domingo, 28 de setembro de 2008

Helena

-Todo homem é igual mesmo
-Sério, mais uma dessa e você vai ficar falando sozinha.
-Mas é verdade.
-Eu não me importo de receber rótulos e ser generalizado, mas pra toda generalização tem limite. Segura a onda ai, sinceramente. Eu acho que eu sou bem diferente de vários caras que eu conheço. De alguns eu admito que eu até gostaria de ser mais parecido, mas tem alguns que eu não gosto nem de ser colocado na mesma categoria de ser humano, se você for diminuir essa conta pela metade e ainda falar que é tudo igual, eu vou simplesmente assumir que você é burra ou frustrada.
Ela era linda. Desgraçadamente linda. E se eu conheço os homens, eles teriam diversas reações diferentes frente tanta beleza. Alguns travariam totalmente, alguns veriam na beleza dela um desafio pessoal, alguns se apaixonariam num piscar de olhos, enquanto outros chegariam a ficar com raiva, sem nunca admitir, naturalmente. Eu, do meu lado, simplesmente desisti antes de começar. É como o fluminense jogando contra o barcelona, pra que tentar? Mas o destino tinha colocado ela na minha mesa, ficar quieto seria pior. O Chef olhou pra mim com um sorriso estranho quando ele chegou com ela e com o último caso dele, uma tal de Alice. Parecia querer dizer algo como “Eu sei que você não vai fazer nada, mas pelo menos você não vai me acusar de não ter cumprido o meu lado do acordo”. Ele tinha combinado de me encontrar e tinha combinado de encontrar a Alice também. Como eu me recusei a ficar sozinho olhando os dois se agarrarem como eu sabia que era o padrão em começo de namoro, ele prometeu que ia levar uma mulher interessante pra me fazer companhia caso ele de fato ficasse com essa atitude detestável que ele dizia nunca ter feito. E lá estava eu com uma mulher linda demais pra ser atingida e ele, eu tenho certeza, ria internamente da minha situação enquanto ele se agarrava com a namorada.
-Eu pareço frustrada?
-Você também não parece burra.
Ela me olhou como se quisesse me contar alguma coisa, mas ainda não sentia confiança em falar. Principalmente na frente da amiga. Eu me levantei, olhei para ela, depois para os dois.
-Eu vou comprar cigarro, já volto. Vamos lá comigo, Helena?
Ela se levantou e me acompanhou até uma banca que ficava perto do bar onde nós estávamos. Eu comprei um maço de cigarro.
-Então, se você não é frustrada e nem burra, o que você é?
-Só uma mulher que perdeu a confiança em um homem específico e achou mais fácil culpar todos. Feliz agora?
-Minha felicidade não estava em jogo. Eu tenho meus problemas, mas eu diria que o pior de tudo já passou.
-Qual o nome do seu problema?
-O meu chamava Isabel, e o seu?
-Emílio.
-Ainda te atormenta?
-Vai me atormentar pra sempre. Mas só na minha cabeça pelo menos.
-É, eu entendo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Gabriel

O bar era bonito. Bastante diferente dos lugares que eles freqüentavam quando era mais novos. E era isso que Gabriel pensava enquanto esperava sentado sozinho bebendo uma dose de whisky 12 anos, também bastante diferente daquilo que eles bebiam quando iam de bar em bar durante toda a noite, sempre entediados e sempre achando tudo caro e ruim. E de fato, tudo era caro e ruim. Algumas coisas eram muito caras e boas, mas eles não podiam se dar ao luxo das coisas muito caras. Ele estava cansado. O trabalho estava longe de ser aquilo que ele queria que fosse. Tedioso e cansativo. Ele saia todo dia com a cabeça quase explodindo. Mas pagava as contas. E era isso que importava. Havia desistido do sonho de ser ator já a quase 10 anos, quando estava na metade da faculdade de artes cênicas. E não se arrependia de verdade. Alguns sonhos são simplesmente burros. Ele sonhava com o glamour, mas não gostava tanto assim de atuar. Foi fazer engenharia, mesmo odiando matemática. Ele era a exceção da regra que diz que somos melhores naquilo que gostamos. Quanto maior o ódio que ele tinha de matemática, física, química, mais ele fechava as provas e conseguia resolver equações que ninguém mais conseguia. Foi nessa época que ele conheceu o homem que virá encontra-lo hoje. Ele fazia administração e eles se conheceram no bar que ficava perto da faculdade. Perderam contato alguns anos depois que se formaram e, semana passada, Gabriel recebeu um telefonema. Poucas palavras depois e o encontro foi marcado. E apesar de que racionalmente a idéia de ver um velho amigo agradava Gabriel, ele estava se esforçando pra se sentir bem. Seu amigo chega depois de um tempo. Eles se abraçam e conversam sobre trivialidades por um tempo. O amigo havia casado com a namorada dos tempos de faculdade, de quem Gabriel se lembrava bastante bem, e se separara pouco mais de um ano depois. Comentou sobre como ele havia a pouco tempo retomado o sentimento de um beijo como deveria ser. Como se o tempo de relacionamento estável tivesse suprimido um lado essencial dele, e que depois de um tempo, quando o relacionamento já não pesava sobre seus ombros, esse lado voltou a se pronunciar, como se uma glândula tivesse voltado a produzir hormônios há muito esquecidos pelo corpo dele. Gabriel, naturalmente, achou aquilo tudo exagerado. Entendia que a percepção de mundo era subjetiva demais para que fosse julgada de maneira tão leviana como ele acabara de fazer internamente, mas existe um limite pra tudo. Seu amigo conseguiu captar seu olhar de desconfiança e exemplificou o sentimento de uma maneira com a qual Gabriel pudesse se identificar, já que ele nunca havia passado por nenhum relacionamento sólido de longo prazo. Ele usou o trabalho de Gabriel como exemplo de fardo insuportável. E Gabriel fingiu concordar. Fingiu somente, sem concordar de fato, já que não achava seu trabalho insuportável. Ele o suportava, afinal. Perdido nesses pensamentos ele acabou perdendo boa parte da argumentação de seu amigo, percebendo que não lembrava de quase nada que havia sido dito durante um bom tempo, mas que ao menos havia conseguido manter um olhar aparentemente concentrado e interessado, essencial para o convívio social, como ele já havia aprendido. Por mais um bom tempo eles conversaram, sem grandes revelações ou mesmo tópicos que seriam lembrados por mais de algumas horas. Alguns, nem isso. Passariam desapercebidos até mesmo para aqueles que o discutiram. Palavras lançadas como esperma de masturbação. O amigo de Gabriel por fim se levanta e vai embora, deixando a conta para ele, que havia se oferecido pra pagar a conta quando o amigo falou pela primeira vez que já havia dado sua hora. Gabriel se levantou meia hora depois de seu amigo partir, não sem antes olhar o bar em que estava novamente. Realmente era bonito. Andou até a porta do lugar e respirando o ar frio da noite sentiu um cheiro que há muito tempo não sentia. O cheiro aberto e floral de possibilidades. E foi embora pra casa se mantendo coerente com quem ele tem sido nos últimos anos.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008




Senhoras e senhores, eis que chega a semana de comunicação da ESPM, realizada pelo CA4D. Mais do que eu poderia falar, falam os nomes nesse singelo cartaz. Cliquem nele para que a legibilidade aumente. Abraços.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Fábio

-Alô?
-Fábio?
-Eu mesmo, querida. Tudo certo?
-Mesmo restaurante.
-Tá certo, te encontro lá meu amor.
-Vê se não se atrasa. Você parece uma noiva pra se arrumar.
-Tudo bem. Beijos meu amor.
-Tchau.
Já faziam dois meses que os dois, o Fábio e a Marta, se encontravam. Sempre no mesmo restaurante. Sempre no mesmo motel. Algum tempo depois eles passarão a cortar o restaurante. A Marta começará a ficar preocupada com a imagem dela. O restaurante era pequeno. Não mais que oito mesas. O chef gostava de comentar com a Marta que ela era a única mulher que ia lá. Normalmente só homens e algumas bonecas infláveis ambulantes. Comentava também, quando o Fábio demorava, que ele era a única boneca inflável que vinha com um pacote extra. O Chef era também dono do lugar e gostava da Marta o suficiente para fechar o restaurante só pra ela quando ela ia acompanhada. Claro que tudo tinha um preço, geralmente a garrafa de vinho mais cara era pedida, e raramente bebida até o final. Sempre era deixada para trás, o que proporcionava um vinho extra para o Chef beber antes do lugar fechar. O que por sua vez acontecia cedo o suficiente para que ele saísse quase toda noite.
Fábio ignorou a placa de fermeé, entrou no restaurante e viu Marta bebendo um copo de vinho acompanhada do Chef. Eles riam, e ele pensou que ele estava sentindo a coisa mais perto de ciúmes que ele jamais sentira pelo que ele considerava um emprego. Parou ao lado da mesa e recebeu o olhar de desprezo usual do Chef enquanto ele se levantava e ia para a cozinha.
-Ele realmente não gosta de você.
-E você insiste em vir aqui.
-Eu gosto da comida dele, e não poderia me importar menos com o que acham de você.
-Claro, meu amor.
“Ela gosta de mandar. Fica quieto” foi o que ele pensou enquanto pronunciava suas palavras de submissão. Eles jantaram. Beberam. Foram embora para o motel e transaram. Antes das duas da manhã ela já estava em casa. E ele esperava a filha dela descer.
-Demorou hoje.
-Eu tive que trocar o pneu. Deve ter furado no caminho pra casa do trabalho, ai depois eu tive voltar e tomar outro banho. E eu demorei muito pra trocar o pneu, você sabe que eu não sou muito bom nessas coisas, né?
-Essas coisas de homem? Sei.
“Ela gosta de ofender. Fica quieto” foi o que ele pensou enquanto entrava no carro. Alguns meses depois ele irá pela primeira vez tomar uma atitude na vida. Isso resultara em um assassinato nunca ser resolvido, sendo que ele, que seria o principal suspeito, estará morto com um tiro na nuca a queima roupa a menos de um metro do outro corpo. Too little, too late.

domingo, 7 de setembro de 2008

Emílio

Vem cá. Porra, para de se debater. A única coisa que você vai conseguir com isso é me encher o saco. E você não quer me ver bravo.
Babaca, frase pronta de merda. Viu isso num filme do Stallone, foi? Mordaça do caralho. Eu nunca vi ninguém usar silvertape pra nada fora prender a mão de alguém. Pra que serve essa porra? Eu devia processar esses babacas.
Olha aqui, playboy. Eu vou dar uma saída. Você vai fica ai quietinho, tá entendido? Poupe o esforço. Já volto.
Saída. Vou dar uma saída. O cara me sequestra e vai dar uma saída. Idiota. Que tipo de pessoa deixa o cara sozinho. O cara fez tudo sozinho até agora, talvez não tenha mais ninguém mesmo. Incompetente ele aparentemente não é. Se fosse eu não estaria aqui. Ah, chegou o parceiro. Sabia que ele não tava nessa sozinho. Arma com silenciador. Expressão fria. Não tá nervoso como o outro. Não se veste como um marginal.
Senhor Emílio Ferraz. Eu fui contratado para matar o senhor. O cara que acabou de sair foi contratado por mim para sequestrar o senhor. Ele é um incompetente. Digo isso por ter sido exatamente esse o motivo da contratação do mesmo. Pelo que eu pude contar, ele foi visto mais de dez vezes durante o processo de te sequestrar. Enquanto falamos, a polícia já deve estar com um retrato falado dele. Que fique bem claro, dele, não meu. Eu costumo ser mais conciso, mas é que dessa vez o plano foi tão bom. Bem, agora eu sei como se sentem aqueles inimigos do 007. Senhor Emílio, eu vou resolver meus assuntos com o incompetente antes, imagino que seja justo te dar um tempo pra rezar, caso o senhor seja religioso. E acredite, eu não sou o tipo de cara que faz isso. Fábio, vem aqui. Ele, eu vou matar de graça. Só porque ele merece. É a primeira vez dele com esse tipo de coisa.
Por 15 segundos tudo ficou em silêncio. Emílio viu seu futuro executor se postar ao lado da porta. Fábio entrou e recebeu, incrédulo a ordem de desamarrar Emílio. Concordou com um aceno de cabeça e deu as costas para o homem da porta. Emílio só conseguiu ver Fábio caminhando em sua direção até que, quase antes de ouvir o barulho abafado, ele viu um buraco se abrir na frente da cabeça do Fábio. Sujo de sangue, Emílio rezava para o deus que ele nunca acreditara. Viu um sorriso na boca do homem que caminhava na sua direção. “Não ache que eu me importo, nem que eu de fato goste disso. Eu faço pra me manter vivo. Adeus.”

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...