quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Rebecca

1.
Toda noite na Funhouse se parece um pouco. As músicas são seguras. Não impressionam, mas são irreprimíveis. As bebidas tem um preço justo. As pessoas parecem sempre as mesmas, e algumas vezes de fato são. A Funhouse é um sofá fofo no meio da minha zona de conforto. Com uma TV na frente.
Era sábado e não iria ser diferente. Deixei meu espírito aventureiro trancado no banheiro – amordaçado, para não atrapalhar os vizinhos – e fui encontrar meus amigos na Funhouse. Era um sábado frio de começo de outono. Em São Paulo, isso quer dizer que você acha que dá para sair de camiseta sem problema, “dentro vai estar quentinho”, mas toma um tapa na cara do vento frio no final da noite.
Eu tenho um amigo, o Sacha, que trabalha no mercado financeiro. Não consigo explicar exatamente, mas tem a ver com operações de imóveis e hipotecas ou alguma coisa assim. Ao contrário de mim, ele é um cara que espera mais da noite. E ao contrário de mim, ele está disposto a arriscar uma noite ruim por um retorno maior. Isso quer dizer que ele vai em lugares que não vão ser tão divertidos por si só, em busca da possibilidade de alguma coisa dar certo. Eu poderia até falar, sem forçar a barra, que ele vai em busca da mulher perfeita. Umas das diferenças e um dos motivos pelo qual eu não saio da minha zona de conforto é que eu acho que a mulher perfeita para mim vai estar lá. Dentro da minha zona de conforto. De preferência aconchegada com um edredom vendo um filme do Woody Allen. Porque, para mim, beleza sempre foi uma coisa que eu tratei como secundário. É eliminatório, mas não é classificatório. Eu não me interessaria por alguém que não me atrai fisicamente, mas nunca saí à caça de Helena de Tróia. Enquanto para o Sacha, beleza é um fator classificatório. Ele está disposto a agüentar divergências que eu não estaria, só porque a mulher poderia ser a razão do divórcio do Brad Pitt com a Angelina Jolie. (Eu queria colocar um casal mais novo e hypado, mas não conheço. Seja co-autor, substitua os nomes em negrito pelo casal hypado do momento.)
Esse amigo estava comigo. Assim como outros amigos. Entre eles, um cara que eu mal conhecia. Novo em São Paulo e com falta de companhia, ele foi meio perdido para lá. Me conheceu na semana anterior, perguntou onde eu ia e foi junto.
Tudo corria de maneira satisfatória e sem percalços. O som era o esperado, as pessoas que eu tinha visto eram as esperadas, a bebida fazia efeito e o vento frio me lembrava que eu deveria ter trazido algum agasalho comigo enquanto eu fumava. O que para mim era um sábado a noite como qualquer outro, no entanto, era bastante desmotivador para o Sacha. “Não tem mulher nessa merda” eram as palavras que faziam meu senso de anfitrião bufar. Anfitrião porque a Funhouse era o chalézinho nas montanhas da minha zona de conforto. Acabei o cigarro, dei um sermão sobre como ele estava pré-disposto a não ver as mulheres que de fato existiam no lugar, acho que literalmente peguei ele pela mão ou pelo pulso e carreguei o rapaz para a entrada da pista.
Eram mais ou menos 3h da manhã e meu plano era sofrer um blecaute alcoólico lá pelas 5h30. Esse plano também ia a contento, apesar de um pouco a frente no cronograma.
“Olha, Sacha, vamos começar ali pelo DJ. Naquele grupo, tem uma gata. No grupo atrás, tem duas, apesar de uma estar acompanhada. Eu acho. Tem aquelas duas ali que tão meio cercadas, mas você é mestre em romper esse problema. Juro, acho engraçado até hoje essa mania de roqueiro de ficar pastorando as minas que eles querem. Mais ali no fundo, mesmo sem conseguir julgar porque não dá para ver direito, tem umas quatro. Umas dela deve ser gata para você. Sempre lembrando, a concorrência aqui não é tão alta. E olha, tem esse grupo aqui na frente.”
Pane número um. Nuvens se formam na fronteira da minha zona de conforto.
Ela estava de branco. Alta, quando comparada com as outras mulheres em volta. Alta o suficiente para se destacar. De branco o suficiente para brilhar na luz como uma benção no inferninho que me era tão querido. Os dois montes formados pelos ossos da bochecha dela emolduravam olhos que eu, naturalmente, não conseguia ver a cor, mas que eu tinha certeza que era cor de hipnose. O corpo era exatamente o que eu queria ter nos meus braços desde que eu me toquei que meus braços serviam também para abraçar. Por um momento, o adolescente espinhento e desengonçado que destruía rodinhas de verdade e consequência quando era chamado pelos amigos para se juntar a elas – as meninas saiam da roda, algumas correndo – dominou o meu cérebro. Eu não sou mais esse cara, o fim da puberdade me fez bem, mas naquela hora eu senti os fios da minha barba ficarem esparsos. Eu tinha 14 anos de novo, e um bigode de pedreiro que minha mãe não deixava eu tirar.
A diferença entre o garoto tímido de 14 anos e eu, naquele momento, era a quantidade de álcool no sangue. Ah, quantas coisas erradas eu teria feito com 14 anos se eu já tivesse aprendido a torturar meu superego afogando ele em vodka. Eu conseguia sentir meu Id esquecer de tirar a cabeça do superego da bacia para respirar enquanto babava na mulher na minha frente. Ao invés da paralisia natural que ocorre, quando minha timidez segura minhas vontades no chão com um mata-leão, eu tinha um Id gritando comigo.
“Então, Sacha, e ali está a mulher mais bonita da noite. A mulher que ninguém aqui tem capacidade de conseguir. Ali está a mulher que, sinceramente, nem deveria estar aqui. A Funhouse não foi feita para mulheres tão bonitas”
O Sacha riu, concordou, saiu e eu continuei minha linha de argumentação. O mundo não tinha sido feito para mulheres tão bonitas. Não o mundo real, onde as pessoas tem que pegar ônibus lotado e trabalhar e suar no sol do meio dia em restaurantes por kilo cheios e sem ar condicionado. Não esse lugar barulhento e cruel, com mendigos pedindo dinheiro e comida e álcool nas esquinas. Onde os trens se atrasam e pessoas são empurradas para dentro e que quando abrem parecem a versão ferroviária de um fusca de palhaços. Com chefes resmungando sobre atrasos e produtividade. Esse lugar no qual as mulheres perdem almoços para se depilar e fazer a unha. Salários inteiros gastos em cortes de cabelo e cremes e sapatos e vestidos e bijouterias e maquiagens excessivas para cobrir marcas no rosto. Onde as pessoas envelhecem e se acomodam em sofás fofos no meio das suas zonas de conforto vendo Domingão do Faustão enquanto comem macarronada e reclamam passivamente do governo durante os intervalos. Ela pertencia a outro lugar.
Eu não gosto do mundo real, por isso me escondo em ficção. Mas eu tenho simpatia por esse pessoal que está aqui comigo. Não concordo com tudo que eles fazem, mas entendo que às vezes a inércia é mais forte. Por que as mulheres desse mundo não podem ter tanta beleza? Uma coisa é você tentar concorrer com capas de revista e atrizes de novela, pelo menos elas não são reais. Outra coisa diferente e essa mulher ter a audácia de descer ao purgatório e andar por aí acabando com a chance das outras de encontrar amor. Pessoas bonitas que como um filme adolescente americano comandam a vida da peble sob suas coroas de reis e rainhas do baile. The beutiful people. It’s all about the size of your steeple. Marylin Manson falou isso. E eu entendi errado. Não vou entrar no detalhe do erro, mas tinha a ver com steeple soar como cheekbone se gritado por cima de um muro de distorção e bateria.
Bem, mas não cabia a mim fazer nada sobre isso. Ia me recolher a minha insignificância. Abraçar minha condição de peble e cantar Marylin Manson junto com meus amigos excluídos. Meu povo. Punks, metaleiros, rockers, mods. Com suas peles tatuadas, suas barbas desgrenhadas, seus cabelos raspados e coloridos, suas orelhas alargadas, sua agressividade e sua beleza que não dependem de natureza, mas de atitude e inteligência. Sair para fumar mais um cigarro enquanto eu me arrependia de não ter trazido minha jaqueta de couro para me proteger do vento e pensar sobre um coturno pro próximo inverno, que o All-Star já tá rasgando e não esquenta nada.
Mas ela não saia da minha cabeça. Me incomodava. Alguém tinha que fazer alguma coisa sobre ela. Dizer para ela isso. Que ninguém precisa de tanta beleza. Eis que meu Id percebe que esqueceu a injeção de adrenalina em casa e o coração do superego não vai sobreviver à tortura. Minha timidez desmaia por falta de ar graças ao mata-leão da minha vontade. O garoto de 14 anos está livre para fazer as besteiras que ele sempre quis.
Pane número dois. As nuvens ficam escuras e o calor aconchegante da minha zona de conforto começa a gerar uma zona de baixa pressão.
Eu ando até ela, mesmo ela estando cercada de pessoas. Não pretendo ficar muito, o olhar de reprovação que eu antecipo vai ser toda a adrenalina que meu superego precisa para se vingar do meu Id. Entro no meio da roda, sou inconveniente com todas as pessoas ali. Mal percebo o rosto delas. E falo que tem uma música do Marylin Manson que diz tais palavras. Eu erro a letra. Percebo que no fundo, por causa da letra errada, as palavras não fazem sentido. Me preparo para sair dali com o rabo entre as pernas ao menor sinal de ter sido pentelho, e eu sabia que eu tinha sido pentelho.
Um sorriso. “Desculpa, não entendi”. Repito. “Não conheço muito Marylin Manson. Mas porque você diz isso?” Sorrisos. Simpatia. Gritante.
Pane número três. Minha zona de conforto recebe os primeiros avisos para se preparar para um furacão.
Eu saio do meio da roda. Cavo um buraco ao lado dela. Já nem quero mais falar o que eu vim falar. Já nem sei o que eu estou fazendo. Faço tudo pela inércia de já ter começado a fazer. Já não entendo mais nada. Minhas ideias param de dançar ciranda e começam a bater as cabeças na parede não acolchoada do meu crânio. Acabo atrás dela. Não queria atrapalhar a roda. Nunca pertenci àquela roda. Meu lugar era atrás mesmo. Entre todas as outras pessoas se acotovelando ao som de um riff.
Não consigo me explicar direito. Ela continua simpática. Falo que o motivo inicial de eu ter ido ali era porque ela era mais bonita do que qualquer outra pessoa daquele lugar. O que é verdade. Eu volto a ter 27 anos. Eu enxergo a pessoa. Em toda a insegurança dela. Porque ela se nega a aceitar o que, agora, era só um elogio sincero. Completamente sincero e sem segundas intenções. Eu nem esperava estar ali mais. Imagina ter alguma intenção reservada para um segundo momento. Mudamos de assunto. Ela é gente boa, gentil. Eu insisto que não faço elogios. Morro de medo deles. Além do mais, eles estavam se provando descartáveis. Fazia tempo que não precisava deles. Tinha até escrito um texto sobre eles. Sobre ter medo deles. Depois, se ela quisesse, até mostraria para ela.
“Becky, a gente vai sair da pista. Você vem?”
“Não”
Pane número qualquer. O furacão jogou meu chalézinho montanha abaixo. Vacas atingem sofás em um redemoinho aéreo molhado de chuva.
Ela ficou na pista. Sozinha. Comigo.
Ela faz jornalismo, tem 19 anos. Eu brinco com a idade. Sou bem mais velho, afinal. Ela até gosta do que tava tocando, mas gostava mesmo era de Rihanna. Eu pronuncio o nome da mulher errado. Rirrana. Ela me corrige. Fala que gosta também de Lana Del Rey. Eu prometo escutar. Nunca tinha dado muitas chances para a cantora. Tinha ouvido pouco bem das pessoas certas, mas as pessoas erradas tinham falado muito mal. Sempre é um bom sinal para achar boa música. Eu percebo que algumas horas ela não me entende. Me lembro que eu estou completamente bêbado. Não quero mais estar bêbado. Ela ficou na pista comigo. Eu não quero estragar a segunda intenção que agora pula na minha cara. Tento um beijo. O que é claramente uma opção ótima quando você mal consegue se comunicar. Para um bêbado, parece, pelo menos. Não acontece. Óbvio. Conversamos mais um pouco e ela me chama para sair da pista. Mais fácil conversar no lounge.
A internet no lounge funciona. Na pista nem tanto. Ela me dá o celular e eu procuro o texto que eu tinha falado nele. No meu blog. O rapaz novo que eu tinha conhecido na semana anterior me vê. Pega uma bebida enquanto fala “Eu tenho mais de mil reais para gastar hoje com álcool. Pede o que você quiser.” Mas eu não quero ficar bêbado. Eu quero ela. Enquanto ela lê, sou arrastado até o bar e relutantemente bebo um copo de alguma coisa flamejante.
Eu volto. Ela acabou de ler. Gostou do texto. Aceita o elogio agora. Mais um tempo se passa e nós nos beijamos.
Blecaute. Minha zona de conforto já não parece existir. O caos que se instaurou parece que irá dominar até o fim dos tempos. Minha zona de conforto é Mordor e Sauron tem o um anel.
Paramos frequentemente para conversar. Conversar com ela é ótimo. Tem um ex dela na balada. Na hora, eu penso que talvez seja melhor não ficar tão perto, mas o cara parece tranqüilo. Apesar de eu não entender como alguém pode ficar tranqüilo sendo ex dela e vendo ela comigo. Será que era porque eu claramente não era uma ameaça de longo prazo?
O lugar esvazia. A conversa continua cheia. Interessante. Natural. Ela me diz que não costuma ir para casa tão cedo. Eu ofereço a minha. A gente pode beber uma cerveja e continuar conversando, ouvindo música. Quem sabe ela me apresenta Lana Del Rey direito. A Rirrana eu já conhecia. Ela me corrige de novo. Rihanna. Mas diz que não. Que tal o posto? Aqui na frente mesmo. O posto tudo bem. Pagamos. Saímos. Era uma noite fria de começo de outono. Dessas que parece que dá para sair de camiseta mas que te estapeia na cara quando você põe o nariz na rua às 5h00 da manhã. Depois de uma cerveja tremida no posto, ela concorda em ir para minha casa. É quente e eu prometo que sou seguro. Helena vai a Tróia.
Ela me mostra Lana. Ela me mostra coisas da faculdade. Eu mostro o que eu faço. Beijos. Os olhos são verde-hipnose. A boca é além de metáforas. São 9h e eu não quero que ela vá embora. Eu estou sóbrio. A adrenalina de cada momento expurgou o álcool do meu sangue. Eu levo ela embora. Devolvo Helena de Tróia à Grécia e me sinto um Páris fracassado.
Relatório de danos: minha zona de conforto é agora um cenário de filme pós-apocalíptico.

2.
Assim que eu fiquei solteiro, quase um ano antes de conhecer a Becky, eu descobri que conhecer gente é mais fácil na faculdade, escola ou qualquer lugar que você freqüente do gênero. Eu só trabalhava. E depois, nem isso. Aí eu descobri que pegar alguém na balada não significa que a pessoa vai te manter na vida dela. Sair em outra ocasião foi se tornando um evento cada vez mais raro. Na minha cabeça, se a pessoa ficou com você a noite inteira, ela vai querer ficar com você mais um pouco outro dia. Imagina quando a pessoa transa com você e passa a noite na sua casa. Apesar de a segunda ocasião de fato gerar mais segundos encontros, a minha percepção estava completamente errada. Como a Rebecca não tinha dormido comigo, minhas esperanças de ver ela de novo eram parcas. Principalmente porque eu ainda estava maravilhado com a mulher e ter o que se quer é reservado para um tipo de pessoas à qual eu não pertenço. Não nesse caso.
Mas a gente começou a conversar bastante, para meu espanto. Várias vezes eu senti que, apesar de não ter rolado, havia a vontade. Tudo que eu preciso é de vontade. Contanto que eu reconheça isso, o resto é secundário. A existência dela me incomodava ainda. Mas já não era ruim. Era bom ter a lembrança. Era bom alimentar a esperança. Um bom tempo se passou assim até que eu fui informado do rapaz que detinha o monopólio da atenção dela. Por algum motivo, aquilo me parecia um percalço aceitável. Mas a verdade era que eu era um cidadão de segunda classe no coração da Rebecca. E ela me contou isso porque o rapaz voltara à vida dela. Meu lugar era no gueto. Mas conversar com ela era legal, então eu fiquei por ali mesmo. Vivendo de migalhas.
Acho engraçado que ela não era o estilo de mulher que eu normalmente me interessava. Música é um assunto importante para mim. E ela gostava de coisas boas. Mas também gostava de um monte de coisa que eu não escutava. E que mesmo depois de escutar, eu decidi continuar não escutando. Isso deveria ter sido um sinal para eu parar. Mas passamos madrugadas conversando e trocando músicas. Nem sempre coisas sérias. A maior parte das vezes, inclusive, não eram coisas sérias. Mas ela, ao contrário do que eu esperaria de alguém que ouve o que ela ouve, falava daquilo com a paixão de quem realmente se importa com aquilo. E isso para mim era suficiente. Porque era aquilo que eu me importava, na verdade. Acho ruim quando a pessoa não liga, não se sente tocada por música. É uma parte essencial da minha vida. Espero que seja essencial na vida das pessoas que eu quero mais próximas a mim. E mesmo discordando, eu passei a respeitar o gosto dela.
Sei que parece que eu faço muitas desculpas para a situação. Mas é que ela era diferente de todas as outras mulheres na minha vida. Eu tentava justificar isso para mim. Para as pessoas que se surpreendiam com minhas descrições quando eu falava dela. Porque, sim, ela era linda, mas era muito mais que isso. Tanto que isso se tornou secundário. Do jeito que deveria ter sido. Eu gostava da pessoa. Era esse o “eu” que eu conhecia. Mas a pessoa era diferente. E eu me peguei sorrindo enquanto ouvia sobre coisas que levantariam minha sobrancelha. Novos mundos se apresentavam. Mundos que eu tinha escolhido ignorar.
O aniversário dela estava chegando. Eu não dou presentes para pessoas nos aniversários delas, então não estava preocupado com isso. Mas em uma conversa sobre filmes eu comentei sobre Todos os homens do presidente. Um filme genial sobre o escândalo de Watergate. Como dois jornalistas derrubaram o presidente dos EUA. Ela nunca tinha visto. Conhecia a história, mas nunca tinha visto o filme. Eu comprei para ela. De aniversário. Mas eu nem fui no aniversário dela. Não fui exatamente convidado e não faço o tipo que aparece nos lugares. Ofereci deixar o DVD na casa dela, e ela se recusou. “Você não é entregador do Submarino.” Disse que ia se sentir mal se não me desse pelo menos um abraço. Eu esperei. Tudo que eu podia fazer era esperar.
“Tenho uma notícia para te dar. Vou esperar para confirmar, mas acho que vai rolar.”
Passei um tempo perguntando o que era. Ela demorou para confirmar, queria ter certeza, depois queria escrever um negócio. Começou um blog. Escreveu o texto e me mandou o link. Fez isso depois de um bom tempo. Nunca confirmei se a notícia era o que o texto descrevia. Linhas tristes sobre decepção. Alguns monopólios não funcionam. O do coração dela foi mal administrado. Mais alguns convites e finalmente ela concordou em sair comigo.
Mas a minha auto-estima sofre com meio-fio. Fica largada na sarjeta mesmo. Na época, eu via outra mulher. As coisas andavam bem. Eu gostava dela. Ela me convidou para fazer um programa no sábado. No mesmo dia, eu tinha a despedida de um amigo. Fiquei de confirmar depois da despedida, o amigo era importante. Apesar de todos os “sim, eu VOU te ver, Douglas”, eu continuava inseguro. E continuava segurando a outra mulher. Sem confirmar e sem cancelar a noite. Não queria ficar sozinho depois de sair do bar. Não me senti bem com aquilo, mas prioridades primeiro. E o bastãozinho da vez estava com a Rebecca. Ela me avisou onde estava, falou para eu ir encontrar ela. A outra moça entendeu que eu ia ficar no bar com os amigos. Nunca desmenti. Me despedi, entrei ébrio no táxi e dei as coordenadas.
Ela estava sentada sozinha em uma mesa do Mc Donalds. Mais conversa, mais música, mais verde hipnotizante. Foram 3 meses do primeiro dia até aquele. Eu tinha esquecido a voz dela. Eu descobri ali o quanto eu senti falta da voz dela. Esse negócio das pessoas não falarem mais ao telefone tem desvantagens sérias. Quando eu escrevi um texto sobre ela, eu esqueci a cor dos olhos. Fui de verde porque verde era o que eu lembrava, mas quem confiaria na memória de um bêbado. Pedi desculpas pelo erro quando mostrei o texto para ela, fazia sentido na hora que fossem verdes. Ela me lembrou, em maiúsculas garrafais que os olhos dela eram verdes. Depois de ver naquele dia, dentro do ambiente calculadamente pouco confortável do Mc Donalds, eu nunca mais vou esquecer que eles são verdes.
Saímos de lá quase sem rumo. Na falta de ideia melhor, fomos à Funhouse mesmo. Eu acho que disse que amava ela. Culpa do álcool. Isso depois de já termos ficado. Passamos a noite conversando e bebendo no bar. Fomos para a pista para uma música só. I saw her standing there. Deixei ela em casa em um horário até razoável. De táxi, dessa vez. Mas fui até a casa dela com ela, mesmo não sendo caminho.
Eu esqueci de levar o DVD. Antes disso, eu pensei em desistir. Cansado. Não via que ia rolar. Segurei a onda porque queria entregar o DVD. Comentei com ela um dia. Ela riu. Falou que era um sinal para eu não desistir. Bem, eu continuei. Duas semanas depois de sair com ela, ou três, ela manda uma mensagem para mim. Eu estava bêbado, na balada. Um mero “ow”. Respondo. Ela pergunta se eu não quero ir entregar o DVD. Pago imediatamente, pego um táxi, passo em casa, pego o DVD e vou para a casa dela. Sempre com medo de ela dormir no meio tempo. Com medo de ser só entregar o DVD e ganhar um abraço. Medo. Porque eu ainda sentia que eu ia acordar na cama a qualquer momento.
Ela estava com alguns amigos. Acabei ficando na casa dela até o meio-dia. Com ela. Abraçado. Ficaria mais. Ficaria o tempo que ela quisesse. Senti, de fato, que eu pertencia. Com ela nos meus braços, parecia que ela pertencia a eles. Com ela, eu sentia que aquela era a pessoa que deveria estar ali. Mais, eu sentia que ela se sentia confortável ali. Saí de lá o dono do mundo. Sem dúvidas. Tudo estava certo com o universo. Já me acostumei que essa sensação não dura, mas é ótima. Temporariamente preencher o buraco, já dizia o A Perfect Circle. A partir dali, eu achei que as coisas fossem andar.
Mas elas não andaram. Elas pararam, engataram a ré e quase fundiram o motor acelerando. Já esperara mais do que o tempo que demorava, mas eu sentia que a cada dia eu perdia espaço. Eu sentia que o fim do encanto dela por mim, por menor que tenha sido, estava perto do fim. Me senti de volta no gueto. Cidadão de segunda classe. Incapaz de mudar meu próprio destino. Vivendo de migalhas.
Eu quis me afastar. Ver se ela sentia minha falta. Mas ela é a única pessoa com quem eu não consigo ficar sem falar. Eu quis focar em outras mulheres. Algumas delas com tanto potencial, mas nada parecia funcionar. Sempre deixava meus finais de semana livres, na esperança de receber outro “ow”. Nada.
“Eu não consigo, Douglas. Eu estou acostumada com homens no meu pé. Eu gosto muito de você, mas se eu não sou suficiente para você, não dá para a gente se ver mais.” “Só eu te chamo para sair, você nunca dá atenção para mim.” Eu me sentia um canalha por essas afirmações serem verdade e serem sobre mim. E não serem as únicas do gênero. Sobre como eu acabava lidando com todas as outras mulheres na minha vida. Como moradoras do gueto do meu coração. Vivendo de cancelamentos e possibilidades que viravam nãos. Quem pode julgar uma pessoa por tratar você do jeito que você trata outras pessoas.

Mas o que mais me incomodava é que eu aprendi, depois de muito tempo batendo cabeça, o jeito certo de fazer as coisas. O que funciona na hora de conquistar alguém. Mas eu não consigo fazer com ela. Eu fico largado sem ação esperando que alguma coisa mude. Como um viciado, eu fico adiando o dia de começar a rehab. Estabelecendo prazos. Para mim mesmo. O próximo eu vou cumprir. Uma hora eu vou ter que cumprir.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Print Screen

Ele gostava de colecionar print screens. Sabe? Quando você meio que tira uma foto da tela do seu computador? Era isso. Gostava depois de ver a vida dele por meio desses momentos. Achava, inclusive, que mais pessoas deveriam fazer isso. Todo mundo tira fotos de viagens e de bares e de amigos.  Mas a vida delas é em frente a uma tela de computador. Aqueles eram os momentos nos quais as pessoas eram mais elas mesmo. A rotina. O contato social somente por uma janela piscando com texto.
Gostava de fazer isso no computador mais do que no celular. Mais coisas acontecendo ao mesmo tempo. Aplicativos são muito específicos, muito orientados para uma coisa só. Perdem o sentido se você quer marcar um momento normal de hoje. Afinal, sempre estamos fazendo tantas coisas ao mesmo tempo.
Ele prestava atenção em cada janela aberta. Cada mensagem enviada que podia ser lida. Cada mensagem ignorada, qual teria sido? A memória falha, naturalmente. Tantas coisas, tão rápido. Tão longe. Mas o que mais ficava, o que ele nunca perdia mesmo nos prints mais antigos, era o motivo de aquela imagem ser relevante para ele. Em cada um, uma verdade. Um momento inesquecível passado em frente a uma tela de computador.

Em cada um, uma oportunidade perdida de estar em um lugar de cada vez.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

EXIT


Eu sou seu plano B.
Sua saída de emergência.
Sua redundância de segurança.
Seu colete a prova de balas.
Sua água entre os drinks.
Seu complemento vitamínico.
Seu seguro de vida, de carro, da casa.

Eu sou tudo aquilo que você espera nunca precisar usar.

Mas quem sou eu para reclamar? O cara que fez os planos, o cara que desenhou as rotas de fuga.

Largado no chão, esquecido como um extintor de incêndio. Mas até eles precisam de manutenção, garota.

Um dia, uma luz que você não sabe para o que serve vai acender no painel do seu carro. Você vai chegar até onde você tem que ir, afinal, quem se importa com essas luzinhas? Mas vai ficar na sua cabeça.

Um dia, sua gaveta de remédios vai estar com o analgésico com a data de validade expirada.

Nada que você não possa resolver, no fundo.

Minha ausência não vai ser nada que você não possa resolver.

É natural para uma ausência, não é? Não ser nada?


É.

domingo, 20 de outubro de 2013

Sobre pássaros e elefantes

“É isso mesmo que você quer?”

As palavras lançadas no vazio. Pergunta retórica. Era aquilo mesmo. Ele sabia. A vontade alheia à sua pesava no peito dele. Não era o que ele queria. Aquela decisão violava a felicidade dele. O que ele entendia como felicidade, pelo menos. Com uma decisão, fez-se a falta. Não era culpa dele, havia sido dito. Não era culpa dele, mas eram dele as consequências. Todas as consequências negativas. Era no peito dele que se sentara o elefante da saudade. Mesmo antes da ausência, já pesava a saudade. Já sentia o bater do coração como passos do gigante mamífero. Esmagando a pequeneza da sua alegria. Um crime, fosse ele a corte a julgar. Por isso não poderia ser imperador. Seus poderes absolutos feririam sentimentos alheios ao dele. E sem poder injetar a felicidade como um antibiótico contra a insatisfação, ele acabaria triste ao ver a tristeza de quem precisa ir para ser feliz, mas não pode. Pássaros precisam voar, afinal. E elefantes precisam caminhar e sentar e pesar em peitos presos ao chão.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Diálogo 1 a 1

-Faz tempo que você não escreve nada.

-Mentira, eu escrevi algumas coisas.

-Faz tempo que você não termina nada.

-Tem ficado ruim.

-Por que?

-Não tô inspirado.

-E por que isso hoje?

-A noite tá com o cheiro certo.

-Só isso?

-Ela não sai da minha cabeça.

-Acha que escrever vai ajudar?

-Não. Nunca ajudou. Não com ela.

-Porque ela é diferente.

-Não. Digo, é. Mas não é por isso.

-Pergunta dupla: como ela é diferente e se não é isso, o que é?

-Ela... eu respeito ela. Mas eu não sei se eu deveria gostar dela. Digo, eu gosto, mas não acho que deveria gostar. Entende?

-Tá, espera. Explica isso melhor e aí você responde a segunda parte.

-Ela não é tudo que eu sempre quis. E mesmo assim eu gosto dela. E nem é a beleza. Na verdade, nem acho ela a personificação da perfeição igual eu achava antes.

-Mas chegou a achar?

-Cheguei. Mas não importa.

-Claro que importa. Pode achar de novo.

-Deus, não. Juro que não preciso de mais isso.

-Hahaha. Tá. Entendo.

-É que ela parece que me completa. Por mais que eu já me sinta completo. Melhor, ela me complementa. Tem as coisas em comum e as coisas diferentes. E eu gosto das coisas diferentes. Eu fico encantado de ouvir ela falando das coisas que ela gosta que eu não conheço. Acho que já causei esse sentimento em pessoas, inclusive.

-Isso já foi dito, verdade. Segunda parte agora.

-Não acho que minha falta de inspiração tenha a ver com isso porque é justamente o contrário. Novas experiências, novos territórios, sempre me fizeram mais prolixo.

-Ociosidade te faz prolixo. No bom sentido de prolixo, você diz, né?

-É, de produzir mais. E não é verdade. Eu escrevo bastante enquanto estou ocupado. Só não escrevo coisas com ideia. São mais desabafos.

-Bem, uma conversa consigo mesmo não é exatamente uma grande ideia.

-Eu sei, batido para caralho. Mas pelo menos ficou pronto fácil.

-Pronto?

-É, acabou.

-Não. Dá para ficar melhor. Acho que é obrigação minha deixar isso aqui mais interessante do que você desabafando por causa de uma menina.

-Não sou fã da palavra menina, você sabe. Parece que eu tô infantilizando a pessoa.

-Mas no caso, não é infantilizar. É uma criança.

-Já é maior de idade tem anos.

-Opa, 2.

-Pouco mais.

-E você já terminou a faculdade há mais tempo que isso.

-Quem se importa?

-Eu. Se afasta.

-Para que?

-Porque já deu. Porque é patético um cara com a sua idade sofrendo por uma menina dessas. Dá uns 5 anos e procura ela de novo. Aí a idade vai tá massa.

-Sei lá onde eu vou estar em 5 anos.

-No mesmo lugar. Você é muito acomodado para estar em outro lugar.

-Tá, mas não fala isso.

-E muito medroso para fazer o que acabou de passar pela sua cabeça.

-Não é porque você sou eu que pode ler meus pensamentos assim.

-É fora das regras do jogo, mas você não quer falar isso. Melhor assim.

-Não faria. Just a thought.

-Tudo começa com um pensamento. Todas as coisas começam na mente.

-The possession of anything begins in the mind.

-Controla sua mente. Para de brigar. Você tem que operar em uníssono.

-Isso significa que isso vai virar um monólogo. Quem vai embora?

-Você. Que tem medo de ir embora.

-Como? Isso não faz sentido.

-Você é fraco. Você é patético. Eu tenho que existir sozinho.

-Mas, e se fosse uma combinação de nós dois?

-Viu, é isso que eu tô falando. Fraqueza. Medo. Compaixão.

-Eu não vejo isso como fraquezas. Fora o medo, quando é muito forte. Mas faz parte.

-Eu sei. Isso que é pior. Você tem medo até de não ter medo.

-Eu tenho noção das consequências de não ter medo. Medo é uma ferramenta.

-Medo é uma fraqueza. Um martelo é uma ferramenta.

-...

-Você tem medo até de quem vai ler isso aqui. Para que escrever, então?

-Porque talvez ajude.

-Você mesmo disse que não vai ajudar.

-Eu sei, mas talvez ajude. E talvez ela leia...

-E aí o que? Não, porque você parece uma pessoa super normal aqui, viu?
-Todo mundo conversa consigo mesmo.

-E você sabe disso como?

-É assim que as pessoas pensam, não? Eu acho que é assim que as pessoas pensam.

-Você não sabe nem se todo mundo de fato pensa.

-Claro que todo mundo pensa. Talvez nem todo mundo tenha esse tipo de conflito, mas todo mundo pensa.

-E todo mundo tem medo, e por isso é tudo bem você ter também.

-Sim e não.

-Você sabe que pensa que só sim. Você diz o não por medo de admitir.

-É.

-E enquanto você tiver medo de perder ela, ela nunca vai ser sua.

-Eu sei.


-Então cala a boca e deixa eu cuidar disso. Agora sim, ainda tá chato. Mas tá pronto.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

D de defeito

Eu começo coisas e não termino. Eu deixo todas minhas responsabilidades para depois. Eu provavelmente tenho só 16 anos de idade mental. Eu engano as pessoas sem querer. Digo isso porque eu sempre acabo decepcionando e não pode ser sempre culpa das pessoas. Mas eu juro que é sem querer. Eu não controlo muito bem minhas emoções. Eu não sei o que eu quero em nenhuma área da minha vida. Eu não consigo parar de beber depois que eu começo. Eu durmo tarde e acordo mais tarde ainda. Eu me importo muito pouco com a minha saúde. Por exemplo, eu fumo. Eu não ganho dinheiro. Eu nem sei como diabos eu vou fazer para ganhar dinheiro. Eu acho as coisas erradas e faço pouco ou nada para mudar elas. Eu vejo todas essas coisas erradas em mim mesmo e não faço nada para mudar. Eu devo ter vários defeitos dos quais eu nem me toquei. E ainda assim, eu tenho a cara-de-pau de pedir para você me amar mesmo sem poder te oferecer o mesmo amor de volta.


Te prometer isso seria te enganar de propósito.

domingo, 4 de agosto de 2013

Para a próxima saída, aguardar no acostamento.

O que eu posso fazer para você se enxergar do jeito que eu vejo você? Por mais que eu diga, minhas palavras parecem não importar. Talvez porque a minha opinião não importe. É, esse “talvez” foi generoso. Não importa mesmo. Se minha opinião importasse, você, agora, não estaria tão insegura. Agora, você estaria se sentindo a mulher mais bonita do planeta Terra. O maior exemplo de perfeição que essa pequena bola azul no meio da via láctea já produziu.

Mas não se sinta culpada. Eu já estive aonde você está e a apreciação de quem você não quer simplesmente não vale. Não que seja ruim. É só um beijo na testa do seu pai. Um abraço daquele seu primo bonitinho. É só uma história legal que você não vai ter para quem contar.

Mas chegue mais perto, deixa eu te contar um segredo: as pessoas que gostam de ti podem ter mais para oferecer do que você imagina. Natural que você nunca descubra isso. Ninguém descobre. Nós todos deixamos essas pessoas de lado. Quem quer fazer parte de um clube que nos aceita como sócio? Não existe saída, meu amor. A noite é feita de dor. O vento frio da noite é só o suspiro de tristeza das pessoas que desistem dos seus sonhos. E eu não quero que você desista dos seus sonhos. Vai, corre atrás. Eles merecem pelo menos isso. É o mínimo. Prometo que a partir de agora eu faço o mesmo. Ou vou tentar fazer.

É claro que jogo tudo pro alto se você realmente se tocar da verdade antes que eu. Aliás, tenho que ser sincero, se você se tocar eu vou simplesmente deixar essa lição para outra hora. Tem coisas que você só precisa aprender quando você precisa de fato aprender elas, afinal. Ia ser ótimo perder a necessidade. Ia ser ótimo que você fizesse a necessidade sumir. Por enquanto. Sempre por enquanto. Por enquanto o enquanto tiver encanto.


Fica o verso ruim. Fica o sentimento de impotência. Fica o beijo na testa de um pai. O abraço do primo. A história que você só vai lembrar na cama quando nada mais tiver acontecido no dia. Fica a falta de coragem de forçar o que nós dois poderíamos querer. Fica a vontade de que você crie os culhões para isso. Por favor, crie os culhões para isso. Vai? Por favor?

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Me vê um de carne e um de pizza


É, desculpa, mas eu nunca tinha imaginado isso. Não assim, não com você. Aliás, desculpa de novo, nunca com você. Não que tenha algo errado, imagina. É que simplesmente nunca tinha cruzado minha mente. Mas aí, falando em cruzamento,  você veio e foi como uma batida na rebouças com a faria lima as 18h. Nada mais conseguiu acontecer. Tudo parou, apesar das buzinas. Apesar do sol que fazia e só servia para deixar todo mundo que não tem ar condicionado no carro um pouco mais bravo. Mas, assim como o cruzamento não poderia fazer nada, e não tem culpa de nada fora de estar ali, eu também não posso fazer nada.

Outra coisa. Parece que toda vez que eu me esforço um pouco para ser um pouco mais doce, um pouco mais “fofo”, é você quem fica mais irresistível. Um fenômeno que, não estivesse acontecendo comigo, eu conseguiria explicar facilmente. Mas as razões me escapam quando sou eu quem passa pela coisa. Nem tudo é literatura. Nem tudo faz sentido. Mas quem disse que precisava fazer, né? (ah, o clichê!)


Pela décima vez eu me agarro à música que você escolheu que ficou largada, ainda escolhida, na minha playlist. Hey, Lloyd, I’m ready to be heartbroken. O pior? Eu comecei com meu mantra tocado pelo she wants revenge: I don’t wanna fall in love. Porque eu não quero. Mas me incomoda que me parece que quando eu começo a me repetir isso, normalmente, já é tarde demais. Vamos fingir que ainda não é. Eu e você, juntos. Vamos falar que não é bem assim. Que ninguém nunca está realmente pronto para ter seu coração despedaçado, mesmo sendo essa a única decisão a ser feita. Que ninguém aqui sente nada. Vamos fingir que estamos tão vazios quanto um pastel barato na feira. Daqueles que deixam um olhar de decepção depois da primeira mordida. Com sorte, as coisas não vão murchar igual esse pastel. E ninguém vai precisar ter seu coração partido.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Vida

A vida quer te foder, meu amigo. O problema é que, ao contrário dos caras que talvez te batiam na escola, ela sabe fazer isso. É esperta. Cheia de recursos.

Ela não vai simplesmente fazer você se atrasar para o trabalho. Não. Ela vai fazer você se atrasar para o trabalho no dia daquela reunião importante. Você vai chegar todo nervoso. Estressado. Pronto para entrar e mandar muito bem logo depois que você se desculpar. Aí a reunião vai ter sido adiada. Viu? É assim que ela te pega. Você vai relaxar. Porra, não perdeu a reunião. Ótimo. Talvez até agradeça a vida.

Então você chega na reunião no horário. Normalmente você estaria nervoso com a reunião. Seu corpo ia estar trabalhando aquela adrenalina ali. Mas agora, você se acalmou porque não perdeu a reunião. Infelizmente, durante toda a sua vida você esteve nervoso nessas horas. É assim que você aprendeu. E aí as coisas não dão certo. Você faz um erro aqui e outro ali. Erros que você não faz. A coisa dá merda.

Agora, você não tem a vida para culpar. A vida até te ajudou, lembra? Você tava agradecendo a pequena vadia até pouco tempo. Então você não culpa ela. Você se culpa. E isso faz sua auto-estima cair. Aí, como é sexta-feira, você sai com seus amigos. Depois de umas cervejas, você vê uma mulher linda. Graças ao álcool, você consegue juntar toda a coragem para ir lá falar com ela. Cara, que mulher. Bom gosto, inteligência, beleza. O pacote completo. Mas você, por estar com a auto-estima baixa, acaba passando sinais errados. Acaba vacilando, demorando para falar, deixando de discordar por medo. Ela te acha meio bundão. Você e a vida, no entanto, sabem que ela é perfeita para você.

Nos dias seguintes ela não sai da sua cabeça. Sua experiência te diz o que você tem que fazer. Aquilo que funciona. Mas não funciona agora porque ela te achou meio bundão. Você não consegue avançar do jeito que está acostumado. Isso só piora a situação. Mas você é um cara legal. Ela até vê isso em você. Você, sem saber, tá com uma engrenagem quebrada que não te ajuda. Mas ainda assim as coisas avançam. Vocês combinam uma balada. Casual, leve amigos que ela leva amigas. A ideia é se encontrar lá, não passar a balada juntos. Você até consegue perceber, mas pensa que é a sua chance de arrumar as coisas. Pessoalmente é mais fácil.

E é nessa balada que ela se apaixona pelo seu amigo.

Você, puto, bebe demais. Vai para casa. Acaba acordando meio tarde porque o álcool deixou seu sono mais pesado. Justo no dia daquela sua reunião importante. Você, na verdade, só saiu na noite anterior por causa da mulher. A ideia era ir embora cedo, mas difícil controlar o impulso. O ciúmes daquilo que você não tem, mas quer. Nesse dia, a reunião não é cancelada. Nesse dia, você se fode. E já é seu segundo atraso, lembra?


Agora, sim, meu amigo, você fica puto com a vida. Sem saber que tem um bom tempo que ela já preparava o KY para enfiar no seu cu.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

5h

Duas cervejas abertas. Mais 700 ml adicionados à vontade de transar. A música atiça o sexo como uma criança na frente de uma fogueira de São João. Ela senta em cima do balcão. As pernas levemente abertas. A saia delimitando as coxas que constroem o caminho. Ele avança e é recepcionado sendo envolto pelas pernas. As bocas se encontram. O gosto de cerveja e cigarro importaria para pessoas que nunca abandonam seus nojinhos. As bocas se apertam como dois amigos que não se veem há muito tempo. Os seios dela pressionados contra o peito dele fazem ele puxar a cintura dela para mais perto. As mãos seguram quase com medo de deixar escapar. A nuca, a cintura, a bunda. Unhas arranham e roupas são tiradas às pressas. Não existe pressa de terminar, apenas pressa de acabar com interrupções.

Ele se ajoelha. Uma posição condizente com o sentimento de adoração do momento. Sua língua percorreu a buceta antes de se afogar na respiração dela ficando mais forte. O coração forte no peito bombeando suor para fora do corpo. Ela agarra o cabelo dele. Ele sente o calor do movimento das pernas dela. Ela puxa ele para cima e para dentro dela. Eles se beijam por todo o tempo que a respiração ofegante e os gemidos permitem. O cheiro de noite entra para se juntar ao cheiro de sexo da sala. Os perfumes ficam mais fortes graças ao suor. Ela empurra ele, desce do balcão e segue o olhar dele para o quarto. Para no meio do caminho e estica o braço: a cerveja vai junto.

Com um empurrão ele está deitado na cama. Ela sobe, na cama, nele. Cavalga enquanto bebe a cerveja. Geme enquanto dá a cerveja na boca dele. Ele faz menção de se levantar apenas para ser empurrado de volta para a cama. É o show dela. Do jeito que ela quer. O ritmo acelera devagar. Álcool e orgasmo se misturam na agonia da pequena morte. Ela olha para ele e sorri logo antes de desabar na cama.


-Estraga o clima se eu perguntar seu nome?

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Aquellos Ojos Verdes


Nat King Cole. Buena Vista Social Club. John Coltrane. Miles Davis. Madrugada. A fumaça do cigarro subindo enquanto eu digito. Sério, por que eu faço isso comigo mesmo? Ah é, por causa de aquellos ojos verdes. Filhos da puta, aqueles olhos verdes. Eles olham para você como uma provocação. Parecem te dizer que você não deveria estar ali na frente deles. E fica fácil de acreditar quando eles vem tão bem acompanhados daquele nariz e daquela boca. A boca, no entanto, é muito mais acolhedora. A boca é um convite. Ainda mais emoldurando aquele sorriso. Ah, fazia tempo que eu não me torturava com uma descrição. Porque, para escrever isso, o rosto dela fica constante na minha frente. E do rosto para frente – ou melhor, para baixo – é só um pequeno passo em falso. E pronto, lá está. Aquela silhueta deitada na minha cama. Devidamente envolta nos meus braços. Não só eu deixei escapar, eu ainda levei em casa. Facilitei a partida. Uma tentativa de facilitar a partida da minha mente, talvez? Se foi isso, péssima jogada. Não adiantou nem um pouco. Agora, além dos meus olhos terem perdido os olhos dela, meus braços terem perdido a cintura e minha boca perdido a pele, meus ouvidos sentem falta da voz. Das palavras. Das dicas para que com algumas palavras eu conseguisse fazer aquela boca novamente emoldurar aquele sorriso. Então só me resta sentir o gosto da falta dela na ponta da minha língua enquanto o fundo da garganta aproveita o gosto da fumaça. Se você acha que a ignorância é uma benção, irmão, você nunca conheceu uma mulher que valesse a pena ter conhecido.

domingo, 21 de abril de 2013

O último capítulo sempre é o mais difícil


O lugar chamava Beco. Beco 203. Originalmente porque o lugar ficava em Porto Alegre. Acho que em um beco. No número 203. Em São Paulo era o número 609. 203 vezes 3. Fazia sentido estar lá. Como, de uma maneira engraçada, tudo do Rio Grande do Sul sempre fez sentido para mim. Desde o colegial com as bandas de rock independente e a atitude rock n´ roll.
Ok, talvez eu que não tenha crescido. Mas o que importa é que eu estava lá. Vulnerável. Talvez mais vulnerável que nunca. Não foi culpa dela, ela não sabia. Mas ela era tudo que minha vulnerabilidade pedia. Um padrão. Uma desculpa. Ela era o metro original. Tipo a distância do dedão até o nariz do rei que criou o metro. Tudo que eu esperava de alguém. Ela era tudo que eu esperava que alguém fosse.
Naturalmente isso não apareceu à primeira vista. Me nego a acreditar em amor a primeira vista. Uma babaquice sem tamanho. Mesmo para um cara imaginativo como eu. Um cara que se apaixona pela ideia. Um cara que se apaixona pelo potencial mais que pelo fato. Porque o fato sempre está além do que você pode conseguir em pouco tempo. O fato está no relacionamento. Na vivência. E ainda assim, eu me conheço bem o suficiente para saber que até a minha vivência muda depois de um tempo. Então porque a de qualquer outra pessoa não mudaria? Ainda assim, é gostoso se enganar.
Ela estava com pessoas. Amigas e amigos. Bem, eu descobri que eram só amigos depois, mas a percepção na primeira hora sempre é pessimista. Eu não vou falar com ela. Se eu perder a chance, não era para ser. Destino. Sorte. A gente tem que se segurar em alguma coisa.
Eu também estava com alguns amigos. Um deles não era exatamente o melhor wingman de todos os tempos. O exato oposto, inclusive. Ir com ele até lá me garantiria uma rejeição por contexto. Explico: uma rejeição por contexto é quando as amigas levam a mulher embora. Você não tomou um fora dela. Você tomou um fora do ambiente. Pode até ser um pedido de socorro dela. O que não conta. E normalmente é identificável. Nem que seja no olhar de desespero da mulher.
A noite continuou. Ela deu o telefone para alguém. Estava sozinha. “Oi”. A conversa seguiu natural. Confortável. Tão confortável que eu falei muito mais do que devia. Segredos que eu não conto fácil. Segredos que alguns dos meus melhores amigos não sabem. Coisas que não estão nem nesse livro. Intimidades reservadas a situações especiais. Vergonhosas e libertadoras.
“Esse é meu telefone mesmo, pode ligar para ver.” Não era necessário. A manhã tinha chegado e com ela o fim do meu tempo com a Daniela. “Sabe? Eu terminei com o meu namorado faz pouco tempo.” Eu também, ela ficou sabendo. Mas meu relacionamento terminou melhor terminado. Espero que isso faça sentido.
Depois disso as conversas reforçaram minhas percepções. Inteligente, legal. Eu poderia passar o dia fazendo elogios, mas não ia levar a nada. Não levaram a nada. Mentira, nós fomos para o mesmo lugar uma vez. Não chegou a ser um encontro. Ela foi com amigas. Eu arrastei um amigo. Mal falei com ela. Duas frases. Parecia que ela fugia de mim. Quase que com medo. Para um cara tímido como eu, isso garantiu uma dor de consciência sem tamanho. Que resultou em uma mensagem pelo facebook. Uma mensagem que seria agressiva não fosse minha incapacidade de esquecer a existência dela. Talvez fosse melhor assim.
Os meses passaram. A existência dela me incomodava. Não no mal sentido. No melhor sentido possível. Era bom sentir aquele incômodo. Sentir a vida, as possibilidades. Parece pouco. Mas me fez sentir como se eu estivesse anestesiado fazia anos. Vacinado contra impulsividades. Isso tinha um valor incalculável. Era quase novo. Mesmo depois de tudo isso. De todas elas.
Mas, se até casamentos esfriam, uma relação quase sem nenhum contato não tinha a menor esperança. Era como se eu estivesse na China. Melhor, como se ela estivesse na China. Eu continuava em São Paulo. O que importa é que na mesma cidade que eu haviam várias mulheres. Mais do que nunca. Elas me mantiveram ocupado. São. Mas por mais que meu interesse secundário sempre mudasse, pulasse de uma mulher para outra, ela era meu metro original. Todas eram medidas em relação a ela. Daniela.
Fica fácil ver porque nenhuma chegava onde a Daniela tinha chegado. A Daniela era uma ideia, mais que uma mulher. E ideias são perfeitas. Não tem como competir. Isso me ajudou muito. A promessa de que ela de fato ia atravessar o Atlântico para estudar, ainda mais. “Eu namoraria essa mulher. Mas ela vai embora. Melhor assim.”
Ela não foi. Mas continuou sendo apenas uma ideia. Não havia nada que eu pudesse fazer. O sentimento de impotência tão familiar. Sempre tão difícil de lidar. De qualquer maneira, ela não foi ainda. Continua aqui, mas é como se estivesse lá. Longe de mim muito mais do que os 5 ou 10 quilômetros que de fato nos separam durante nossas conversas.
Só me sobram cigarros e cervejas. Álcool e boemia. A tentativa de encontrar outra personificação das minhas ideias. Dos meus desejos. A busca eterna por aquilo que vai me transformar por fim em um homem sério. Mesmo sabendo que essa busca deveria ser dentro de mim. Não dentro de lugares artificialmente esfumaçados. Com músicas escolhidas a dedo para manter uma animação artificial. Onde todos fingem que só querem ser eles mesmos. Mas na falta de opções melhores, quem sabe? Quem sabe?

sexta-feira, 1 de março de 2013

Cigarros e carros


O silêncio da rua é quebrado repetidamente por carros solitários. O cigarro queima abandonado no cinzeiro. Tranquilo enquanto faz aquilo que foi feito para fazer. Eu o interrompo e atrapalho com as minhas tragadas. Já faz muito tempo que não escrevo sobre cigarros e noites solitárias. Não que eles tenham sumido da minha vida, mas aquilo que eles representam, sim. Mesmo quando essa solidão da madrugada voltou, eu me recusei a escrever novamente sobre esses meus antigos e constantes companheiros. Como se negá-los, pelo menos na minha escrita, fosse fazer o sentimento desaparecer. Mas no fundo, eu gosto disso. Besteira negar. Besteira fugir. Gosto de contar histórias sobre pequenos momentos de solidão. De viver na minha cabeça a vontade que eu tenho de sair andando pelas ruas e de controlar tudo que vai acontecer. Acho que outras pessoas, no meu lugar, simplesmente sairiam. De carro, pelo menos, se forem dessas pessoas que se preocupam muito com a violência da cidade grande. Eu nunca tenho muito comigo para ser roubado. E isso fica claro de longe. Ajuda que sou homem, alto, largo e barbudo. Pareço um alvo menos fácil. Pareço certamente mais selvagem do que sou.

O cigarro acabou, mas os carros continuam passando em intervalos quase regulares. Talvez eles sejam uma metáfora mais correta para a solidão. Mesmo uma solidão como a minha, quase fabricada. Quase idealizada. Do mesmo jeito que eu faço com as minhas paixões e a maior parte dos meus medos e ansiedades. Ser racional e factual com emoções me parece errado. Por exemplo, não existe motivo para timidez. Mas eu sou tímido. Digo que não existe motivo porque a rejeição de uma pessoa que você mal conhece não deveria importar. Mas me importa. O ser racional mais irracional do planeta. Não falo só de mim, falo de todos nós, nos obrigando a justificar sentimentos a partir de corroborações de textos de auto-ajuda e ficção. Nos forçamos a acreditar em histórias com as quais nos identificamos para que possamos sonhar com o final daquela história para nós. Sonhar com aquele amor, aquela felicidade, aquela segurança. Aquilo que talvez exista fora de nós e que parece ser o parafuso que andava faltando.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Entre


Eu vivo entre um fedora e uma bandana,
Entre um sobretudo e uma jaqueta de couro,
Entre um sapato bicolor impecável e um all-star rasgado,
Entre uma gravata vermelha e uma camiseta de banda,
Entre um cadillac e uma harley,
Entre jazz e rock n´ roll.
Entre a suavidade da sua pele e a agressividade dos seus beijos.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Home


Everything changes. All the time. He had missed her. “It´s alright to say it”, he thought to himself. Of all the things that went through his head, this one felt right. “I hope you mean it as a friend”. Is there another way to miss a person? A whole person? He didn´t say “I miss your lips” though he did. He didn´t say “I miss your body close to mine” though he did. He didn´t even say “I miss the peace of mind that being with you brings me”. And he missed that last one more than the others. No. He simply said “I missed you”. He felt that meant the company. The actual presence of the person. And in the end, a friend is all you can hope someone is to you. The rest can be tainted. Broken. Forgotten. The rest is lust.
He didn´t feel at home. He wished he could relate to that Metallica song that said “Where I lay my head is home”. But he didn´t. He felt more like Silverchair´s “Body and soul, I´m a freak. I´m a freak. If only I could be as cool as you.” He sang that and felt like shit. A creep, a weirdo. “What the hell am I doing here.” But he had to stay. Sleeping in a room with 7 other guys. Away from the place he likes to lay his head. Where he felt like being friends with the king. But then again, what makes home? He felt at home in her hips. Comfortable. Happy.
Now we have him walking around town. Aimlessly. “Nothing happens if there´s no chance of nothing happening. It sounds obvious, but how long do we keep on waiting for magical solutions?” Not that he felt that walking was leading him somewhere. It just felt better than sitting on the bed. There´s always a bar, though.
He ordered another drink and looked around. She was alone. He was drunk. “I´m waiting for my girlfriend” she said. “Oh, sorry then.” “No, I didn´t mean it like that.” Her name was Nancy. “Very American”, he thought. They kissed. Briefly. It didn´t feel like nothing more than shaking hands. “It was a great kiss, though” she said. He just wanted to get home. To her hips. Hers, not these. Home.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Elogios


O que fazer com um elogio? Alguns só trazem um sorriso ao rosto, alguns nem isso. Alguns dão medo quando não são o que se espera. “Como assim eu tenho talento para humanas? Meu negócio é exatas, passei a vida inteira com essa certeza.” Outros – adoraria fingir que raros – deixam a gente sorrindo mais que uma guerra de cocégas. São desses elogios que hoje eu tenho medo. Tanto de receber quanto de fazer. Elogios que soam como comprometimentos. Mas a gente nunca sabe quais deles vão ser assim. Porque às vezes um mero elogio a um sorriso pode ser interpretado como algo tão maior. E, imagina, machucar alguém é a última coisa que eu quero. Mesmo eu me dispondo tanto a ser machucado por esses mesmos simples elogios a um sorriso. Mas, deus permita, nunca ninguém vai ficar sabendo. Sentimentos são fraquezas. Sentimentos assustam mais que elogios. Qualquer menção de sentimento já vale por um “seus olhos, mesmo sem eu saber que eram seus, já estiveram em vários dos meus poemas de amor.” É melhor não. É melhor você ficar aí, longe mesmo de mim. Dessa vez, pelo menos, eu não quero me trancar com você aqui.

E se você pensa que isso é só a modernidade, coisa dessa nova geração aí, minha interpretação do último verso do poema das sete faces do Drummond talvez mude sua opinião. Não precisa procurar o poema no google, não. É assim: Eu não devia te dizer/ mas essa lua/ mas esse conhaque/ botam a gente comovido como o diabo.

“Olha aí” diz você “Tá aí um homem que não tem medo de falar do que sente. Tá comovido. É a lua. É o conhaque. Mas tá aí o homem comovido.” Para você eu pergunto: o que diabos comovido significa? Mais importante é o que vem antes “Eu não devia te dizer”. Porque ele acaba não dizendo. Desiste. Se afasta. Mas agora que ele já disse que não devia dizer, agora que ele já falou da lua, ele precisa falar alguma coisa. Então, timidamente, joga a culpa no conhaque e se põe comovido. Com a noite. Não com Ela. A Drummond, como a mim, faltam bolas.

Pior, sobra medo de que te faltem também.

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...