domingo, 15 de fevereiro de 2009

Oswaldo

Ele andou pelo quarto olhando para as paredes. Abriu a porta do armário, e depois a gaveta na qual ele quase nunca mexia. Puxou um álbum de fotografias. Antigas, naturalmente. Afinal, não são antigos todos os álbuns? Pessoas que sumiram da vida dele sem deixar vestígios. Por distância, por rancor, por morte. O mais triste de todos os motivos, ele achava, era o da insignificância. Porque essas pessoas estavam lá? Era bom o sentimento de que elas se importavam, ao menos na época das fotografias, no entanto. O sentimento realmente bom era ver pessoas que haviam perdurado até aquela data. Que por uma série de motivos haviam se mantido bravamente em sua vida.
Mas ele não se focava nessas pessoas enquanto passava o álbum, apesar de serem elas o motivo pelo qual ele ainda aguentava vê-lo. Outras pessoas que haviam sumido e seus motivos específicos o atraiam mais naquela tarde ensolarada, que deveria estar nublada fosse o mundo um filme. Uma delas era sua primeira namorada. Motivo de tantas brigas e de tantas mudanças em sua vida. Brigas não apenas conjugais que se espalharam por outras áreas de sua vida. E que vieram a gerar o término daquela primeira tentativa de amor. Não que de fato, sob todos os julgamentos pelas pessoas de fora, aquilo não passasse de um mero treino. E não que essas pessoas todas não estivessem perfeitamente certas quanto ao destino do relacionamento. Mas pra ele, na época, aquilo era real. Como os melhores treinos deveriam ser. E aquilo realmente havia feito ele crescer de diversas maneiras. Havia ensinado a ele como aguentar a decepção e a rejeição, mesmo que a duras penas.
A outra era seu amigo, Emílio. A maneira como as coisas haviam acontecido o incomodava. E ele pretendia resolver tudo. Descobrir exatamente como tudo ocorrera. Apesar do simples pensamento sobre o assunto o angustiar de uma maneira que ele classificaria como “indescritível”.
Foda-se. Ele se levantou, jogou o álbum em cima da mesa e saiu de casa. Tinha um encontro ao qual não podia mais faltar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Poema da classe média

Eu não sou massa
não sou elite
não sou nada
sou um elemento de uma classe média depravada
perdida em meio a toda papelada
imposto de renda, financiamento da casa
carrego na pasta a enxada
site de carro e mulher pelada

Minha mediocridade me é triste
mas, como todas, ela persiste
tento rimar versos porque me ensinaram assim na terceira série
batatinha quando nasce
se esparrama pelo chão
a gostosinha da classe
tem uns puta duns peitão
ABAB - Redondilha maior
E eu vou vivendo "sem querer"
Abaixando a cabeça e pedindo "perdão"
"mas teve feijoada ontem, seu patrão"

Não sou chefe
não sou peão
não sou nada
sou um elemento de uma cadeia furada
com elos fudidos
na correia dentada.




Pra não passar a semana em branco....

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Natália

Como assim você tem medo de fantasma?
Qual o problema? Muita gente tem.
Mas você é ateu! Você não acredita em deus! Como você pode não acreditar em deus e ter medo de fantasma?
Se você for pensar bem, não é tão absurdo assim.
Como não?
Você só faz essa ligação porque você é uma católica perdendo a fé.
Não fala da minha fé.
Pensa bem, você não deveria acreditar em fantasma...
Eu não acredito.
Eu sei, é esse o ponto...
Que ponto?
Me deixa falar?
Não.
Se você acreditasse em deus como você acreditava antes você não ia comparar ele com uma coisa que você não acredita.
Pronto? Vai calar a boca?
Existem métodos mais eficientes de calar minha boca do que pedir.

Ela beijou ele. As luzes apagadas do quarto mantiveram as lágrimas dela invisíveis. Mas o gosto salgado ainda chegou a boca dele. E ele soube. Deus ficava um pouco mais longe a cada dia que passava desde que o Emílio morrera. Eles transaram enquanto ele pensava que já era hora de dar um fora nela. Apesar da dor ainda estar lá, o desespero de descobrir quem tinha matado o noivo já tinha passado. Já eram dois favores que ele ia poder cobrar do “Rodrigo”. Tirar a Natália do caminho e salvar a vida dele. Ele pensou também no que ele iria pedir. E deu uma leve passada pela questão ética da coisa. Mas ele tinha aprendido a não julgar as pessoas, e decidiu que era hora de não se julgar. Ele também merecia isso.

Ele foi embora e ela ficou deitada na cama. Levantou algumas horas depois e olhou para o céu. Teria visto estrelas se o céu de São Paulo permitisse. E pensou que talvez ela não visse mais deus pelo mesmo motivo. O céu daquela cidade não permitia. Aquilo sufocava ela. Algumas pessoas nasceram pra viver naquela cidade. Ela não. Ela queria uma casinha no campo. Mas tinha ficado por causa do Emílio. Ele adorava o asfalto. Adorava a velocidade com a qual o mundo girava. E ela se sentia mal por achar que ele não conseguia mais sentir o mundo girar. E ela sentia o mundo girar. E ela queria que aquilo parasse. E se lembrava de um poema. Quando Ismália enlouqueceu pôs se na torre a cantar. Queria subir ao céu. Queria descer ao mar. Ela queria descer ao mar. Pegou o elevador. E depois o carro. E depois a estrada. E só parou quando ela chegou ao mar. Deitou-se na areia, ainda a tempo de ver as estrelas. De tentar ouvi-las. Tantos poemas que ela não tinha realmente entendido. Tantas planilhas que ela queria já ter esquecido. E o barulho do mar fazia o mundo parar de rodar. E o sol nasceu e secou as lágrimas do rosto dela.

Levantou-se e foi para o carro. Se registrou em uma pousada e tomou um banho. Hoje ela não iria trabalhar. Alias, ela nunca mais iria trabalhar. Não com planilhas. Não com o mundo que girava tão rápido que tinha jogado seu noivo pela tangente. Pra um lugar que ela não mais acreditava que existia. E no qual ela nunca mais poderia entrar. Ela foi em uma imobiliária e comprou um apartamento. E foi no banco e transferiu a sua conta. E passou o dia seguinte no telefone. Demissão, cancelamento de assinaturas. Morrer para a uma cidade grande foi mais difícil do que ela imaginara. Ela nunca mais voltou.

Camilo ligou diversas vezes para ela. O celular tocou incessantemente. Até que ele começou a dar caixa de mensagem. Ele passou lá. Queria confirmar se ela estava bem. O porteiro não sabia de nada. Ele passou em casa. Pegou a .22. Entrou no hotel da rua augusta e subiu direto para o quarto do “Rodrigo”. Bateu na porta. Nada. Nessa hora ele sorriu. Tirou a chave que ele tinha mandado fazer para aquela porta. Aprender a não julgar não significa não tomar precauções. Lembrou da música do Metallica. To secure peace is to prepare for war. Entrou e se sentou na cama, encostada na parede e fora da linha de visão de quem entrava pela porta do quarto. A porta se abriu. Ele se preparou. A arma estava apontada para a cabeça da pessoa que entrara antes de ela perceber que havia outra pessoa. Era uma mulher. Ele não imaginara que mais ninguém teria a chave do quarto. Não esperava que seu amigo fosse confiar assim em alguém. Ela olhava para ele como se pedisse para ele atirar. Mas não de uma maneira ousada. Humildemente.

Quem é você?
Sabrina.
Então você é a Sabrina. Certo. Cadê o Rodrigo?
Não sei. Eu vim encontrar ele. Achei que ele fosse tá aqui também.
Ótimo. Tudo que eu precisava.
Por que você quer matar ele?
Porque ele não confiou em mim. E ele fez uma coisa que ele não devia ter feito.

Camilo andava pelo quarto, ainda apontando a arma. Uma caminhada nervosa. Não era ele ali. Da mesma maneira como não havia sido ele aquele dia. Ele não é um assassino. E ele repetia isso pra ele mesmo quando a porta se abriu novamente. A Sabrina estava na frente, mas ele tinha uma visão ótima. Ainda dava pra atirar.

Camilo.
Rodrigo.
Por que?
Cadê a Natália?
Eu não fiz nada.
Cadê a Natália?
Idiota, eu não fiz nada.
Caralho, Rodrigo, se você não falar agora eu atiro nela.
Se você fizer isso, você morre antes do tambor dessa sua arminha de chumbo girar.
É a única escolha. Você nunca se importou com a sua vida, não adianta eu ameaçar você.
Olha, Camilo, eu ajudo você a procurar. E eu sempre acho quem eu procuro. Eu recebo bem pra isso. E você não é um assassino. Você não é um assassino. Você não precisa se tornar um assassino.

Rodrigo andou pra frente devagar. Tirou Sabrina de sua frente e foi andando cada vez perto de Camilo. Eles foram em um balé lento e tenso até que Rodrigo conseguiu encurrala-lo no canto do quarto. Lentamente esticou a mão e pegou a arma, enquanto lágrimas começavam a descer do rosto de Camilo.

Eu achei que você fosse mais macho que isso.
Eu também.
Eu devia te matar.
Eu sei. Mas você não vai.
E porque isso?
Porque você me deve dois favores.
Eu só te devo um, se você acha que eu matei a Natália.
Ainda sim.
Ainda sim, agora eu não te devo mais nada.
Depende. Eu to de dando o benefício da dúvida. Se eu achar ela, aí eu te devo uma. Senão, eu vou vir cobrar. De verdade.
E eu vou estar esperando.

Camilo saiu do quarto. Rodrigo olhou pra Sabrina. Esquecida pelos dois, ela sentara na cama e olhava pra frente como se estivesse vendo tv. Rodrigo fechou a porta e esperou a pergunta. Não demorou e ela veio.

O que é que você faz?
Eu sou matador. Assassino de aluguel.

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...