segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Varanda NovAmérica

Sumido, mas tem bom motivo. Propaganda minha:



O Guilherme Almeida assina o roteiro comigo. Ou eu assino com ele. Alguem sabe se tem diferença?

sábado, 18 de julho de 2009

Ulisses

Eu não venho de uma família importante. Na verdade, acho que ninguém da minha família nas últimas gerações saiu do anonimato. Nenhum herói. Pelo menos não no sentido de se tornar conhecido pelos seus atos, ou de mudar o pensamento das pessoas. Eu, obviamente, sempre tive meus heróis. Aquelas pessoas que eu admirava e tomava como padrão de comportamento. E eles foram aos poucos morrendo e perdendo lugar na minha cabeça. Hoje, eu não os tenho. Pelo menos não daqueles que você quer copiar. Eu tenho pessoas que eu admiro, mas me falta um herói de verdade. Inabalável. Inteligente. Uma pessoa que possa ser admirada. Alguém que eu acredite que faria as escolhas certas se estivesse no meu lugar. Porque eu preciso acreditar que alguem faria. Porque eu tenho certeza que eu não as faço. Nem vou conseguir fazer. Eu não quero assumir responsabilidade pelos meus atos. Eu quero ser o centro do mundo. E eu não posso fazer isso me sentindo culpado pelo fato de que se eu não fizer a coisa certa, ninguém vai fazer. Eu odeio essa culpa. Eu quero ser expiado dessa culpa. E aonde está meu herói? Jogado em algum emprego ruim? Ignorado porque o seu trabalho não condizia com o que era padrão e ele não quis se vender? Meu herói nunca vai aparecer. E de que me importa um herói anônimo? Como eu vou expiar minha culpa pelas ações de alguém que eu não conheço? Que se fodam os heróis anônimos desse mundo. Esses inúteis que encaram a realidade sem as armas pra isso. Só me sobram atos heróicos de pessoas comum. E esses só me afundam mais na minha culpa. Mundo de merda. Piada sem graça.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Tamires

Colaboração externa, no caso, da Amanda, minha namorada.

Tamires

Ela acaba de puxar a meia 7/8 (sete oitavos) devagar, mas sem cuidado ou atenção. Acostumou-se a sentir o elástico apertando a perna, dividindo um pouco a carne. Passou de novo o batom escuro - os lábios haviam perdido a cor para o copo - e logo puxou um e outro olho, esticando para contorná-los. Envolveu-se em preto, apertou as amarras que lhe destacavam a cintura, e subiu em seus sapatos de verniz. Como de costume.
Foi com sua expressão cliché blasé, que tanto se esforçara para representar e hoje surgia naturalmente (não pelo treino, mas involuntariamente). Estava ficando velha para aquilo. A perspectiva de dançar todo dia na balada e ainda ganhar dinheiro por isso deixou de ser seu mundo ideal havia algum tempo.
Subiu no balcão e começou a dançar como fazia há 8 anos, talvez com menos paixão, mas com uma sensualidade reproduzida no ritmo com precisão. Não se lembra de quando deixou de se sentir em um desenho dos anos 30, daqueles em tons sépia que têm alguns quadros faltando e rodam dando "pulinhos", onde as pessoas têm grandes cílios e belas pernas. O filme ficou devagar, saiu do rolo e a tela ficou branca. Foi-se o glamour, o "wanna be", a ânsia de ser aquela personagem, e ficou a dependência dos olhos vidrados de tesão,o admiração e álcool. Vício em um mar convulsivo de indivíduos quase inertes que olhavam para cima e viam nela uma deusa. De sentir olhos percorrendo a linha branca de seu calcanhar até o fim da coxa. Fechou o casaco e saiu pela porta dos fundos. So restavam lá dentro os que não tiveram consciência das luzes acesas e as vassouras dançantes.
Andou sozinha em paralelepípedos pretos e úmidos, apertando os braços. Chegou em seu apartamento e deitou-se no sofá. Acendeu um cigarro. Estava com ressaca de tantos cigarros que fumou sem encostar. Continuou com ele aceso. Abriu o casaco, e virou os quadris lentamente para um lado e depois para o outro, olhando seu corpo serpentear. Assim queria ser vista. Ou não. Fechou o casaco com um movimento brusco. Levantou-se e foi pegar uma bebida ambarada na cozinha. Encostou, pé na parede, olhar atravessando o chão, uma mão na cintura servindo de apoio ao cotovelo, a unha do dedão presa entre dentes e o cigarro ao lado dos olhos distantes. Foda-se como me vêem... bostas. Dizem estar sujeitos ao que o corpo manda, sem voz, sem voto, sem consciência. "é necessidade..." "eu não queria...". Áh, vá. Vão todos pra grande puta gorda que pariu, nunca serviram de nada e nem vão servir.
O que largou ela com fitinhas no cabelo e promessas de arco-íris, o que fez ela acreditar que era diferente, o que fez ela sentir a primeira dor fora do peito, o que 'não queria' ter magoado ela, o que a pôs em um pedestal e se deleitou com as plebéias, o que lhe deu o primeiro tabefe/murro, o que lhe deu o último, o que sumiu do mapa, o que se apaixonou pela melhor amiga, o que se esqueceu dela por duas mais novas, o que lhe roubou por um pico, os que lhe deram rugas, cicatrizes, marcas, pesos, e esse olhar cansado.
'Fodam-se todos eles. Não foi falta de amostragem, homem é estatisticamente um bixo fraco de merda. O que importa é o fim, não o começo. Claro que cada um é diferente de início. Inteligente, adorável, irresistível, quente, boêmio, poeta, músico, estiloso, cheiroso, bom filho, bom irmão, bom amante e quem sabe bom marido, cada um com seus predicados, que vão dar na mesma merda. Rimel espalhado pelo rosto e remédio pra dormir.'
Colocou o copo vazio na pia saia da cozinha quando o telefone tocou.
Tá. to precisando de você. (Esse aí também não presta. Mas esse fardo não é meu)
Fala Fábio...
Contou a ela de alguma merda que tinha feito com alguma dondoca que namorava. De novo.
'Ele se liga numa coroa... Édipo mal resolvido. Ou complexo de bon vivant. Preguiça de pegar no batente, falta de figura paterna. Taí uma coisa para a qual os homens podem prestar: evitar que existam mais merdinhas no mundo, dando um exemplo decente (mesmo que falso). Eu sou mais a minha mãe. Deus me livre ser como ela... Mas tenho que dar o crédito. Ninguem levantou um puto dedo pra ajudar ela. Nem eu. E ela fez tudo sozinha. Nunca precisou de ninguém. Homem que aparecia era só atraso de vida, por isso não se envolveu com nenhum. Minha mãe é a virgem maria. No fim meu irmão cresceu estragado... mas é a vida.'
Ele se despediu, e ela acordou de seu devaneio psicanalítico de programa de bafão. Foi tomar banho, limpou a alma, deitou de roupão para ver alguma coisa leve na TV, mas não tirou o preto dos olhos. Pra ficar bem claro quem ela tinha se tornado, e não esquecer que não dava pra voltar.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sabrina

- Você tem medo de relacionamento.
- Não, não tenho, Rodrigo. Existe uma diferença gigantesca entre eu não querer nada com você e eu ter medo de relacionamento.
- Eu não tô falando de mim. Eu tô falando de maneira geral.
- Claro que não, você só acha isso porque eu não quero nada sério com você.
- Larga de ser burra. Eu não sou assim. Eu tô fazendo uma análise séria.
- E quem te pediu pra fazer uma análise séria? E burra é a mãe.
- Cala a boca e deixa eu falar. Tudo o que você faz é pra evitar relacionamento. Eu não estou falando que é por isso que você não quer nada comigo. Eu estou falando que, de maneira geral, você evita se aproximar de verdade das pessoas. Você acaba se envolvendo fisicamente antes de deixar alguma coisa
- Você não pensa isso de verdade, né?
- É tipo o Don Juan, que não queria ter um relacionamento sério com ninguém. No fundo, ele ficava com muitas para permanecer fiel a idéia de uma que ele não poderia ter. Então, enquanto ele se envolvesse com todas indiscriminadamente, ele estaria sendo dialeticamente fiel àquela que ele não pode ter.
- Num entendi nada.
- Esquece.
Ele se levantou da cama e colocou a calça. Chegou perto da janela e acendeu um cigarro, olhando as pessoas passando na rua. Ele realmente estava gostando dela, e não deveria estar. E ele sabia disso. E ele tentava arranjar mil desculpas e defeitos e problemas e gastava boa parte do seu tempo com isso. Ele não podia se envolver. Estava feliz assim. Já fazia dois meses que ele estava com o mesmo nome. Não que tenha dado algum problema, mas é o tipo de coisa que poderia estragar uma operação. Se ele se apresenta com nomes diferentes a polícia acha que são pessoas diferentes. Não liga os pontos. Ou pelo menos fica mais difícil ligar. Tudo bem que ele não fazia nada já fazia um bom tempo. Mas mesmo assim. Meu Deus, se fosse no Texas ele iria pra cadeira elétrica. Já tinha matado tanta gente que importava para pessoas importantes que nem um julgamento justo ele ia ter. Era capaz de ter matado algum parente do juiz. E por quê? Pra que? Pra sobreviver. A vida dessas pessoas em troca da dele. Era isso que ele pensava sempre. Sem isso ele estaria morto, e ele sabe disso. Ele mesmo ia ter feito o serviço. Em doses lentas, devagar, do jeito mais cruel. Agora não. Agora mesmo sem isso ele teria a Sabrina. Meu Deus, nem deve ser o nome dela. Ela mente tanto quanto eu. Ela mente melhor do que eu. Muito melhor do que eu. E ele só sabia tratar problemas de um jeito. Quer dizer, ele conseguia lidar com os problemas de mil maneiras, mas no fim era tudo com o mesmo fim. Ele acabou o cigarro. Colocou a camiseta e o tênis. Saiu sem falar nada e sem responder pra onde ia.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Rodrigo

Ele acordou. Abriu os olhos, mas não se levantou. Os braços abertos ocupando toda a cama de casal. Acordar sozinho tem suas vantagens e suas desvantagens. Riu pensando nisso. Levantou-se da cama, colocou a calça jeans mais próxima, uma camiseta, um tênis e colocou a pistola na cintura, por baixo da camiseta. Olhou para o relógio e viu que ainda tinha duas horas até a hora de se encontrar com o alvo. Naquele mês seu nome era Rodrigo. No mês passado tinha sido Paulo. Estava pensando no nome do próximo mês logo antes de ir dormir. Sonhou com Matheus. E assim que se lembrou disso, pouco antes de sair de casa, se decidiu. Mês que vem é Matheus. Antigamente ele usava apelidos, assim não sentia que estava mentindo quando perguntavam o nome. O problema é que sempre tinha um babaca que perguntava “Mas qual seu nome mesmo?”. Porra, foda-se o nome, o que importa é você ter como me chamar. Mas ficava suspeito ele não responder, então ele começou a usar nomes mesmo. Aí se ele resolvia usar um apelido no meio do trabalho, ele pelo menos não vacilava quando perguntavam o nome de “verdade”. Desceu de escada, já que estava no segundo andar. Saiu pela portaria e deu um aceno de cabeça pro recepcionista. Duas horas. O que fazer com essas duas horas? Na primeira vez ele vomitou por duas horas. O problema não é fazer, é pensar no que vai fazer. Depois que está feito, só adrenalina. Na verdade foi o que manteve ele no negócio. A primeira vez foi meio que uma dívida. O cara era um dono de boca que ele tava devendo, da época que ele era junkie, e ao invés de matá-lo pela dívida, o cara preferiu pedir pra ele matar um outro cara. Ele tinha uns 22 na época. Fez o serviço tão bem que o cara da boca começou a pagar ele por alguns outros serviços. Até que o cagão começou a ficar com medo de ele querer tomar a boca. Mandou matarem ele. Ele se safou. Tomou a boca e entregou de mão beijada pra outro cara. E pronto. Ele tinha acabado de conseguir toda a reputação que precisava. O resto é contato. Agora lá está ele parado na rua augusta, sua residência do mês, pensando no que vai fazer com as duas preciosas horas que tem. E um puteiro soou como uma boa opção. O único problema é que putas não gostam que você leve armas pro quarto delas. Sem contar os babacas da entrada, que ficam revistando. Deixou a arma no quarto e foi procurar alguma puta boa pra uma metida rápida.

Chega ai amigo, quer meter hoje? Tem 30 meninas lá dentro, chega ai. 10 reais e eu te dou uma cerveja e uma capirinha. Qual cerveja? Skol. Ta certo. Mas não precisa mentir que eu sei que não tem 30 meninas lá dentro. Têm sim, é que tem algumas que tão no quarto, ai vai parecer que tem um pouco menos.
Mentira.
Ele entra sabendo que não vai tomar a caipirinha, porque caipirinha de puteiro é horrível. Aqui na Augusta pelo menos. Pega a cerveja com o barman com cara de poucos amigos.
Conheci um barman de puteiro uma vez que namorava uma das meninas. Ele falava que entendia e tudo mais, que ele tinha conhecido ela assim, que ele não tinha grana também e não podia fazer nada. Tinha que aceitar. Ficava com cara de bosta toda noite, o que pra mim só prova que ele, na verdade, se importava. Aí eu paguei pra comer a namorada dele uma vez, só pra ver se eu tava certo. É, eu tava. Ele veio irado pra cima de mim falando que eu era amigo dele, que eu não tinha direito de fazer isso. Ao que eu respondi: “Mas eu paguei !”. Depois disso ele nunca mais falou comigo. Mas eu também não me esforcei. Isso foi pouco antes de eu vir pra São Paulo, eu só vi ele mais umas duas vezes antes de mudar pra cá.
Senta-se num dos sofás do lugar e olha em volta pra ver se acha alguma coisa. Ele acha. Loira tingida, mas com uma bunda e uma barriga fenomenais. Coxas tão grossas que pareciam que podiam matar ele. Meio feia de rosto e bastante sem peito. Mas pra um relacionamento de meia hora tava ótimo.
Quanto é o programa? Cem reais mais o quarto. Nem fudendo, muito caro. Pago cinqüenta mais o quarto. Setenta, gatinho, nem um centavo a menos. Fechado.
Ele foi até o balcão com ela pra pagar pro “caixa”. Ela ficou passando a mão no pau dele por fora da calça. Ele olhou pra ela com um olhar meio indefinido. Algo entre “você não quer parar?” e “até que está gostoso”. Levou ela pro quarto. Tirou a pouca roupa dela antes de perguntar o nome. Sabrina. Ela tinha pegado uma camisinha com o cara que marcava o tempo dos quartos no corredor atrás da boate. Colocou pra ele, logo depois de ele ter tirado a roupa e deitado na cama. Ela subiu em cima dele e começou a cavalgar, gemendo da maneira menos falsa que conseguia. Ela não era muito boa nessa parte. Ele girou, a colocou por baixo e deu um beijo na boca dela. Bem, já que eu estou aqui eu posso muito bem fazer isso direito. Pelo menos ela não vai ficar gemendo desse jeito falso no meu ouvido. Ele se esforçou, de fato, mas não são bem assim que as coisas funcionam. Ele não foi o pior da noite, na verdade foi o melhor. Os outros foram dois moleques de 18 anos que gozaram rápido demais e um outro cara, de uns 40 anos, casado. Péssimo. Mas mesmo assim ele não a fez realmente sentir prazer. E saiu sabendo disso.
Certo. Agora eu tenho uma hora e 15 minutos pra chegar aonde eu preciso, pegar a vagabundinha, levar ela pra um lugar deserto, e dar um tiro na nuca dela enquanto ela estiver abaixada cheirando a cocaína, a junkiezinha. Sem problema.
Ele não sabia por que ia matar ela. Só mostraram quem ela era. Ele a seguiu por um tempo. Muitos seguranças. Sempre. Muitas câmeras. Sempre. Ele só viu um jeito de conseguir ficar com ela sozinha. Se ela mesmo fugisse dos seguranças. Ficou com ela uma noite, depois outra. Descobriu que ela gostava de cocaína. Ai foi só falar que ele tinha pros dois, pra eles cheirarem antes de ir pra balada. Ela nunca viu ele cheirando, exatamente porque ele parou, desde que ele começou a matar ele não precisa mais disso, mas ele falou que era porque ele não gostava de cheirar no meio da festa. A desculpa caiu como uma luva pro que ele queria. O nome dela era Vivian. Ele não sabe nem porque ela tem tantos seguranças. Nem se deu ao trabalho de perguntar. Tinham arranjado um carro pra ele. Placa fria e tudo mais. Tava tudo certo. Ele já sabia até aonde ia levá-la.
Parou na esquina em que eles iam se encontrar. Ela chegou e entrou no carro. Vamos? Ela beijou a boca dele antes de perguntar. Aqueles lábios grossos e maravilhosos. Quase dá pena. Tem certeza que nenhum dos brutamontes te seguiu? Tenho, relaxa, você acha que eu ia dar essa bandeira? Se eles virem eles vão falar pra minha mãe. Ele ia ficar puto. Ta certo, vamos então. Ele dirige por uns dez minutos, prestando atenção pra ver se eles não estão sendo seguidos. Nada. Ótimo. Ele abre a janela e acende um cigarro. E começa a se dirigir para o lugar que ele tinha pensado. Ela nem repara a mudança de rumo. Está animada demais falando sobre alguma coisa que ele não está ouvindo e cantando as músicas que estão tocando. Ele ri e concorda com qualquer coisa de vez em quando. Eles chegam. O lugar é completamente isolado. Alguns quilômetros da rodovia. Pra evitar qualquer desconfiança, ele falou que eles estavam indo para um rave particular no sitio de um amigo dele. Ele tira os pacotes do bolso e entrega pra ela. Vamos lá pra fora, cheira no capô. Ela continua rindo e falando alguma coisa. Parece que ela fala até quando respira. Ela se abaixa. Ele tira a arma das costas. Ela vai pra segunda carreira. Ele pensa melhor e guarda a pistola. Ela olha para ele e ri. Ele ri de volta. Você num vai? Vou, só deixa eu pegar um negócio aqui. Abre a porta luvas e tira uma faca. Enquanto ela abaixa pela terceira vez. Ele faz isso rápido o suficiente pra conseguir enfiar a faca no meio da cabeça dela enquanto ela ainda estava abaixada. Ele limpa o cabo da faca. Limpa as impressões digitais que ele pode ter deixado no carro enquanto ela acaba de agonizar no chão. Ele vai queimar tudo, mas nunca é demais ser cuidadoso. Joga ela dentro do porta mala, logo depois de tirar o galão de gasolina. Ele ensopa ela e o carro inteiro. Mas principalmente ela. Acende um fósforo e joga de longe. Ele vai a pé até a estrada de asfalto e espera a carona. O cara chega. Ele entra no carro. E tira o tênis 3 números maior que ele estava usando. Nunca é demais ser cuidadoso. Eles levaram o tênis que ele pediu. Ele fala pra eles se livarem daquele tênis, só por precaução, mas que estava tudo bem. Eles riem, agradecem. Pagam, todos pagam. E largam ele no hotel. Ele olha a fachada do hotel, olha pro lado. Pensa em ir procurar a Sabrina. Mas desiste. Já era muito tarde.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Quincas

- Oi
- Oi, tudo certo?
- Tudo, e com você?
- Tudo certo.
- E ai, aonde a gente vai?
- Num sei ainda. Mas vamos rodando mesmo assim.
- Certo, você que sabe. Mas acho que isso é desperdiçar gasolina.
- Não vai falar das reservas mundiais de petróleo acabando e do efeito estufa também?
- Não ia, mas já que você comentou, é verdade.
- E além de pouco me importar, meu carro é a álcool.
- Tudo bem, o direito de pouco se importar é todo o seu, mas a sua indiferença não diminui os danos que você está causando ao seu bolso e a natureza e também não justifica essa velocidade toda. A gente nem sabe pra onde ta indo. Desacelera ai, vai.
- And we are gonna ride fast going nowhere...
- Hein?
- Uma música. Trecho de uma música que eu gosto e que me lembra bastante a cidade de onde eu vim.
- Você não é daqui?
- Não. Caramba, é a quarta vez que a gente sai e você não sabia disso?
- Você não tem sotaque e parece conhecer bem as ruas da cidade. Assumi que você era daqui mesmo.
- É que eu já moro aqui faz um tempinho. E o sotaque eu nunca tive mesmo, porque eu mudei muito.
- E quando você se refere a cidade de onde você veio, é a cidade que você adotou como lar?
- Mais ou menos, é onde eu tive minha primeira namorada, onde eu perdi minha virgindade, onde eu dirigi um carro pela primeira vez, onde eu ganhei a maior parte dos meus vícios e das minhas manias.
- Como, por exemplo, dirigir rápido desse jeito.
- Não, essa mania eu peguei aqui mesmo.
- Com todo o trânsito de São Paulo você ainda pegou mania de dirigir rápido. Eu acho que isso é mais uma manifestação de uma necessidade sua do que uma influência do meio.
- A gente tinha concordado que você não ia me analisar. Se eu quisesse um psicólogo eu pagaria por um, não namoraria uma.
- A gente não ta namorando, benzinho.
- Modo de falar. Você preferia que falasse que eu não pegaria uma ou invés de namoraria.
- Existem outros termos, sabia?
- Eu sei, mas nenhum se encaixava tão bem.
- Você não está escrevendo um título para um anúncio, não precisa se preocupar tanto assim com isso.
- Você fica analisando as pessoas e eu não posso colocar um ritmo decente nas minhas frases?
- Pára aqui.
- Aqui?
- É, a gente passou por um restaurante que parece bom.
- Eu dou a volta.
- Que dia você vai viajar?
- Depois de amanhã.
- Volta quando?
- Já ta ficando com saudade, é?
- Engraçadinho. Não, é só curiosidade mesmo.
- Admite que você ta cada vez mais apaixonada por mim.
- Você se acha, né?
- Na verdade é só um mecanismo de defesa.
- Mecanismo de defesa? Agora virou psicólogo também? Mecanismo de defesa do que?
- Timidez. Tem gente que faz piada, eu finjo que sou fodão.
- Você não é tímido.
- Claro que sou. Sempre fui. Eu era daqueles nerds que passava o dia inteiro ouvindo metal e qualquer outra coisa que quase ninguém mais que eu conhecia ouvia. E que ficava parado nos cantos na festa com mais um amigo nerd, festas as quais eu só era convidado por educação, reclamando da música e não pegando ninguém.
- Não pegando ninguém? Olha só, que inesperado.
- Odiei o tom de ironia na frase.
- Vai, você realmente não tem a mínima cara de ter sido o pegador da oitava série. Agora para de reclamar e estaciona o carro.
- Relaxa, vou deixar com o manobrista mesmo. E como assim eu não tenho cara de ter sido o pegador da oitava série? Qual o problema de eu ter sido o pegador da oitava série?
- Geralmente os pegadores da oitava série não tiveram Alexandre Dumas como parte fundamental da formação, como você mesmo já disse.
- Eu te falei isso?
- Falou, não lembra?
- Não, não lembro.
- É mentira?
- Não, não é. Mas eu não me lembro de ter te falado isso, e nem acho que eu deveria ter falado. Oi. Mesa pra dois.
- Claro que deveria ter falado, eu não teria ficado com você se você não tivesse falado. Eu ia achar que você era mais um babaca que era pegador na oitava série.
- E qual o problema, portanto, de eu ser tímido.
- Nenhum, mas simplesmente parece que você já superou o trauma e, no entanto, fica usando ele como desculpa pra poder se achar fodão.
- Certo, e você? Seus peitos ainda não tinham crescido o suficiente na oitava série?
- Não, nada disso. Eu sempre fui gostosa e popular.
- Certo então a menina gostosa da oitava série veio a conhecer e gostar de jazz e literatura por quê?
- Porque meu pai gostava de jazz e literatura e eu claramente sofri de um complexo de Édipo mal resolvido até eu começar a terapia. E então, só depois da terapia, eu decidi virar psicóloga.
- Nossa. Você é psicologicamente mais fodida do que eu.
- Finalmente encontrou um par á altura?
- Eu acho que sim. Quer escolher o vinho?

terça-feira, 21 de abril de 2009

Patricia

Restavam apenas cinco pessoas na festa. Horas atrás, havia sido um evento que muitos descreveriam como memorável. Agora, era apenas um punhado de copos vazios e mais alguns com um resto da bebida, agora escassa, que suavizara as preocupações dos convidados daquela noite.
Os cinco se sentaram em volta de uma única mesa. Olharam-se sem saber o que dizer. Não eram íntimos entre si. Conheciam a anfitriã, mas haviam apenas se esbarrado nos lugares comuns que frequentavam. Somente se encontravam na mesma mesa uma vez por ano, e por poucos minutos.
A anfitriã era uma mulher com um gosto impecável. Culta e reservada, descrevia a si mesmo como uma mulher de vícios saudáveis. De fato, seu maior vício é a saúde em si. Não a dela, mas a de seus amantes. Pelo menos aparentemente saudáveis. Músculos bem trabalhados, mas não exagerados. Pele ainda firme nos ossos. No mínimo 20 anos mais novos que ela. Afinal, era sua filosofia que a velhice era uma doença. Uma doença que deveria ser evitada a qualquer custo. Então, a cada ano que passava, mais ela precisava sentir-se nova. Mais ela precisava fugir de tudo que parecesse um sinal de envelhecimento. Posses, marido, filhos. Até cargos elevados em companhias. Vivia uma vida de constante extravagância, procurando sempre evitar as preocupações com a vida. Começava negócios inovadores, somente para vende-los quando eles começavam a dar certo. Felizmente, sua reputação de mulher de negócios genial não pode sofreu com sua ânsia, e o dinheiro vinha fácil e suas empreitadas a rendiam cada vez mais a cada venda que ela fazia.
Naquela noite, dos quatro que restavam, fora ela, três viviam de maneira bastante parecida com o estilo de vida da anfitriã. Eram amigos antigos, mas o tempo não havia envelhecido a amizade como a um bom vinho, ou um whisky em uma barril de carvalho. O tempo havia jogado eles em direções opostas e, não fosse o esforço da anfitriã, eles nunca mais se veriam. Anualmente, ela fazia uma festa de aniversário melhor que a do ano anterior. Gostava de comemorar sua vitória sobre o tempo. E chamava todos os seus conhecidos. A cada ano a festa era maior, e a todo ano sobravam sempre os mesmos quatro na mesa final. Esse ano específico, um novo sobrevivente se juntava a mesa. Era jovem e nossa anfitriã havia se apaixonado pelo mistério atrás de seus olhos.
Então, deixem-me apresentar meu novo amigo. Meus queridos, esse é o Rodrigo. Rodrigo, esta é a Marta, aquele é o Zacarias, e por fim, o Ulisses.
Todos na mesa fizeram acenos de cabeça. Xavier terminou seu copo de whisky e se levantou.
Mais um ano, mais uma vez deixo vocês a sua sorte. Até ano que vem. Patrícia, sempre um prazer.
E Zacarias pouco depois seguiu o exemplo de Ulisses. Ignorante ao fato de que o seu maior motivo para abandonar a festa estava exatamente em sua frente. Marta, por fim, levantou-se. Despediu-se de Rodrigo, e pediu para Patricia acompanha-la até a porta. No caminho, quando se sentiu segura dos ouvidos de Rodrigo, aconselhou a amiga a tomar cuidado. Não desaprovava a atitude dela em relação aos seus acompanhantes, mas queria ter certeza de que ela não se envolveria emocionalmente.
Tarde demais, amiga. Eu já amo ele. E eu sei que ele vai me magoar, mas eu vou aproveitar tudo que ele puder me oferecer até lá. Chorar quando ele for embora. E depois achar outro. Mas não me fale para não amar, porque amar é tudo que eu tenho.
Apesar de Marta ter achado todo o discurso sentimental demais, faltava a vontade de discutir naquele horário. Ela que fizesse o que preferisse. Patricia voltou até a mesa, puxou Rodrigo pela mão e o levou até o quarto. Era hora de mergulhar na sua fonte de juventude.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Luís

Comecemos. Temos um homem. Alto, mas nem tanto. Magro, mas com uma leve barriga. Gosto de acreditar que todos tem uma leve barriga, tira de mim o fardo da perfeição. Cabelos negros. Tem pintas no rosto, mas nada muito alarmante, apesar de digno de nota. Tende a ser vestir com a penúltima moda. Não se interessa tanto a ponto de aceitar tudo que se faz, mas o suficiente pra mudar quando todos mudam. O que sempre acontece um pouco tarde, mas é o que a maioria da população faz mesmo. Ele trabalha. Acho que importa aonde, mas eu não sei. Sei que tem curso superior, e que não é engenheiro, nem economista, nem publicitário, nem arquiteto. E, por deus, advogado não. Não seria bom se ele fosse psicólogo ou médico. Professor. Química. Professor de química em cursinhos pré-vestibulares. Fez um curso de farmácia mal feito e depois tirou licenciatura em química. É novo. Algo em torno de 25 anos. Chama-se Luís. Nunca teve apelidos, apesar de, ou exatamente por, nada ter contra eles. Cresceu e vive em São Paulo. Pronto. O Luís agora tem características que te lembrariam de alguém que você conhece, leitor. Talvez com uma coisa ou outra de diferente, mas ele é palpável. Ainda não é chegada a hora de fazer desse Luís o “meu Luís”. Soou gay, eu sei, mas vocês entenderam. O Luís encontra-se parado na esquina da avenida paulista com uma rua da qual pouca gente sabe o nome. Nesse caso, inclusive, eu vou com a maioria. Mas, para maiores identificações, é a rua que faz uma das esquinas com o MASP, a que vai no sentido centro, continuação da Casa Branca. O que me lembra que uma das minhas primeiras impressões dos paulistas que passaram a vida inteira em São Paulo é que eles tem fixação por discutir o lugar e o nome das ruas. Mas voltando ao nosso professor, que inclusive não gosta de ser chamado de professor, prefere ser chamado de Luís, apesar de não ter uma explicação para isso, e nem se importar em ter. Ele está parado nessa esquina especifica porque acabou de sair do MASP e estava indo para o metrô quando resolveu fumar um cigarro, apesar de saber das suas 4.700 substancias tóxicas e inclusive saber a fórmula de algumas de cor, e apreciar um velho prédio que compartilha a rua cujo nome eu não sei com o MASP, apesar de, assim como o museu, ter sua entrada voltada para a Paulista. Não achem, no entanto, que o Luís é dado a divagações. Não, é um homem que gosta de se considerar prático, apesar de ser professor. Então, cá estamos com o Luís, devidamente apresentado, parado em algum lugar e com um motivo para estar parado lá. Nesse momento do tempo, ao qual demoramos relativamente pouco para chegar, uma mulher para ao seu lado, não por sua extraordinária beleza, já que ele não a possui, e muito menos pelo seu carisma magnetizante, que ele também não possui, apesar de ser “amado” por seus alunos. Ela pára ao seu lado simplesmente para esperar o sinal, vermelho para ela, se tornar verde. E ela também não faz isso por nenhum forte senso cívico de obedecer às leis, mas por seu caminho estar bloqueado por várias pessoas que esperam os carros passarem e, especialmente hoje, não terem nenhum ímpeto suicida. O nome dessa mulher é Luiza e, se o Luís soubesse, talvez ele achasse interessante o fato de que essa mulher linda que parou ao seu lado ter a variação feminina de seu nome como graça. Provavelmente ele pensaria em alguma piada, mas desistiria quando seu bom senso o alertasse de que qualquer piada que ele pensasse seria ridícula a partir do segundo que ela acabasse de sair da boca dele. O sinal acende sua luz verde e a Luiza atravessa a antes praticamente intransponível rua. E o senhor Luís se surpreende ao vê-la entrar no prédio velho que ele estava admirando segundos antes de ser interrompido por uma vista ligeiramente mais interessante. Para ele, pelo menos. Luís, então, num momento de ousadia, vai até o velho prédio com intuito de conversar com a Luiza. Essa mulher tão linda da qual ele não sabe o nome e; estragando uma de suas aspirações de final, leitor, nunca saberá. Antes soubesse, seu destino poderia vir a ser um tanto quanto menos trágico. Ele chega a porta de vidro do prédio velho e não a vê. Perfeitamente possível se ela tiver entrado em algumas das portas mais próximas. Ele demorou alguns segundos para tomar a atitude e estava um pouco atrasado em relação à distância. E é nessa hora que ele pensa que seria melhor ele ter falado com ela ali no sinal mesmo. Mas, tomado por uma obsessão incomum, ele tenta abrir a porta de vidro do prédio, aparentemente desabitado. Ao encontrá-la trancada ele dá uma olhada em volta e percebe que existe um pequeno portão. Pequeno mesmo, algo em torno de um metro de altura, talvez menos, nada que uma pequena levantada de pernas não consiga transpor. E logo depois de uma melhor olhada, vendo uma escada e algum entulho no fim dela, ele resolve dar a leve levantada de pernas. Ele desce a escada e encontra uma pequena porta ligeiramente enferrujada e entreaberta. Bem, ninguém em São Paulo deixaria uma porta entreaberta protegida apenas por um portão de menos de um metro de altura e um lance de escadas se não quisesse que as pessoas entrassem. Pensa na sua estupidez de ter esquecido de ver se o portão era facilmente aberto. Afinal, isso indicaria que o ambiente, provavelmente comercial, estaria aberto a qualquer um. E Luís, munido agora de motivos para achar que não estava fazendo nenhum mal, era um homem bom afinal, resolve entrar pela porta. Encontra uma sala vazia, com a luz acesa e sem janelas. E uma outra porta. Que dava para um lance de escada. Que dava para uma sala com duas portas, que davam para outra sala, pequena com uma porta só, e outra sala sem portas. Subindo a escada e imaginando que já deveria ter chegado na sala com a porta de vidro, Luís começa a se arrepender de ter entrado. Não por medo, mas ele começa a sentir culpa, apesar de não dever sentir culpa alguma, mas ele não sabia, então é desculpável. No entanto, apesar da culpa ele continua indo por escadas e salas vazias ou com entulho no qual ele não mexe, e corredores com portas para apartamentos estranhamente familiares e com arquiteturas variadas. Depois de uns 50 minutos no prédio – a Luiza realmente valia a pena – ele resolve ir embora, mas as portas não davam exatamente aonde ele achava que elas iam dar. E tudo era meio parecido. Ele andou e andou. Era Sábado.
Na segunda feira seus alunos sentiram sua falta. E no mês seguinte desejaram que ele estivesse em um lugar melhor. Mas isso não dependia mesmo deles.


PS: Texto antigo, andei meio sem "pegada". Não é da sequência dos "nomes", mas foi importante pra idéia inicial.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Oswaldo

Ele andou pelo quarto olhando para as paredes. Abriu a porta do armário, e depois a gaveta na qual ele quase nunca mexia. Puxou um álbum de fotografias. Antigas, naturalmente. Afinal, não são antigos todos os álbuns? Pessoas que sumiram da vida dele sem deixar vestígios. Por distância, por rancor, por morte. O mais triste de todos os motivos, ele achava, era o da insignificância. Porque essas pessoas estavam lá? Era bom o sentimento de que elas se importavam, ao menos na época das fotografias, no entanto. O sentimento realmente bom era ver pessoas que haviam perdurado até aquela data. Que por uma série de motivos haviam se mantido bravamente em sua vida.
Mas ele não se focava nessas pessoas enquanto passava o álbum, apesar de serem elas o motivo pelo qual ele ainda aguentava vê-lo. Outras pessoas que haviam sumido e seus motivos específicos o atraiam mais naquela tarde ensolarada, que deveria estar nublada fosse o mundo um filme. Uma delas era sua primeira namorada. Motivo de tantas brigas e de tantas mudanças em sua vida. Brigas não apenas conjugais que se espalharam por outras áreas de sua vida. E que vieram a gerar o término daquela primeira tentativa de amor. Não que de fato, sob todos os julgamentos pelas pessoas de fora, aquilo não passasse de um mero treino. E não que essas pessoas todas não estivessem perfeitamente certas quanto ao destino do relacionamento. Mas pra ele, na época, aquilo era real. Como os melhores treinos deveriam ser. E aquilo realmente havia feito ele crescer de diversas maneiras. Havia ensinado a ele como aguentar a decepção e a rejeição, mesmo que a duras penas.
A outra era seu amigo, Emílio. A maneira como as coisas haviam acontecido o incomodava. E ele pretendia resolver tudo. Descobrir exatamente como tudo ocorrera. Apesar do simples pensamento sobre o assunto o angustiar de uma maneira que ele classificaria como “indescritível”.
Foda-se. Ele se levantou, jogou o álbum em cima da mesa e saiu de casa. Tinha um encontro ao qual não podia mais faltar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Poema da classe média

Eu não sou massa
não sou elite
não sou nada
sou um elemento de uma classe média depravada
perdida em meio a toda papelada
imposto de renda, financiamento da casa
carrego na pasta a enxada
site de carro e mulher pelada

Minha mediocridade me é triste
mas, como todas, ela persiste
tento rimar versos porque me ensinaram assim na terceira série
batatinha quando nasce
se esparrama pelo chão
a gostosinha da classe
tem uns puta duns peitão
ABAB - Redondilha maior
E eu vou vivendo "sem querer"
Abaixando a cabeça e pedindo "perdão"
"mas teve feijoada ontem, seu patrão"

Não sou chefe
não sou peão
não sou nada
sou um elemento de uma cadeia furada
com elos fudidos
na correia dentada.




Pra não passar a semana em branco....

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Natália

Como assim você tem medo de fantasma?
Qual o problema? Muita gente tem.
Mas você é ateu! Você não acredita em deus! Como você pode não acreditar em deus e ter medo de fantasma?
Se você for pensar bem, não é tão absurdo assim.
Como não?
Você só faz essa ligação porque você é uma católica perdendo a fé.
Não fala da minha fé.
Pensa bem, você não deveria acreditar em fantasma...
Eu não acredito.
Eu sei, é esse o ponto...
Que ponto?
Me deixa falar?
Não.
Se você acreditasse em deus como você acreditava antes você não ia comparar ele com uma coisa que você não acredita.
Pronto? Vai calar a boca?
Existem métodos mais eficientes de calar minha boca do que pedir.

Ela beijou ele. As luzes apagadas do quarto mantiveram as lágrimas dela invisíveis. Mas o gosto salgado ainda chegou a boca dele. E ele soube. Deus ficava um pouco mais longe a cada dia que passava desde que o Emílio morrera. Eles transaram enquanto ele pensava que já era hora de dar um fora nela. Apesar da dor ainda estar lá, o desespero de descobrir quem tinha matado o noivo já tinha passado. Já eram dois favores que ele ia poder cobrar do “Rodrigo”. Tirar a Natália do caminho e salvar a vida dele. Ele pensou também no que ele iria pedir. E deu uma leve passada pela questão ética da coisa. Mas ele tinha aprendido a não julgar as pessoas, e decidiu que era hora de não se julgar. Ele também merecia isso.

Ele foi embora e ela ficou deitada na cama. Levantou algumas horas depois e olhou para o céu. Teria visto estrelas se o céu de São Paulo permitisse. E pensou que talvez ela não visse mais deus pelo mesmo motivo. O céu daquela cidade não permitia. Aquilo sufocava ela. Algumas pessoas nasceram pra viver naquela cidade. Ela não. Ela queria uma casinha no campo. Mas tinha ficado por causa do Emílio. Ele adorava o asfalto. Adorava a velocidade com a qual o mundo girava. E ela se sentia mal por achar que ele não conseguia mais sentir o mundo girar. E ela sentia o mundo girar. E ela queria que aquilo parasse. E se lembrava de um poema. Quando Ismália enlouqueceu pôs se na torre a cantar. Queria subir ao céu. Queria descer ao mar. Ela queria descer ao mar. Pegou o elevador. E depois o carro. E depois a estrada. E só parou quando ela chegou ao mar. Deitou-se na areia, ainda a tempo de ver as estrelas. De tentar ouvi-las. Tantos poemas que ela não tinha realmente entendido. Tantas planilhas que ela queria já ter esquecido. E o barulho do mar fazia o mundo parar de rodar. E o sol nasceu e secou as lágrimas do rosto dela.

Levantou-se e foi para o carro. Se registrou em uma pousada e tomou um banho. Hoje ela não iria trabalhar. Alias, ela nunca mais iria trabalhar. Não com planilhas. Não com o mundo que girava tão rápido que tinha jogado seu noivo pela tangente. Pra um lugar que ela não mais acreditava que existia. E no qual ela nunca mais poderia entrar. Ela foi em uma imobiliária e comprou um apartamento. E foi no banco e transferiu a sua conta. E passou o dia seguinte no telefone. Demissão, cancelamento de assinaturas. Morrer para a uma cidade grande foi mais difícil do que ela imaginara. Ela nunca mais voltou.

Camilo ligou diversas vezes para ela. O celular tocou incessantemente. Até que ele começou a dar caixa de mensagem. Ele passou lá. Queria confirmar se ela estava bem. O porteiro não sabia de nada. Ele passou em casa. Pegou a .22. Entrou no hotel da rua augusta e subiu direto para o quarto do “Rodrigo”. Bateu na porta. Nada. Nessa hora ele sorriu. Tirou a chave que ele tinha mandado fazer para aquela porta. Aprender a não julgar não significa não tomar precauções. Lembrou da música do Metallica. To secure peace is to prepare for war. Entrou e se sentou na cama, encostada na parede e fora da linha de visão de quem entrava pela porta do quarto. A porta se abriu. Ele se preparou. A arma estava apontada para a cabeça da pessoa que entrara antes de ela perceber que havia outra pessoa. Era uma mulher. Ele não imaginara que mais ninguém teria a chave do quarto. Não esperava que seu amigo fosse confiar assim em alguém. Ela olhava para ele como se pedisse para ele atirar. Mas não de uma maneira ousada. Humildemente.

Quem é você?
Sabrina.
Então você é a Sabrina. Certo. Cadê o Rodrigo?
Não sei. Eu vim encontrar ele. Achei que ele fosse tá aqui também.
Ótimo. Tudo que eu precisava.
Por que você quer matar ele?
Porque ele não confiou em mim. E ele fez uma coisa que ele não devia ter feito.

Camilo andava pelo quarto, ainda apontando a arma. Uma caminhada nervosa. Não era ele ali. Da mesma maneira como não havia sido ele aquele dia. Ele não é um assassino. E ele repetia isso pra ele mesmo quando a porta se abriu novamente. A Sabrina estava na frente, mas ele tinha uma visão ótima. Ainda dava pra atirar.

Camilo.
Rodrigo.
Por que?
Cadê a Natália?
Eu não fiz nada.
Cadê a Natália?
Idiota, eu não fiz nada.
Caralho, Rodrigo, se você não falar agora eu atiro nela.
Se você fizer isso, você morre antes do tambor dessa sua arminha de chumbo girar.
É a única escolha. Você nunca se importou com a sua vida, não adianta eu ameaçar você.
Olha, Camilo, eu ajudo você a procurar. E eu sempre acho quem eu procuro. Eu recebo bem pra isso. E você não é um assassino. Você não é um assassino. Você não precisa se tornar um assassino.

Rodrigo andou pra frente devagar. Tirou Sabrina de sua frente e foi andando cada vez perto de Camilo. Eles foram em um balé lento e tenso até que Rodrigo conseguiu encurrala-lo no canto do quarto. Lentamente esticou a mão e pegou a arma, enquanto lágrimas começavam a descer do rosto de Camilo.

Eu achei que você fosse mais macho que isso.
Eu também.
Eu devia te matar.
Eu sei. Mas você não vai.
E porque isso?
Porque você me deve dois favores.
Eu só te devo um, se você acha que eu matei a Natália.
Ainda sim.
Ainda sim, agora eu não te devo mais nada.
Depende. Eu to de dando o benefício da dúvida. Se eu achar ela, aí eu te devo uma. Senão, eu vou vir cobrar. De verdade.
E eu vou estar esperando.

Camilo saiu do quarto. Rodrigo olhou pra Sabrina. Esquecida pelos dois, ela sentara na cama e olhava pra frente como se estivesse vendo tv. Rodrigo fechou a porta e esperou a pergunta. Não demorou e ela veio.

O que é que você faz?
Eu sou matador. Assassino de aluguel.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Marta

- Sabe, eu não sou tão mulherengo quanto você acha.
- Claro, meu bem, eu sei disso. Eu e as mulheres que eu sei que você pega toda vez que sai. Tá me achando com cara de palhaça?
- Não, e você também não me entendeu. O que eu quis dizer é que eu faço isso porque eu to solteiro. Se eu estivesse em um relacionamento sério eu ficaria só com uma.
- Ô docinho, eu só não tenho um relacionamento sério com você porque eu não acredito nisso. O que nos deixa num círculo vicioso, não?
- É só você confiar em mim um pouco e a gente sai disso.
- Não, fofo, é só você parar com essas promessas que você não pode cumprir que a gente não precisa discutir mais isso.
Ela se levanta da cama redonda e coloca a calcinha enquanto ele olha pra ela com olhar mais inocente que ele consegue colocar na cara. Inútil. Ela o ignora e, mesmo se estivesse prestando atenção, não acredita em inocência.
- Você não me leva a sério
- Não, docinho, não levo.
- Por quê?
Cala a boca, Fábio. Eu não quero discutir com você, caralho. Tenho que ir.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Layla

-Quer saber? faz o que você quiser.
-Não, não é isso.
-Achei que fosse.
-Eu não sei na verdade. Eu não sei de verdade o que eu quero.
-Ai você complica um pouco as coisas. E eu já to de saco cheio. Não quero mais ouvir isso.
-Quer saber a verdade? É só você que eu quero. Faz muito tempo que é só você que eu quero. Mas isso é exatamente o tipo de coisa que não se fala. E eu já tomei demais na cabeça por causa da minha pressa. Da minha necessidade absurda de definição. Da minha posição ridícula de... Foda-se
-O que você quer dizer com isso?
-Tudo que eu queria dizer com uma palavra que eu não quero nunca mais usar na minha vida, moça.
-Eu cheguei atrasada demais pra ter sinceridade?
-Não. Mas talvez você tenha chegado cedo demais para o resto da minha vida.
-Quanto é cedo demais?
-É exatamente isso que eu queria descobrir. E é exatamente por isso que o “talvez” foi usado. Eu não quero me preocupar com isso. Não mais. Não agora. Mas eu quero você. Por todo o tempo que eu quiser você. Tudo que eu quero ouvir é um “foda-se” sincero.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Karen

Ela andou pela sala com um pedaço de papel que estava na carteira dele. Ele não se importava que ela mexesse na carteira dele porque, afinal de contas, ela só fazia isso pra organizar mesmo. Coisa que ele não faria nunca se dependesse dele.

Zacarias.
Oi.
Todos esses nomes? O que é?
São só nomes, Karen.
Você não tá escolhendo nome pra bebê?
Não.
Tá escrevendo um livro?
Hein?
Qual o problema?
Eu também não vou plantar uma árvore.
Não entendi.
Relaxa.
Só nome de homem...
Sim.
Por que ?
Porque ele ainda não aprendeu a mentir tão bem.
Ele quem?
Ele.
É um caso?
Engraçado essa ser sua terceira idéia, considerando que eu sou detetive.
Alguem te pagou pra achar essa pessoa?
Não, esse eu to fazendo por um amigo meu.
Quem?
Oswaldo. Ele me pediu por causa de um amigo dele.
E você tá quieto por causa disso.
É.
E isso na minha frente é um pedido pra fazer você esquecer disso.
Pode ser. Não foi proposital, no entanto.
Nunca é. É só uma reação que você tem.
Você diz como se fosse frequente.
É frequente.
Mesmo?
Mais do que você pensa. Eu sei o que fazer quando se trata de você.


Ele riu com o canto da boca. O mesmo sorriso bobo que ele só dá quando está com ela. Ela colocou as pernas em volta dele e depois o braço. Fez isso pelas costas, pra que ele pudesse se acostumar com a presença física dela. Encostou a cabeça nas costas dele e ficou até sentir a respiração dele se aprofundar. Disso pra frente era fácil. Ele era fácil pra ela. E ela gostava disso. E pra ela, as pessoas tem que fazer apenas as coisas que elas gostam. Todo o resto é desperdício de vida. E pouca gente desperdiçou tão pouco a vida quanto ela.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Joana

A luz piscava acelerada e corria pela parede e pelo teto, filtrada em cores e no ritmo da música alta que tocava. Entre os momentos de escuridão, eu vi ela dançando. Nada nunca havia se movido daquela maneira. Meu coração começou a bater tão rápido quanto a caixa do punk que tocava. Ramones.
Depois de anos sem fazer isso era chegada a hora. Era como se eu fosse um adolescente que sai de noite pela primeira vez. Oi, tudo certo? Desculpe a intromissão, eu só queria perguntar seu nome. Afinal, eu nunca vi ninguém dançar assim tão bem. É Joana. Muito prazer, Joana. Eu sorri. Ela parecia uma mulher diferente de perto. Ainda bonita, mas sem todo o charme que a movimentação dava pra ela. O meu é Oswaldo, muito prazer. Eu saí dali pouco depois. Estava me sentindo muito desconfortável. Falta de prática é uma merda. Fui buscar uma bebida e me preparar pra tentar de novo. Pensei na Alice pela primeira vez aquela noite. Acendi um cigarro e me encostei na parede do lugar. Tinha ido com um amigo, que agora estava conversando com uma mulher no canto, e eu não achei que era a hora de interromper ele. Percorri o lugar com meus olhos e encontrei olhos que mereciam ser olhados. Mas que como de costume não estavam voltados pra mim. Auto estima baixa desde o fim do namoro. Abaixei meus olhos e tentei fazer com que o pensamento saísse da minha cabeça. Quando eu levantei meus olhos novamente, os olhos dela estavam voltados para mim. Bastante perto, inclusive. Mé dá um cigarro? Claro, e me desculpe, mas qual o seu nome. Ela pegou o cigarro da minha mão e falou: Joana. Conversamos por dois minutos, eu ainda pensando na coincidência do nome repetido. O lugar era pequeno, não deveriam ter mais do que 200 pessoas lá. 100 Mulheres, considerando uma proporção meio a meio. E Joana não é um nome comum. Eu havia conhecido apenas uma em toda minha vida. E agora, duas numa noite. Foi então que ela me disse que apesar de ter adorado conversar comigo, ela tinha vindo pegar um cigarro pra ir embora fumando. Eu me despedi e fiquei feliz com a conversa. Meu amigo acabava de ser deixado sozinho pela amiga com a qual ele conversava antes. Não era feia, mas também não chamava a atenção. Comentei com o Emílio sobre a amiga e ele apontou outra mulher. Aquela ali vale a pena. Eu fui lá. Qual seu nome? Joana. Eu não acreditava. Achei que era um sinal. Conversei com ela. O resto da noite inteira. Ela me deu o e-mail. Eu fui embora acreditando que as coisas dariam certo. Sem pressa. Até porque haviam especificidades que não merecem ser comentadas que impediam qualquer outra atitude. Uma música na minha cabeça, que ela havia comentado que era a favorita dela do Smiths. Bigmouth Strikes Again. A única coisa que eu posso dizer é que naquele dia eu de fato descobri como Joana D'arc se sentiu quando foi traída, como diz a música citada. Me despedi de Emílio e nunca mais encontrei nenhuma Joana.

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...