segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sabrina

- Você tem medo de relacionamento.
- Não, não tenho, Rodrigo. Existe uma diferença gigantesca entre eu não querer nada com você e eu ter medo de relacionamento.
- Eu não tô falando de mim. Eu tô falando de maneira geral.
- Claro que não, você só acha isso porque eu não quero nada sério com você.
- Larga de ser burra. Eu não sou assim. Eu tô fazendo uma análise séria.
- E quem te pediu pra fazer uma análise séria? E burra é a mãe.
- Cala a boca e deixa eu falar. Tudo o que você faz é pra evitar relacionamento. Eu não estou falando que é por isso que você não quer nada comigo. Eu estou falando que, de maneira geral, você evita se aproximar de verdade das pessoas. Você acaba se envolvendo fisicamente antes de deixar alguma coisa
- Você não pensa isso de verdade, né?
- É tipo o Don Juan, que não queria ter um relacionamento sério com ninguém. No fundo, ele ficava com muitas para permanecer fiel a idéia de uma que ele não poderia ter. Então, enquanto ele se envolvesse com todas indiscriminadamente, ele estaria sendo dialeticamente fiel àquela que ele não pode ter.
- Num entendi nada.
- Esquece.
Ele se levantou da cama e colocou a calça. Chegou perto da janela e acendeu um cigarro, olhando as pessoas passando na rua. Ele realmente estava gostando dela, e não deveria estar. E ele sabia disso. E ele tentava arranjar mil desculpas e defeitos e problemas e gastava boa parte do seu tempo com isso. Ele não podia se envolver. Estava feliz assim. Já fazia dois meses que ele estava com o mesmo nome. Não que tenha dado algum problema, mas é o tipo de coisa que poderia estragar uma operação. Se ele se apresenta com nomes diferentes a polícia acha que são pessoas diferentes. Não liga os pontos. Ou pelo menos fica mais difícil ligar. Tudo bem que ele não fazia nada já fazia um bom tempo. Mas mesmo assim. Meu Deus, se fosse no Texas ele iria pra cadeira elétrica. Já tinha matado tanta gente que importava para pessoas importantes que nem um julgamento justo ele ia ter. Era capaz de ter matado algum parente do juiz. E por quê? Pra que? Pra sobreviver. A vida dessas pessoas em troca da dele. Era isso que ele pensava sempre. Sem isso ele estaria morto, e ele sabe disso. Ele mesmo ia ter feito o serviço. Em doses lentas, devagar, do jeito mais cruel. Agora não. Agora mesmo sem isso ele teria a Sabrina. Meu Deus, nem deve ser o nome dela. Ela mente tanto quanto eu. Ela mente melhor do que eu. Muito melhor do que eu. E ele só sabia tratar problemas de um jeito. Quer dizer, ele conseguia lidar com os problemas de mil maneiras, mas no fim era tudo com o mesmo fim. Ele acabou o cigarro. Colocou a camiseta e o tênis. Saiu sem falar nada e sem responder pra onde ia.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Rodrigo

Ele acordou. Abriu os olhos, mas não se levantou. Os braços abertos ocupando toda a cama de casal. Acordar sozinho tem suas vantagens e suas desvantagens. Riu pensando nisso. Levantou-se da cama, colocou a calça jeans mais próxima, uma camiseta, um tênis e colocou a pistola na cintura, por baixo da camiseta. Olhou para o relógio e viu que ainda tinha duas horas até a hora de se encontrar com o alvo. Naquele mês seu nome era Rodrigo. No mês passado tinha sido Paulo. Estava pensando no nome do próximo mês logo antes de ir dormir. Sonhou com Matheus. E assim que se lembrou disso, pouco antes de sair de casa, se decidiu. Mês que vem é Matheus. Antigamente ele usava apelidos, assim não sentia que estava mentindo quando perguntavam o nome. O problema é que sempre tinha um babaca que perguntava “Mas qual seu nome mesmo?”. Porra, foda-se o nome, o que importa é você ter como me chamar. Mas ficava suspeito ele não responder, então ele começou a usar nomes mesmo. Aí se ele resolvia usar um apelido no meio do trabalho, ele pelo menos não vacilava quando perguntavam o nome de “verdade”. Desceu de escada, já que estava no segundo andar. Saiu pela portaria e deu um aceno de cabeça pro recepcionista. Duas horas. O que fazer com essas duas horas? Na primeira vez ele vomitou por duas horas. O problema não é fazer, é pensar no que vai fazer. Depois que está feito, só adrenalina. Na verdade foi o que manteve ele no negócio. A primeira vez foi meio que uma dívida. O cara era um dono de boca que ele tava devendo, da época que ele era junkie, e ao invés de matá-lo pela dívida, o cara preferiu pedir pra ele matar um outro cara. Ele tinha uns 22 na época. Fez o serviço tão bem que o cara da boca começou a pagar ele por alguns outros serviços. Até que o cagão começou a ficar com medo de ele querer tomar a boca. Mandou matarem ele. Ele se safou. Tomou a boca e entregou de mão beijada pra outro cara. E pronto. Ele tinha acabado de conseguir toda a reputação que precisava. O resto é contato. Agora lá está ele parado na rua augusta, sua residência do mês, pensando no que vai fazer com as duas preciosas horas que tem. E um puteiro soou como uma boa opção. O único problema é que putas não gostam que você leve armas pro quarto delas. Sem contar os babacas da entrada, que ficam revistando. Deixou a arma no quarto e foi procurar alguma puta boa pra uma metida rápida.

Chega ai amigo, quer meter hoje? Tem 30 meninas lá dentro, chega ai. 10 reais e eu te dou uma cerveja e uma capirinha. Qual cerveja? Skol. Ta certo. Mas não precisa mentir que eu sei que não tem 30 meninas lá dentro. Têm sim, é que tem algumas que tão no quarto, ai vai parecer que tem um pouco menos.
Mentira.
Ele entra sabendo que não vai tomar a caipirinha, porque caipirinha de puteiro é horrível. Aqui na Augusta pelo menos. Pega a cerveja com o barman com cara de poucos amigos.
Conheci um barman de puteiro uma vez que namorava uma das meninas. Ele falava que entendia e tudo mais, que ele tinha conhecido ela assim, que ele não tinha grana também e não podia fazer nada. Tinha que aceitar. Ficava com cara de bosta toda noite, o que pra mim só prova que ele, na verdade, se importava. Aí eu paguei pra comer a namorada dele uma vez, só pra ver se eu tava certo. É, eu tava. Ele veio irado pra cima de mim falando que eu era amigo dele, que eu não tinha direito de fazer isso. Ao que eu respondi: “Mas eu paguei !”. Depois disso ele nunca mais falou comigo. Mas eu também não me esforcei. Isso foi pouco antes de eu vir pra São Paulo, eu só vi ele mais umas duas vezes antes de mudar pra cá.
Senta-se num dos sofás do lugar e olha em volta pra ver se acha alguma coisa. Ele acha. Loira tingida, mas com uma bunda e uma barriga fenomenais. Coxas tão grossas que pareciam que podiam matar ele. Meio feia de rosto e bastante sem peito. Mas pra um relacionamento de meia hora tava ótimo.
Quanto é o programa? Cem reais mais o quarto. Nem fudendo, muito caro. Pago cinqüenta mais o quarto. Setenta, gatinho, nem um centavo a menos. Fechado.
Ele foi até o balcão com ela pra pagar pro “caixa”. Ela ficou passando a mão no pau dele por fora da calça. Ele olhou pra ela com um olhar meio indefinido. Algo entre “você não quer parar?” e “até que está gostoso”. Levou ela pro quarto. Tirou a pouca roupa dela antes de perguntar o nome. Sabrina. Ela tinha pegado uma camisinha com o cara que marcava o tempo dos quartos no corredor atrás da boate. Colocou pra ele, logo depois de ele ter tirado a roupa e deitado na cama. Ela subiu em cima dele e começou a cavalgar, gemendo da maneira menos falsa que conseguia. Ela não era muito boa nessa parte. Ele girou, a colocou por baixo e deu um beijo na boca dela. Bem, já que eu estou aqui eu posso muito bem fazer isso direito. Pelo menos ela não vai ficar gemendo desse jeito falso no meu ouvido. Ele se esforçou, de fato, mas não são bem assim que as coisas funcionam. Ele não foi o pior da noite, na verdade foi o melhor. Os outros foram dois moleques de 18 anos que gozaram rápido demais e um outro cara, de uns 40 anos, casado. Péssimo. Mas mesmo assim ele não a fez realmente sentir prazer. E saiu sabendo disso.
Certo. Agora eu tenho uma hora e 15 minutos pra chegar aonde eu preciso, pegar a vagabundinha, levar ela pra um lugar deserto, e dar um tiro na nuca dela enquanto ela estiver abaixada cheirando a cocaína, a junkiezinha. Sem problema.
Ele não sabia por que ia matar ela. Só mostraram quem ela era. Ele a seguiu por um tempo. Muitos seguranças. Sempre. Muitas câmeras. Sempre. Ele só viu um jeito de conseguir ficar com ela sozinha. Se ela mesmo fugisse dos seguranças. Ficou com ela uma noite, depois outra. Descobriu que ela gostava de cocaína. Ai foi só falar que ele tinha pros dois, pra eles cheirarem antes de ir pra balada. Ela nunca viu ele cheirando, exatamente porque ele parou, desde que ele começou a matar ele não precisa mais disso, mas ele falou que era porque ele não gostava de cheirar no meio da festa. A desculpa caiu como uma luva pro que ele queria. O nome dela era Vivian. Ele não sabe nem porque ela tem tantos seguranças. Nem se deu ao trabalho de perguntar. Tinham arranjado um carro pra ele. Placa fria e tudo mais. Tava tudo certo. Ele já sabia até aonde ia levá-la.
Parou na esquina em que eles iam se encontrar. Ela chegou e entrou no carro. Vamos? Ela beijou a boca dele antes de perguntar. Aqueles lábios grossos e maravilhosos. Quase dá pena. Tem certeza que nenhum dos brutamontes te seguiu? Tenho, relaxa, você acha que eu ia dar essa bandeira? Se eles virem eles vão falar pra minha mãe. Ele ia ficar puto. Ta certo, vamos então. Ele dirige por uns dez minutos, prestando atenção pra ver se eles não estão sendo seguidos. Nada. Ótimo. Ele abre a janela e acende um cigarro. E começa a se dirigir para o lugar que ele tinha pensado. Ela nem repara a mudança de rumo. Está animada demais falando sobre alguma coisa que ele não está ouvindo e cantando as músicas que estão tocando. Ele ri e concorda com qualquer coisa de vez em quando. Eles chegam. O lugar é completamente isolado. Alguns quilômetros da rodovia. Pra evitar qualquer desconfiança, ele falou que eles estavam indo para um rave particular no sitio de um amigo dele. Ele tira os pacotes do bolso e entrega pra ela. Vamos lá pra fora, cheira no capô. Ela continua rindo e falando alguma coisa. Parece que ela fala até quando respira. Ela se abaixa. Ele tira a arma das costas. Ela vai pra segunda carreira. Ele pensa melhor e guarda a pistola. Ela olha para ele e ri. Ele ri de volta. Você num vai? Vou, só deixa eu pegar um negócio aqui. Abre a porta luvas e tira uma faca. Enquanto ela abaixa pela terceira vez. Ele faz isso rápido o suficiente pra conseguir enfiar a faca no meio da cabeça dela enquanto ela ainda estava abaixada. Ele limpa o cabo da faca. Limpa as impressões digitais que ele pode ter deixado no carro enquanto ela acaba de agonizar no chão. Ele vai queimar tudo, mas nunca é demais ser cuidadoso. Joga ela dentro do porta mala, logo depois de tirar o galão de gasolina. Ele ensopa ela e o carro inteiro. Mas principalmente ela. Acende um fósforo e joga de longe. Ele vai a pé até a estrada de asfalto e espera a carona. O cara chega. Ele entra no carro. E tira o tênis 3 números maior que ele estava usando. Nunca é demais ser cuidadoso. Eles levaram o tênis que ele pediu. Ele fala pra eles se livarem daquele tênis, só por precaução, mas que estava tudo bem. Eles riem, agradecem. Pagam, todos pagam. E largam ele no hotel. Ele olha a fachada do hotel, olha pro lado. Pensa em ir procurar a Sabrina. Mas desiste. Já era muito tarde.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Quincas

- Oi
- Oi, tudo certo?
- Tudo, e com você?
- Tudo certo.
- E ai, aonde a gente vai?
- Num sei ainda. Mas vamos rodando mesmo assim.
- Certo, você que sabe. Mas acho que isso é desperdiçar gasolina.
- Não vai falar das reservas mundiais de petróleo acabando e do efeito estufa também?
- Não ia, mas já que você comentou, é verdade.
- E além de pouco me importar, meu carro é a álcool.
- Tudo bem, o direito de pouco se importar é todo o seu, mas a sua indiferença não diminui os danos que você está causando ao seu bolso e a natureza e também não justifica essa velocidade toda. A gente nem sabe pra onde ta indo. Desacelera ai, vai.
- And we are gonna ride fast going nowhere...
- Hein?
- Uma música. Trecho de uma música que eu gosto e que me lembra bastante a cidade de onde eu vim.
- Você não é daqui?
- Não. Caramba, é a quarta vez que a gente sai e você não sabia disso?
- Você não tem sotaque e parece conhecer bem as ruas da cidade. Assumi que você era daqui mesmo.
- É que eu já moro aqui faz um tempinho. E o sotaque eu nunca tive mesmo, porque eu mudei muito.
- E quando você se refere a cidade de onde você veio, é a cidade que você adotou como lar?
- Mais ou menos, é onde eu tive minha primeira namorada, onde eu perdi minha virgindade, onde eu dirigi um carro pela primeira vez, onde eu ganhei a maior parte dos meus vícios e das minhas manias.
- Como, por exemplo, dirigir rápido desse jeito.
- Não, essa mania eu peguei aqui mesmo.
- Com todo o trânsito de São Paulo você ainda pegou mania de dirigir rápido. Eu acho que isso é mais uma manifestação de uma necessidade sua do que uma influência do meio.
- A gente tinha concordado que você não ia me analisar. Se eu quisesse um psicólogo eu pagaria por um, não namoraria uma.
- A gente não ta namorando, benzinho.
- Modo de falar. Você preferia que falasse que eu não pegaria uma ou invés de namoraria.
- Existem outros termos, sabia?
- Eu sei, mas nenhum se encaixava tão bem.
- Você não está escrevendo um título para um anúncio, não precisa se preocupar tanto assim com isso.
- Você fica analisando as pessoas e eu não posso colocar um ritmo decente nas minhas frases?
- Pára aqui.
- Aqui?
- É, a gente passou por um restaurante que parece bom.
- Eu dou a volta.
- Que dia você vai viajar?
- Depois de amanhã.
- Volta quando?
- Já ta ficando com saudade, é?
- Engraçadinho. Não, é só curiosidade mesmo.
- Admite que você ta cada vez mais apaixonada por mim.
- Você se acha, né?
- Na verdade é só um mecanismo de defesa.
- Mecanismo de defesa? Agora virou psicólogo também? Mecanismo de defesa do que?
- Timidez. Tem gente que faz piada, eu finjo que sou fodão.
- Você não é tímido.
- Claro que sou. Sempre fui. Eu era daqueles nerds que passava o dia inteiro ouvindo metal e qualquer outra coisa que quase ninguém mais que eu conhecia ouvia. E que ficava parado nos cantos na festa com mais um amigo nerd, festas as quais eu só era convidado por educação, reclamando da música e não pegando ninguém.
- Não pegando ninguém? Olha só, que inesperado.
- Odiei o tom de ironia na frase.
- Vai, você realmente não tem a mínima cara de ter sido o pegador da oitava série. Agora para de reclamar e estaciona o carro.
- Relaxa, vou deixar com o manobrista mesmo. E como assim eu não tenho cara de ter sido o pegador da oitava série? Qual o problema de eu ter sido o pegador da oitava série?
- Geralmente os pegadores da oitava série não tiveram Alexandre Dumas como parte fundamental da formação, como você mesmo já disse.
- Eu te falei isso?
- Falou, não lembra?
- Não, não lembro.
- É mentira?
- Não, não é. Mas eu não me lembro de ter te falado isso, e nem acho que eu deveria ter falado. Oi. Mesa pra dois.
- Claro que deveria ter falado, eu não teria ficado com você se você não tivesse falado. Eu ia achar que você era mais um babaca que era pegador na oitava série.
- E qual o problema, portanto, de eu ser tímido.
- Nenhum, mas simplesmente parece que você já superou o trauma e, no entanto, fica usando ele como desculpa pra poder se achar fodão.
- Certo, e você? Seus peitos ainda não tinham crescido o suficiente na oitava série?
- Não, nada disso. Eu sempre fui gostosa e popular.
- Certo então a menina gostosa da oitava série veio a conhecer e gostar de jazz e literatura por quê?
- Porque meu pai gostava de jazz e literatura e eu claramente sofri de um complexo de Édipo mal resolvido até eu começar a terapia. E então, só depois da terapia, eu decidi virar psicóloga.
- Nossa. Você é psicologicamente mais fodida do que eu.
- Finalmente encontrou um par á altura?
- Eu acho que sim. Quer escolher o vinho?

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...