jaqueta surrada, a calça jeans rasgada, a camiseta de banda e o coturno vestindo o ser de barba e cabelos abundantes e uma garrafa de cerveja, daquelas de 600, na mão. Ele tava encostado na parede, olhando pra mim. Acendeu um cigarro que estava na boca com um isqueiro bic que iluminou seu rosto por uns 3 segundos. Era eu. Bem, pelo menos era muito parecido, só que com a barba e os cabelos com o dobro do tamanho dos meus.
- Quantas mulheres você pegou na balada de fresco que você foi hoje?
- Por que eu acho que você já sabe a resposta dessa pergunta?
- Nenhuma, não é? Sabe o porquê? Porque você não tem culhão. Se você tivesse pegado aquela morena de bunda boa, que tava com aquela blusinha verde cheia de frufru, de jeito, você ia ta comendo ela agora. E eu não ia ter que ficar dando sermão pra marmanjo às 4 da manhã.
Por um lado eu concordava com ele. Eu tinha ficado olhando para essa morena durante um tempo. Pensei mais de uma vez em ir falar com ela. Tinha um sorriso lindo e dançava de um jeito que me deixava louco. E ela olhou pra mim algumas vezes, soltou aquele sorriso maravilhoso pro meu lado.
- Era bem mais gostosa que a aquela vagabundinha que você namora. Um homem num pode se rebaixar do jeito que você faz não. Porra, é só ela fazer biquinho que você fica todo caidinho. Ela te prendeu pela boceta.
Foi quando eu vi um outro cara, também com um cigarro na mão, mas bem vestido, de terno. No entanto, a camisa estava meio aberta e a barba meio que por fazer. Eu o vi assim que ele soltou um “Calma ai”.
- Pelo menos ele tem estabilidade com ela – continuou o novo integrante da discussão, apontando pro cara barbudo com a mão trêmula com que segurava o cigarro – Imagina se o puto tivesse que ficar se preocupando em arranjar mulher todo fim de semana, é só mais estresse. Ele num tem tempo pra essas brincadeirinhas de criança não, porra. Ele tem que colocar dinheiro na conta pra poder comer e beber as porcarias que o babaca ali gosta.
Falou essa frase final apontando pra outra pessoa que estava sentada numa cadeira, cuja presença eu ainda não havia notado. Esse tinha cara de ser pseudo intelectual. Estava meio perdido na discussão, com cara de quem estava pensando em outra coisa. Sem deixar cair a máscara de desinteressado na discussão argumentou de volta:
- Eu ? Não. Eu vivo muito bem com pouca coisa. Algum lugar pra escrever, comida suficiente para não morrer de fome e cigarro em abundância. É só isso que eu peço. É só isso que eu sempre pedi. Foi você, companheiro, que sempre se preocupou com dinheiro.
- Alguém tem que se preocupar com dinheiro, porra. Não se vive de poesia. Esse apartamento, o whisky e tudo o mais só ta aqui por minha causa. Minha causa!
E entre gritos de “cala a boca, seu yuppie nojento”, “seu punk de merda” e “pseudo intelectual do caralho”, eu vi Isabel. Ela surgiu e todos ficaram quietos. E eu queria falar alguma coisa, mas a simples “presença” dela me impedia de abrir a boca. E eu olhei para baixo e me vi totalmente acorrentado. O metaleiro colocou um olhar de revolta resignada na cara, e o pseudo intelectual tirou a mascara de desinteresse e mostrou sua face de desprezo respeitoso. O yuppie engoliu o ego e se sentou. Eu não lembro exatamente do resto. Dormi no sofá mesmo. Acordei no dia seguinte com o sol na cara e dor de cabeça. Foi essa a noite que eu percebi minha situação. Foi esse evento que me fez ver as correntes que me prendiam. Eu passei o dia me lembrando dos meus sonhos de criança. De ouvir Iron Maiden e Metallica. E de depois começar a escrever e me interessar por literatura. E do dia que eu passei no vestibular de economia, pensando que se eu não conseguisse salvar o mundo, pelo menos eu não ia morrer de fome. E da minha mãe feliz e de eu gradualmente desistindo de salvar o mundo. Existe alguma coisa que valha a pena ser salva? Naquele dia não existia. Nada. Completamente nada.

sábado, 25 de outubro de 2008

Isabel, mais uma vez

Chef


O lugar era pequeno, espaço para umas seis mesas, no máximo, mas havia apenas quatro. Questão de conforto. E mesmo assim não estava completamente cheio, duas mesas ocupadas apenas, contando a minha. O dono era um amigo meu. Ele mesmo cozinhava e servia os clientes, também sugeria vinhos e tudo o mais. E, apesar de eu poder comer de graça, eu preferia ficar só bebendo geralmente. E pela bebida eu pagava, mas só preço de custo. Eu não conseguiria pagar por nada ali se fosse pelo preço do cardápio. Com certeza eu nem conheceria o lugar se o dono não tivesse feito faculdade comigo. Alias, eu não comentei, mas eu me graduei em economia. Eu sou um economista. Eu aprendi a pensar na margem. Quatro anos de curso, os quais eu fiz em cinco, para aprender a pensar na margem. Para aqueles que não entenderam o que eu quis dizer com pensar na margem aqui vai uma pequena explicação. Como um ser racional, eu tenho que pensar “na ultima unidade”... Bem, é meio difícil de explicar sem aquela matemática chata toda. É assim que eu deveria maximizar minha utilidade, meu prazer. Se eu fosse racional, perfeitamente racional, como pregam os modelos dos meus queridos companheiros ortodoxos, eu nunca teria ficado do jeito que eu fiquei com a Isabel. Emoções fodem a racionalidade. Muito. Mas voltando ao restaurante do meu amigo. O nome dele meio que não importa, afinal, do dia que ele contou que tinha feito um curso de culinária em diante a gente só chamava ele de “chef”. Ele tinha acabado de puxar o saco do grupo de babacas riquíssimos que estavam na outra mesa e veio sentar comigo. Trocamos palavras e conversas inúteis durante quase toda a noite. Ele se levantava de vez em quando para atender algum pedido. Nada que tomasse muito tempo, a garrafa de whisky ficava na mesa e eles já tinham se empanturrado de comida e gastado o suficiente para eu conseguir viver durante um mês inteiro. Eles iam lá porque era reservado. Podiam falar das putas que comeram sem as mulheres ouvirem e fechar negócios, legais ou ilegais, em off. E a comida era boa e o lugar bonito. Pagavam um extra pela discrição. Lá pela meia noite, quando os executivos estavam saindo pro puteiro de luxo ou pras suas casas com suas mulheres, o chef me chamou pra sair com ele. Um lugar que ele queria ir, novo. Eu não conhecia, mas fui. A Isabel estava numa viagem de negócios e eu tinha ficado sozinho. Então eu fui. O lugar, foi me dito, chamava Rising Sun, como na música “The house of the rising sun”

domingo, 19 de outubro de 2008

Isabel, novamente

Pausa para lamentação 1


Admito que eu sinto falta da Isabel. Eu sinto falta do sexo. De ver aquela mulher, que se mostrava tão forte, se submetendo carinhosamente aos meus pedidos e olhando pra mim como se eu fosse seu Deus. Do momento em que o orgasmo é o único desejo e a agonia da espera e a precipitação arranham as costas. Eu sinto falta de ver o sorriso sincero da alma cheia, completa. Do prazer correspondido. E do fim. E eu esperaria na soleira da porta dela o tempo que fosse necessário. Sussurrando o nome dela por toda a eternidade. Isabel Isabel Isabel Isabel. Isabel. Ainda sinto o corpo dela. Meu pau ainda a sente. Meus olhos ainda a vêem. Mas eu não teria forças para romper novamente as barras. Isabel é como um vício, eu nunca vou deixar de lembrar, eu nunca vou deixar de ser viciado, mas eu consigo me controlar agora. Porque eu sei que eu ia acabar morrendo ali. E eu não queria morrer ali.

domingo, 12 de outubro de 2008

Isabel 2

Isabel Cia. Ltda.


Isabel tinha longas pernas e belos seios, e desculpem as intertextualidades que se seguem, revestidos de uma pele branca como a neve, gentilmente tocada por um cabelo negro como a noite que cai. Olhos escuros e profundos. Mas era uma mulher real, embora antes eu realmente me negasse a ver isso. Tinha celulite e estrias, senhores e senhoras, e alguns “pneuzinhos” que sobravam para fora de calças mais apertadas. O que não significa que fosse gorda, era até bem magra. E cagava. E usava trinta mil produtos químicos no cabelo e cremes para a pele e tinha que se depilar aqui e ali e tirava as sobrancelhas e tinha mau hálito pela manhã e suava em dias de calor e teve que usar aparelhos quando mais nova e tinha espinhas quando ficava nervosa, apesar das pobres espinhas rapidamente serem eliminadas por mais produtos químicos, e usava quilos de maquiagem para cobrir as espinhas mais resistentes e fazia a unha duas vezes por semana, e usava lápis de contorno labial e ia a academia todos os dias e tomava três banhos, um de manhã, um no horário de almoço e um antes de dormir, e usava perfume sempre e contava freneticamente as calorias de tudo que comia. E tinha tempo de ser competente no trabalho, era gerente de marketing da filial de São Paulo de uma empresa mais ou menos grande, que se preparava para abrir o capital e expandir seus negócios para outros países do mercosul. Ela respondia diretamente para o diretor de marketing, um tal de Bruno. Alto, com um rosto angular e fino. Lábios finos e secos numa boca mais ou menos grande. Cabelos ondulados constantemente penteados para trás com gel. Uma leve barriga de chopp, que ele tenta desesperadamente fazer sumir com aulas de abdominal e horas de esteira. Mas era um cara até gente boa, apesar de bobo. A Isabel não gostava dele, mas fingia que gostava. E ele era apaixonado por ela, dava para ver nos olhos dele. Mas era tímido, o pobre coitado. Ele tentava se mostrar comunicativo e, eu lembro, de uma vez que nós fomos juntos a uma festa. Eu, a Isabel e o pessoal do escritório dela. Ele se virava bem com as garotas, fazia bem o “cerco”, mas não era muito bom na hora, coloquemos assim, de finalizar o projeto. E eu sentia que com ela o problema era ainda maior.
Isabel também era amiga da Flávia, uma mulher cuja idade mental rondava os quinze anos. Não que ela fosse burra, de maneira nenhuma, ela só era infantil no trato com as pessoas. Flávia tinha uma fortíssima vocação para psicóloga. Era o ombro no qual todas as suas amigas iam chorar. E talvez por ser pouco dotada de beleza física, ela não tinha uma vida sócio-sexual muito ativa, problema que ela resolveu vivendo a vida de suas amigas na sua imaginação. Mas no fundo era uma pessoa linda, quase a Isabel “virada do avesso”. Um grande coração. Infelizmente uma grande barriga, proporcional a suas grandes pernas e bochechas e braços e tudo o mais. A Flávia tinha se tornado minha amiga também, mas com algumas restrições. Por exemplo, teve um dia que nós estávamos no bar, só eu e ela, bebendo cerveja. Era um bar pequeno. A palavra boteco se encaixaria melhor do que bar, no caso. Conversávamos sobre o mundo, as guerras, as mortes, a fome, o capitalismo, o socialismo e coisas do gênero. Criávamos teorias e respostas de mesa de bar, aquelas que fazem rir. E rir das possíveis soluções para os problemas do mundo é minha definição de humor negro. Não era o assunto, nem o tipo de humor, preferido da Flávia então com o tempo ela foi parando de rir e ficando mais quieta. Eu desisti do assunto, mas não sabia muito bem sobre o que falar. Não me sentia num dia bom pra fofocas e coisas do gênero, e esses sim eram os assuntos preferidos dela. Fofocas moderadas, que fique bem claro, ela era uma moça confiável em relação aos segredos que contavam pra ela. Eu ainda estava com a Isabel, mas eu já estava tomando consciência do buraco em que eu estava metido e começara a ficar desesperado com a situação, mas o problema ainda não havia chegado ao pico. Ela virou pra mim e perguntou “E como vai você e a Bel?” voltando a esboçar um sorriso no rosto. Eu fui sincero e expliquei pra ela que a Isabel me prendia dentro da minha própria cabeça e que eu estava começando a me preocupar com os efeitos disso em mim e que por isso nós não estávamos muito bem pelo meu lado das coisas e por ai eu fui. E nessa hora ela deu um sorriso solidário e me olhou com um olhar empático e compreensível e disse “Eu te entendo”. E eu odeio isso, e eu odiei ela naquele segundo e por alguns minutos. Não, você não sabe como eu me sinto. Só eu sei como eu me sinto e mais ninguém. Ela nunca tinha passado por nada parecido. Mas o resto nela compensa. Pelo menos como amiga, eu acho. É, só como amiga.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Os nomes e Isabel

Bem, como iso é um blog e afinal de contas nem todos os textos que eu posto aqui são necessariamente ligados a esse projeto dos nomes, apesar de ultimamente ter sido isso que tem me motivado, eu devo essa explicação que eu vou dar agora. Pelos próximos 13 posts relacionados a esse projeto estaremos dentro do nome Isabel. Eu vou adicionar a tag a ele também, caso haja vontade de olhar coisas específicas dentro dele, afinal de contas são 13 capítulos só disso e ele é bastante mais linear do que os outros posts. Segue então o primeiro capítulo de Isabel.


Isabel


O começo do agora


Ela conseguiu um jeito de me segurar. Por toda a eternidade. Eu tinha certeza que não haveria maneira. Ela entrou na minha cabeça como ninguém mais nunca havia conseguido. Eu era minha própria prisão. Preso a minha moral e ao meu tesão. Meus olhos e meu tato indefinidamente controlado pelas palavras que entravam no meu ouvido. Ela sabia quando me empurrar. Ela sabia controlar meus acessos de raiva, os quais foram se tornando mais e mais constantes conforme eu ia tomando conhecimento do meu estado, da minha condição. Do meu inferno.
Eu conhecia meus pecados, o que nunca fez de mim um homem melhor. Mas quem se importa? Mas agora eu cansei de pecados e interrogações. De agora em diante somente meu ponto final, no máximo uma vírgula ou outra, e só quando for indispensável para a sua respiração camarada leitor como ensinava a tia da terceira série “vírgula é para o leitor dar uma pausa e respirar” mas me acompanhe desconhecido confidente através da linha imaginaria que traçaste logo abaixo das letras para não perder a linha certa aonde o fio do raciocínio se segue e quem sabe para concretizar a imagem das entrelinhas sussurrando segredos no seu ouvido e contando tudo que está oculto para olhos incultos nesse texto, incógnito leitor, acompanhe o relato de como eu rompi as barras da minha antes intransponível cela e corri livre quase sem virgulas e sem interrogações até o meu inevitável ponto final aonde morre o autor deste texto mas que fique bem claro que falo do autor e não da máquina que agora aperta as teclas de outra máquina que materializa palavras em uma tela logo a frente da máquina anterior e talvez venha a enviar ordens para que a tinta de outra máquina se derrube no branco virgem de uma folha de papel. Cansei. Quero vários pontos finais. Ininterruptas pausas. Doses homeopáticas de morte. Assim, eu posso enfraquecer o texto e as frases para elas morrerem já cansadas de existir. Para que outra frase possa nascer e construir a história do texto, que eventualmente morre para o nascimento de outro texto, com um novo autor. E, depois do meu momento de euforia, voltemos ao relato do meu trabalho para romper minhas barras e seu conseqüente sucesso. Mas primeiro falemos Dela.

domingo, 28 de setembro de 2008

Helena

-Todo homem é igual mesmo
-Sério, mais uma dessa e você vai ficar falando sozinha.
-Mas é verdade.
-Eu não me importo de receber rótulos e ser generalizado, mas pra toda generalização tem limite. Segura a onda ai, sinceramente. Eu acho que eu sou bem diferente de vários caras que eu conheço. De alguns eu admito que eu até gostaria de ser mais parecido, mas tem alguns que eu não gosto nem de ser colocado na mesma categoria de ser humano, se você for diminuir essa conta pela metade e ainda falar que é tudo igual, eu vou simplesmente assumir que você é burra ou frustrada.
Ela era linda. Desgraçadamente linda. E se eu conheço os homens, eles teriam diversas reações diferentes frente tanta beleza. Alguns travariam totalmente, alguns veriam na beleza dela um desafio pessoal, alguns se apaixonariam num piscar de olhos, enquanto outros chegariam a ficar com raiva, sem nunca admitir, naturalmente. Eu, do meu lado, simplesmente desisti antes de começar. É como o fluminense jogando contra o barcelona, pra que tentar? Mas o destino tinha colocado ela na minha mesa, ficar quieto seria pior. O Chef olhou pra mim com um sorriso estranho quando ele chegou com ela e com o último caso dele, uma tal de Alice. Parecia querer dizer algo como “Eu sei que você não vai fazer nada, mas pelo menos você não vai me acusar de não ter cumprido o meu lado do acordo”. Ele tinha combinado de me encontrar e tinha combinado de encontrar a Alice também. Como eu me recusei a ficar sozinho olhando os dois se agarrarem como eu sabia que era o padrão em começo de namoro, ele prometeu que ia levar uma mulher interessante pra me fazer companhia caso ele de fato ficasse com essa atitude detestável que ele dizia nunca ter feito. E lá estava eu com uma mulher linda demais pra ser atingida e ele, eu tenho certeza, ria internamente da minha situação enquanto ele se agarrava com a namorada.
-Eu pareço frustrada?
-Você também não parece burra.
Ela me olhou como se quisesse me contar alguma coisa, mas ainda não sentia confiança em falar. Principalmente na frente da amiga. Eu me levantei, olhei para ela, depois para os dois.
-Eu vou comprar cigarro, já volto. Vamos lá comigo, Helena?
Ela se levantou e me acompanhou até uma banca que ficava perto do bar onde nós estávamos. Eu comprei um maço de cigarro.
-Então, se você não é frustrada e nem burra, o que você é?
-Só uma mulher que perdeu a confiança em um homem específico e achou mais fácil culpar todos. Feliz agora?
-Minha felicidade não estava em jogo. Eu tenho meus problemas, mas eu diria que o pior de tudo já passou.
-Qual o nome do seu problema?
-O meu chamava Isabel, e o seu?
-Emílio.
-Ainda te atormenta?
-Vai me atormentar pra sempre. Mas só na minha cabeça pelo menos.
-É, eu entendo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Gabriel

O bar era bonito. Bastante diferente dos lugares que eles freqüentavam quando era mais novos. E era isso que Gabriel pensava enquanto esperava sentado sozinho bebendo uma dose de whisky 12 anos, também bastante diferente daquilo que eles bebiam quando iam de bar em bar durante toda a noite, sempre entediados e sempre achando tudo caro e ruim. E de fato, tudo era caro e ruim. Algumas coisas eram muito caras e boas, mas eles não podiam se dar ao luxo das coisas muito caras. Ele estava cansado. O trabalho estava longe de ser aquilo que ele queria que fosse. Tedioso e cansativo. Ele saia todo dia com a cabeça quase explodindo. Mas pagava as contas. E era isso que importava. Havia desistido do sonho de ser ator já a quase 10 anos, quando estava na metade da faculdade de artes cênicas. E não se arrependia de verdade. Alguns sonhos são simplesmente burros. Ele sonhava com o glamour, mas não gostava tanto assim de atuar. Foi fazer engenharia, mesmo odiando matemática. Ele era a exceção da regra que diz que somos melhores naquilo que gostamos. Quanto maior o ódio que ele tinha de matemática, física, química, mais ele fechava as provas e conseguia resolver equações que ninguém mais conseguia. Foi nessa época que ele conheceu o homem que virá encontra-lo hoje. Ele fazia administração e eles se conheceram no bar que ficava perto da faculdade. Perderam contato alguns anos depois que se formaram e, semana passada, Gabriel recebeu um telefonema. Poucas palavras depois e o encontro foi marcado. E apesar de que racionalmente a idéia de ver um velho amigo agradava Gabriel, ele estava se esforçando pra se sentir bem. Seu amigo chega depois de um tempo. Eles se abraçam e conversam sobre trivialidades por um tempo. O amigo havia casado com a namorada dos tempos de faculdade, de quem Gabriel se lembrava bastante bem, e se separara pouco mais de um ano depois. Comentou sobre como ele havia a pouco tempo retomado o sentimento de um beijo como deveria ser. Como se o tempo de relacionamento estável tivesse suprimido um lado essencial dele, e que depois de um tempo, quando o relacionamento já não pesava sobre seus ombros, esse lado voltou a se pronunciar, como se uma glândula tivesse voltado a produzir hormônios há muito esquecidos pelo corpo dele. Gabriel, naturalmente, achou aquilo tudo exagerado. Entendia que a percepção de mundo era subjetiva demais para que fosse julgada de maneira tão leviana como ele acabara de fazer internamente, mas existe um limite pra tudo. Seu amigo conseguiu captar seu olhar de desconfiança e exemplificou o sentimento de uma maneira com a qual Gabriel pudesse se identificar, já que ele nunca havia passado por nenhum relacionamento sólido de longo prazo. Ele usou o trabalho de Gabriel como exemplo de fardo insuportável. E Gabriel fingiu concordar. Fingiu somente, sem concordar de fato, já que não achava seu trabalho insuportável. Ele o suportava, afinal. Perdido nesses pensamentos ele acabou perdendo boa parte da argumentação de seu amigo, percebendo que não lembrava de quase nada que havia sido dito durante um bom tempo, mas que ao menos havia conseguido manter um olhar aparentemente concentrado e interessado, essencial para o convívio social, como ele já havia aprendido. Por mais um bom tempo eles conversaram, sem grandes revelações ou mesmo tópicos que seriam lembrados por mais de algumas horas. Alguns, nem isso. Passariam desapercebidos até mesmo para aqueles que o discutiram. Palavras lançadas como esperma de masturbação. O amigo de Gabriel por fim se levanta e vai embora, deixando a conta para ele, que havia se oferecido pra pagar a conta quando o amigo falou pela primeira vez que já havia dado sua hora. Gabriel se levantou meia hora depois de seu amigo partir, não sem antes olhar o bar em que estava novamente. Realmente era bonito. Andou até a porta do lugar e respirando o ar frio da noite sentiu um cheiro que há muito tempo não sentia. O cheiro aberto e floral de possibilidades. E foi embora pra casa se mantendo coerente com quem ele tem sido nos últimos anos.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008




Senhoras e senhores, eis que chega a semana de comunicação da ESPM, realizada pelo CA4D. Mais do que eu poderia falar, falam os nomes nesse singelo cartaz. Cliquem nele para que a legibilidade aumente. Abraços.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Fábio

-Alô?
-Fábio?
-Eu mesmo, querida. Tudo certo?
-Mesmo restaurante.
-Tá certo, te encontro lá meu amor.
-Vê se não se atrasa. Você parece uma noiva pra se arrumar.
-Tudo bem. Beijos meu amor.
-Tchau.
Já faziam dois meses que os dois, o Fábio e a Marta, se encontravam. Sempre no mesmo restaurante. Sempre no mesmo motel. Algum tempo depois eles passarão a cortar o restaurante. A Marta começará a ficar preocupada com a imagem dela. O restaurante era pequeno. Não mais que oito mesas. O chef gostava de comentar com a Marta que ela era a única mulher que ia lá. Normalmente só homens e algumas bonecas infláveis ambulantes. Comentava também, quando o Fábio demorava, que ele era a única boneca inflável que vinha com um pacote extra. O Chef era também dono do lugar e gostava da Marta o suficiente para fechar o restaurante só pra ela quando ela ia acompanhada. Claro que tudo tinha um preço, geralmente a garrafa de vinho mais cara era pedida, e raramente bebida até o final. Sempre era deixada para trás, o que proporcionava um vinho extra para o Chef beber antes do lugar fechar. O que por sua vez acontecia cedo o suficiente para que ele saísse quase toda noite.
Fábio ignorou a placa de fermeé, entrou no restaurante e viu Marta bebendo um copo de vinho acompanhada do Chef. Eles riam, e ele pensou que ele estava sentindo a coisa mais perto de ciúmes que ele jamais sentira pelo que ele considerava um emprego. Parou ao lado da mesa e recebeu o olhar de desprezo usual do Chef enquanto ele se levantava e ia para a cozinha.
-Ele realmente não gosta de você.
-E você insiste em vir aqui.
-Eu gosto da comida dele, e não poderia me importar menos com o que acham de você.
-Claro, meu amor.
“Ela gosta de mandar. Fica quieto” foi o que ele pensou enquanto pronunciava suas palavras de submissão. Eles jantaram. Beberam. Foram embora para o motel e transaram. Antes das duas da manhã ela já estava em casa. E ele esperava a filha dela descer.
-Demorou hoje.
-Eu tive que trocar o pneu. Deve ter furado no caminho pra casa do trabalho, ai depois eu tive voltar e tomar outro banho. E eu demorei muito pra trocar o pneu, você sabe que eu não sou muito bom nessas coisas, né?
-Essas coisas de homem? Sei.
“Ela gosta de ofender. Fica quieto” foi o que ele pensou enquanto entrava no carro. Alguns meses depois ele irá pela primeira vez tomar uma atitude na vida. Isso resultara em um assassinato nunca ser resolvido, sendo que ele, que seria o principal suspeito, estará morto com um tiro na nuca a queima roupa a menos de um metro do outro corpo. Too little, too late.

domingo, 7 de setembro de 2008

Emílio

Vem cá. Porra, para de se debater. A única coisa que você vai conseguir com isso é me encher o saco. E você não quer me ver bravo.
Babaca, frase pronta de merda. Viu isso num filme do Stallone, foi? Mordaça do caralho. Eu nunca vi ninguém usar silvertape pra nada fora prender a mão de alguém. Pra que serve essa porra? Eu devia processar esses babacas.
Olha aqui, playboy. Eu vou dar uma saída. Você vai fica ai quietinho, tá entendido? Poupe o esforço. Já volto.
Saída. Vou dar uma saída. O cara me sequestra e vai dar uma saída. Idiota. Que tipo de pessoa deixa o cara sozinho. O cara fez tudo sozinho até agora, talvez não tenha mais ninguém mesmo. Incompetente ele aparentemente não é. Se fosse eu não estaria aqui. Ah, chegou o parceiro. Sabia que ele não tava nessa sozinho. Arma com silenciador. Expressão fria. Não tá nervoso como o outro. Não se veste como um marginal.
Senhor Emílio Ferraz. Eu fui contratado para matar o senhor. O cara que acabou de sair foi contratado por mim para sequestrar o senhor. Ele é um incompetente. Digo isso por ter sido exatamente esse o motivo da contratação do mesmo. Pelo que eu pude contar, ele foi visto mais de dez vezes durante o processo de te sequestrar. Enquanto falamos, a polícia já deve estar com um retrato falado dele. Que fique bem claro, dele, não meu. Eu costumo ser mais conciso, mas é que dessa vez o plano foi tão bom. Bem, agora eu sei como se sentem aqueles inimigos do 007. Senhor Emílio, eu vou resolver meus assuntos com o incompetente antes, imagino que seja justo te dar um tempo pra rezar, caso o senhor seja religioso. E acredite, eu não sou o tipo de cara que faz isso. Fábio, vem aqui. Ele, eu vou matar de graça. Só porque ele merece. É a primeira vez dele com esse tipo de coisa.
Por 15 segundos tudo ficou em silêncio. Emílio viu seu futuro executor se postar ao lado da porta. Fábio entrou e recebeu, incrédulo a ordem de desamarrar Emílio. Concordou com um aceno de cabeça e deu as costas para o homem da porta. Emílio só conseguiu ver Fábio caminhando em sua direção até que, quase antes de ouvir o barulho abafado, ele viu um buraco se abrir na frente da cabeça do Fábio. Sujo de sangue, Emílio rezava para o deus que ele nunca acreditara. Viu um sorriso na boca do homem que caminhava na sua direção. “Não ache que eu me importo, nem que eu de fato goste disso. Eu faço pra me manter vivo. Adeus.”

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dumas

“Qual seu nome mesmo?”
“Dumas”
“Sério?”
É, sua vaca, sério, o babaca do meu pai adorava os três mosqueteiros, mas era um roceiro e não sabia o que o “A” do A.Dumas queria dizer. E se você não fosse tão gostosa eu realmente falaria isso agora. Ao invés disso eu vou ficar com o: “Diferente, né?”
“É, da onde vem?”
Pelo amor de deus, paciência tem limite, ao contrário de burrice, pelo que parece. “Já ouviu falar dos três mosqueteiros?”
“Já, mas não conheço a história.”
“Homem da máscara de ferro?”
“Com o DiCaprio? Adoro ele! Mas o que que tem a ver? Achei que os três mosqueteiros fosse um livro.”
“É que o Dumas foi o roteirista. Eu tenho que ir no banheiro” Lá de casa “Depois eu volto.”
“Tá certo.”
Pelo menos meu pai não sabia a pronuncia certa de Dumas e eu fiquei com um nome menos bicha. Duas cervejas e uma mulher que não sabia quem foi Alexandre Dumas e eu sou obrigado a andar oito quadras até em casa. Ruas cheirando a mijo, iluminação péssima por causa das árvores. Sinceramente, a necessidade de estar perto do mínimo de natureza realmente é importante ao ponto de acabar com a iluminação de uma rua? Qual era mesmo o nome da mina do bar? Será que era Sabrina? Eu acho que era Sabrina. Mas quem se importa. Mais uma noite de merda. Vou passar duas horas sentado na bosta do sofá vendo algum filme babaca e enchendo a cara com qualquer coisa alcoólica que eu conseguir achar em casa. Depois eu vou bater uma punheta, tomar um banho e ir dormir. Sozinho. Mas foda-se. Só por mais um mês. Ai aquela grana vai entrar. E eu só tive que passar aquele documento. Trezentos mil reais por um pen drive. Melhor négocio que eu
Dumas Augusto Pereira, 27, foi encontrado por uma vendedora de pastel que estava a caminho do seu ponto às cinco da manhã. Os legistas afirmam que Dumas foi executado, considerando o padrão dos tiros, dois na base do crânio e três nas costas, que teriam sido desferidos com o corpo já no chão. Ninguém parece ter ouvido ou visto nada.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Camilo

Que se comporte como uma cadela, mas que não perca seus traços angelicais. E ele não estava fazendo uma concessão. Esse era o ideal. Eu falei pra ele que já tinha ouvido isso em algum lugar. Ele tomou mais um gole de cerveja e respondeu “Provavelmente”. Acendeu um cigarro e passamos mais alguns minutos em silêncio, admirando as mulheres que passavam na calçada onde nossas mesas estavam colocadas aquela tarde. Algumas andavam como se tivessem algum lugar para chegar, vestidas com terninhos e sapatos de salto alto e bico fino. Outras andavam como se já tivessem chegado aonde queriam, olhando os prédios da avenida paulista e procurando algum olhar empático nos transeuntes. Bastantes delas estavam no meio termo. Algumas ainda olhavam para baixo e andavam a meia velocidade, como se tivessem que decidir alguma coisa antes de chegar ao seus destinos e precisassem de um pouco mais de tempo. Eu olhei para meu companheiro de vagabundagem e percebi que apesar dos seus olhos estarem acompanhando os corpos que passavam, sua mente fixava-se em apenas um. “Você ainda não está completamente recuperado, né?” “Nem quero estar. Quero que a cicatriz fique, pra eu sempre poder lembrar” Eu dei um sorriso com o canto da boca e joguei meus olhos para o lado oposto ao dele. Ele entendeu. “Eu não posso ser sentimental?” “Pode, apesar de não combinar com seu jeito, mas ao menos seja original.” “Pra mim isso é novo, qualquer coisa é original”. Ambos trabalhávamos sob encomenda, em mercados diferentes, mas os dois mercados andavam fracos e isso dava tempo pra ficar bebendo cerveja na rua de tarde em um dia de semana. Eu me especializara em conseguir provas de adultério para maridos e esposas ciumentas. Ele em resolver problemas à moda antiga. Aprendi a não julgar as pessoas, mas admito que eu demorei um tempo para me acostumar com a idéia de conhecer uma pessoa assim. Não falávamos sobre trabalho, da minha parte era falta de decoro, da parte dele poderia manda-lo pra cadeira elétrica se ele morasse no Texas, um comentário que ele mesmo havia feito. Ele virou a cerveja, se levantou decidido e deixou uma grana em cima da mesa. Me olhou em confirmação ao valor e eu acenei que sim. Ele saiu andando, sem falar nada. Eu acendi um cigarro e olhei para o céu. Azul. Muito azul. Meu celular tocou. “Camilo falando” Silêncio do outro lado por um tempo. Eu já estava acostumado. As pessoas sempre pensam duas vezes antes de me contratar de fato. Pensam se elas querem realmente saber. Confiro a tela do celular pra ver se ainda há alguem na linha. Desligou. Que se comporte como uma cadela, mas que não perca seus traços angelicais. É, ele realmente tinha exatamente isso. Mesmo com toda a droga ela conseguia manter os traços angelicais. O telefone toca de novo. “Eu quero que você descubra se minha mãe está vendo alguem.” A voz era feminina. “Certo, me encontre no meu escritório, rua...” “Eu sei onde é” “Certo, estarei lá em meia hora” “Estarei esperando”.
Ela achava que a mãe dela estava vendo um garoto de programa. E achava que o garoto de programa na verdade queria dar um golpe do baú. Alias, ela disse que tinha certeza, mas que precisava de provas. Precisava convencer a família. Estava preocupada com a mãe. Na minha opinião ela estava preocupada com a herança. Mas eu aprendi a não julgar as pessoas. O nome dela era Vivian. A mãe se chamava Marta.
No mesmo dia eu comecei meu trabalho. Fui até onde a mãe dela trabalhava. Lugar chique, endereço chique. Era uma figurona de alguma empresa. O marido tinha morrido de um ataque do coração. Stress. Era o responsável latino-americano de uma multinacional. Ela já era rica quando eles se conheceram. Muito dinheiro envolvido realmente. Ela dispensou os seguranças quando saiu do prédio. Entrou num carro sozinha e dirigiu até um motel. Muito fácil. Principalmente porque eu já conhecia a menina que ficava na portaria do hotel, caso antigo que já tinha me poupado muito trabalho. Entrei, tirei as fotos de uma janela no teto, sai. Tudo resolvido. No outro dia eu fiz um doce, pro trabalho não parecer fácil demais. Depois eu entreguei as fotos pra menina e fui pro bar achando que tudo já tinha acabado.
Uma semana depois um babaca me procurou. Perguntou das fotos, da Marta, da Vivian. Foi depois dessas que eu reconheci o sujeito. O michê que tava fazendo a Dona Marta. O cara tava desesperado. Chorou no meu escritório. Por incrível que pareça ele tava fazendo a filha também. E não era realmente garoto de programa, num batia ponto nem nada, mas é tudo igual. Eu aprendi a não julgar as pessoas. Ele foi embora cabisbaixo e eu nunca mais ouvi falar dele. Três meses depois a Vivian foi dada como desaparecida. Um caso muito estranho. Eu só vi porque meu companheiro de vagabundagem acabou deixando o jornal aberto na página da notícia numa tarde dessas de bar quando ele foi atender um telefonema. O cara começou a namorar uma puta. Se comportava como uma cadela mas, como ele, já não tinha nenhum traço angelical. Tudo muito estranho, mas bem, eu aprendi a não julgar as pessoas.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Beatriz

Ela se deitou no meu sofá e dormiu. Não me deu tempo nem para guardar minhas chaves e mijar. Os pés sujos do chão da noite envoltos nas sandálias de tira de couro ou algo assim, que ela teve o cuidado de não jogar em cima do sofá. Poucas mulheres conseguem beber mais que eu e não cair, e ela não era exceção. E eu não digo isso me gabando de maneira nenhuma. São fatos. Eu venho de uma família de bêbados, não há nada que se possa fazer.
Eu me sentei em uma cadeira na sala, coloquei meus pés em cima do braço do sofá, perto dos dela, que por reflexo natural do sono já estavam manchando todo o estofado. Acendi o último cigarro da noite e olhei para ela. Beatriz. O nome dela era Beatriz. O tipo de mulher que simplesmente não existem perto de mim por mais do que os minutos que eventualmente se perde na fila do banco e alguma delas se posta atrás de você. Saia pseudo hippie e cabelo com dreadlocks. Essa em especial ainda acreditava que o “sonho” não havia morrido. Tinha saído da casa dos pais e ido vender bijouterias feitas de sementes na rua com o cara que ela acreditava ser o homem dos seus sonhos. O cara, como todo homem, não era tudo isso e acabou largando ela quando encheu o saco. Ela continuou vivendo com outros amigos hippies enquanto a depressão não bateu forte o suficiente. Quando bateu ela foi procurar mamãe e pedir desculpas. Colocou as coisas de volta em um eixo qualquer e agora seguia com a vida. Encontrei com ela em um bar, ela era amiga da namorada de um amigo meu que estava indo pra África trabalhar com crianças abandonadas e resolveu dar uma festa de despedida. Não me perguntem como eu conheço um cara que realmente cogita e vai pra África trabalhar com crianças, porque eu mesmo me pergunto isso às vezes. Mas de qualquer maneira, lá ela estava, sentada do lado da única cadeira vazia do lugar quando eu cheguei. Bebemos exaustivamente e quando o bar estava pra fechar ela me pediu pra levar ela para casa. No carro:

- Você mora aonde?
- Como assim?
- Você me pediu pra te levar pra casa, lembra?
- Sim, pra sua. Briguei com meus pais hoje e não queria voltar pra minha casa. Vai, eu te faço um omelete de manhã.
- Meus ovos acabaram.
- Eu te bolo o melhor haxixe da sua vida.
- Não to na pegada.
- Eu vou embora antes que você acorde.
- Não precisa. Relaxa.

Então aqui estamos. Comigo ainda me perguntando como essa mulher veio parar no meu sofá. E como diabos o pé dela ficou tão sujo.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Culpa

Então eu fui viajar e passei um tempo impossibilitado de postar. E depois toda a vez que eu pensava em postar eu queria postar textos que estavam no computador que eu não estava usando. A preguiça era maior e eu acabei sem postar. Agora eu estou me sentindo culpado de ter largado completamente o blog durante tanto tempo e coloquei um texto que merecia, sinceramente, uma revisão. Um dia eu falto, ele fica aqui pela idéia. Segue o texto e fica a promessa de mais regularidade nos posts.

e o que mais?


Eu sofro cronicamente de falta de assunto. O problema básico é acreditar que poucos assuntos são relevantes. E isso é extremamente problemático para mim por dois motivos. O primeiro é essa necessidade estúpida que eu tenho de escrever. Digo estúpida pelo claro paradoxo que se dá entre essas duas características minhas. Eu preciso escrever, mas eu não tenho absolutamente nada que eu acredite relevante para escrever sobre. E esse paradoxo gera momentos como esse, um idiota explicando porque as linhas anteriores do seu texto são tão irrelevantes e mesmo assim foram escritas. Foram portanto, escritas simplesmente para serem explicadas. E o segundo, e menos paradoxal, problema é que eu adoro o som da minha própria voz. Tratemos disso, que me pareceria tão inútil quanto, mas menos desinteresssante e metalingüístico que o meu primeiro problema, não fosse a epopéia que esse meu amor me levou a viver.
Pensando agora sobre isso me lembrei da primeira vez que eu ouvi minha voz sendo reproduzida por algo que não fosse minha boca, ou pelo menos uma das primeiras vezes, já que a lembrança dos meus primeiros anos não me é tão clara quanto para algumas pessoas que afirmam se lembrar claramente de sua festa de aniversário de três anos. Minha mãe adorava filmar, hábito que passou por forte decadência com o fim do vhs e o começo do dvd apenas para ser retomado com o século vinte e um e a mídia digital e o you tube e assim por diante. Esse hábito de minha progenitora gerou diversos vídeos, hoje completamente perdidos junto com o vhs e o interesse geral por eles, de festinhas e churrascos e confraternizações e jantares e natais e páscoas e todas essas possíveis desculpas para se fazer um vídeo. Eu me lembro de me ver falando pela TV que reproduzia o vhs gravado pela minha mãe de algum aniversário meu qualquer. Absolutamente nenhum efeito estranho. Para mim, tava tudo lindo e tudo bem. O choque veio mesmo depois de um tempo quando eu ganhei um gravadorzinho colorido da gradiente, salvo engano. Gravei minha voz. E depois cometi o pecado de escuta-la. O motivo de tal discrepância de realidade, a qual todos já devem estar acostumados, só foi resolvido na minha simplória mente muitos anos mais tarde por um professor de ciências que explicou que o som é formado de ondas – claro, professor, eu nado nas ondas do som todo dia com pink floyd – que não carregam matéria, mas que carregam energia, e que no entanto precisam de um meio material para se propagar – esse comentário do meio material foi a única coisa indispensável que eu escrevi até agora – normalmente no dia-a-dia esse meio sendo o ar. No entanto, a onda não é pré-conceituosa e se propaga em qualquer meio que aparece pela frente, mas se propaga de maneira diferente em cada meio que utiliza, sendo assim – finalmente – o som que eu ouço da minha própria voz não é o som que as pessoas ouvem da minha voz, mas sim uma mistura desse som com o som que eu ouço desse som se propagando pelos meus ossos da cabeça. E depois de um período de alta repetição da palavra som, eu posso agora concluir. Minha voz, na minha cabeça, é linda. Eu sinceramente me ouço como se eu fosse a merda do supra sumo da melodia. Suave, grave e marcante. Eu sou apaixonado pela voz que eu ouço na minha cabeça. Principalmente depois de passado o período cruel da vida de todo adolescente em que sua voz varia do agudo “mocinha cú doce” pro grave “viado eu? Nunca”. Depois disso minha voz conseguiu atingir o tom perfeito. Na minha cabeça, vale sempre a pena repetir. No entanto, pesquisas e a minha própria impressão, mostram que minha voz é mediana apenas. No máximo. Agora, imagine que eu tenho vontade de falar. Mas não tenho sobre o que falar e minhas tentativas de cantar nunca fizeram sucesso. Inclusive durante um tempo eu falava tão pouco que eu tinha dificuldade em pronunciar as palavras. Por deus, eu escrevia mais rápido do que falava. Porque sempre tem alguem que te faz escrever sobre alguma coisa, mesmo que você não esteja muito afim. Mas pouca gente quer realmente que você fale alguma coisa fora um mero “uhun” que não exige articulação bocal e nem me sacia a ânsia pela minha voz.
Sendo assim, passei alguns anos da minha vida tentando encontrar uma maneira de ouvir sempre a minha voz da maneira como eu a ouvia sem precisar ficar constantemente a procura de assunto. A primeira tentativa óbvia foi pegar um desses programas de emulação de voz, desses que menininhas bonitinhas e gostosas se utilizam para virar grandes cantoras pop mesmo sem conseguir falar sem desafinar no tom que elas cantam. O resultado não foi tão negativo, mas mesmo depois de dois anos estudando aqueles programas e fazendo diversas tentativas fracassadas eu não consegui chegar na minha voz exata. E depois disso eu desisti por algum tempo. Resolvi que ia seguir com a minha vida sem assunto, mesmo sem a beleza da minha própria voz. Mas assim como Narciso não conseguia viver sem olhar seu reflexo no espelho d'água, eu sentia falta da minha própria voz. Pensei até em ir a um psicólogo depois de um tempo, tamanha falta que minha voz estava fazendo em minha vida. Acreditei que estaria matando dois coelhos com um cajadada só, já que poderia passar pelo menos uma hora por semana explicando para alguem o motivo da minha tristeza e assim, já estaria diminuindo a mesma, com o som da minha própria voz. Algumas sessões depois tudo que eu consegui foi passar uma hora por semana olhando para o teto e ouvindo o psicólogo em vão tentar me fazer falar mais do que monossilabas com aquela voz irritante que ele tinha.
Tentei em vão achar uma voz tão boa quanto a minha. Ouvi todos os grandes cantores: Frank Sinatra, Pavarotti, Freddy Mercury. Nada. Participei de saraus de poesia, onde eu poderia ler poetas que eu gostava ao som da minha própria voz sem ferir os ouvidos de ninguém com as minhas desafinadas freqüentes de quando eu tentava cantar, mas eu não consegui achar nem um poema que valesse a pena ser lido frente a mais nenhuma outra pessoa fora eu mesmo no espelho. E simplesmente ler um poema pra si mesmo em voz alta já gerava algum descontentamento no meu prédio, de paredes finas e vizinhos chatos, que só não se incomodavam com as tv's ligadas porque eram ligadas sempre no mesmo canal, gerando um uníssono bizarro pelo pequeno prédio de três andares em que eu morava.
Tentei ir em karaokês, mas descobri que a minha voz saindo do alto falante era mais alta do que a minha voz na minha cabeça. Tentei fazer yoga e meditação, para que eu pudesse ouvir pelo menos um mantra entoado pela minha voz, mas além de não ser suficiente, eu não tinha a elasticidade necessária para mais da metade da aula e então comecei a ficar com vergonha de ir. Cheguei até a fazer aulas de teatro, mas os exercícios de confiança me deixavam muito desconfiado.
Já descrente de que um dia eu pudesse ouvir minha voz constantemente sem precisar de assunto, eu tive a idéia mágica. Seria OPERADOR DE TELEMARKETING. Horas e horas falando com uma pessoa que realmente não quer te ouvir. Perfeito. No entanto o trabalho era tão ruim que eu fui forçado a sair em menos de seis meses. Quase a mesma coisa aconteceu quando eu pensei em fazer pesquisa pessoalmente na rua, a diferença é que eu me sentia muito mal em abordar as pessoas cara a cara com uma coisa tão irrelevante que eu acabava não falando com quase ninguém. Pensei também em ir dar aula de história num cursinho pré-vestibular. Depois de um ano eu fui demitido porque todos os alunos tinham ido mal no vestibular em si. Aparentemente eu não dei a matéria que caia na prova, apesar de eu achar que eu só não havia dado o completamente irrelevante. Depois de ler a prova eu percebi que a irrelevância das questões era muito maior do que eu tinha previsto e resolvi nem tentar novamente. Mas aquele foi um bom ano.

sábado, 14 de junho de 2008

Os Nomes e Alice

Eu sempre odiei colocar título nos meus contos. Nunca achava nada que realmente eu gostava. Hoje em dia eu já não tenho esse problema e nem esse ódio. A publicidade tinha que me ensinar alguma coisa, afinal de contas. Mas na época que eu ainda tinha pouco saco eu comecei a escrever textos com nomes de pessoas. Me pareceu uma boa idéia fazer um texto que falasse de uma pessoa através de uma situação. E depois várias ideias de o que fazer com um texto entitulado com o nome de uma pessoa vieram na minha cabeça. No fim das contas eu tenho alguns textos com nome de pessoas. E eu pensei, "porque não fazer um alfabeto de pessoas, agora que eu tenho o blog?" Então, é isso que eu vou fazer. Começo agoa com a letra A. Alice.


Alice

- Oi.
- Oi.
- Fazendo alguma coisa?
- Não, na verdade não.
- Vagabundo.
- E você, fazendo alguma coisa?
- Sai do trabalho agora.
- Workaholic.
- Nem sou.
- São 10 da noite. Eu sou menos vagabundo do que você é workaholic.
- Talvez.
- Vem aqui pra casa.
- Eu não sei aonde você mora, lembra?
- Perto da sua casa, na verdade. Destiny, babe.
- Ahan, destiny, sei.

Ela riu depois disso. Mas veio mesmo assim. Apesar de eu não saber por que eu continuo chamando mulheres pra vir no meu apartamento. O lugar passa uma péssima impressão de mim. Infelizmente é a impressão verdadeira no caso. Que eu sou um vagabundo. Nada na geladeira, caixas de pizza e de sanduíches e de comida chinesa espalhadas pela comodidade do momento. Mas mesmo assim. Nenhum outro lugar tem o cheiro de noite que o meu apartamento tem. O cheiro frio da noite. O cheiro molhado da noite. O cheiro lubrificado da noite. Mas foda-se. Ela me ligou, o apê pode ser o que for, ela me passou uma impressão mais forte do que a impressão de vagabundo que meu apartamento vai deixar. Ela já é minha. Ela já é minha.

- A vista do seu quarto ser um hospital não te deprime?
- Nem um pouco. Na verdade, eu normalmente nem reparo nele. Não como um hospital, pelo menos.
- Como o que então?
- Como uma construção, oras. Afinal de contas, no fundo é o que ele é.
- Mas mesmo assim. O tanto de gente que morre lá.
- Eu não sou espiritualista. Não acredito em energia. E nem dá pra ver o que rola lá dentro daqui.
- Já pensou em comprar um binóculo?
- Já. Mas me falaram que ia ser muito doentio.
- Nem, dava até pra fazer um filme daqui. Tipo janela indiscreta.
- Ou seja, já fizeram. E eu não sou nenhum Hitchcock.
- Pessoas já fizeram sexo, e você não é nenhum Casanova.
- O comentador esportista?
- Rá, rá, rá...
- Certo, certo, a piada não foi boa.

A piada não foi boa, mas eu ri. Ela ficou encostada no parapeito da janela. Eu estava sentado na cama, o que me permitia vê-la e a vista da janela ao mesmo tempo. Salvador Dali e sua Gala na janela. Mas sem as roupas e sem o dia ensolarado. Prefiro o meu quadro.

- Eu tenho que ir.
- Beleza. Consegue achar seu caminho pra casa sozinha?
- Espero que sim, né?
- Consegue, consegue.
- Até porque o vagabundo quebrado não tem carro, e eu não teria como largar o meu aqui.
- Vai, admite que isso tem seu charme.
- Na verdade, não. Todo esse lance canalha malandro que você joga num funciona tão bem mais.
- Na verdade, tem funcionado bem.
- Acredite, você tem outras qualidades que fazem esse lance valer a pena.
- Não faz nem cinco minutos eu num era nenhum Don Juan.
- Rá, rá, rá. E era Casanova.
- É mesmo, o comentador esportista.

Dessa vez ela riu. Humor é repetição. Ela se vestiu e foi embora. E eu fiquei procurando estrelas no céu de São Paulo. Eu realmente deveria comprar um binóculo.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Bem. Eu não ia fazer um post de "olá" nem nada do gênero. No entanto, eu Acho que começar a colocar coisas do nada fica um pouco estranho. Até porque, é preferível eu explicar as coisas de uma vez aqui do que ficar explicando pra cada pessoa. Então é o seguinte:

Eu senti falta de ter um blog. As duas últimas tentativas foram boas enquanto duraram, mas eventualmente acabaram se perdendo por falta de tempo e comunicação. Mas foram boas enquanto duraram. Por questão de mera referência, essas tentativas a que me refiro fora o Fluxo ( http://www.organelasaflitas.blogger.com.br/ ) e o Blefe ( http://www.blefe.wordpress.com/ ). O negócio é que acabei ficando com um monte de texto engavetado, que eu acabei mostrando pra poucas pessoas. E não que eu ache que esse blog será tão visitado quanto o kibeloco, nem nada do genênero, mas é legal poder simplesmente passar um endereço pras pessoas que eventualmente se interessarem em ler. E com o fluxo, eu, e as pessoas que escreviam comigo, até conseguimos um público interessante.

Bem, sobre esse blog. Eddy is no more é, supostamente, parte das últimas palavras do Edgar Allan Poe. Parece que foi algo como "Write Eddy is no more" e alguma coisa antes que eu realmente não me lembro. A idéia básica é publicar literatura barata mesmo. No entanto, eu acho meio cato esse negócio de texto puro e nada mais. Vou acabar colocando alguma coisa que me chamar atenção, quem sabe até algum eventual anúncio que eu fizer. Aceito colaborações. Com o empo as coisas vão tomando uma forma melhor e tudo fica mais claro. Por enquanto é isso mesmo.

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...