quarta-feira, 4 de março de 2009

Luís

Comecemos. Temos um homem. Alto, mas nem tanto. Magro, mas com uma leve barriga. Gosto de acreditar que todos tem uma leve barriga, tira de mim o fardo da perfeição. Cabelos negros. Tem pintas no rosto, mas nada muito alarmante, apesar de digno de nota. Tende a ser vestir com a penúltima moda. Não se interessa tanto a ponto de aceitar tudo que se faz, mas o suficiente pra mudar quando todos mudam. O que sempre acontece um pouco tarde, mas é o que a maioria da população faz mesmo. Ele trabalha. Acho que importa aonde, mas eu não sei. Sei que tem curso superior, e que não é engenheiro, nem economista, nem publicitário, nem arquiteto. E, por deus, advogado não. Não seria bom se ele fosse psicólogo ou médico. Professor. Química. Professor de química em cursinhos pré-vestibulares. Fez um curso de farmácia mal feito e depois tirou licenciatura em química. É novo. Algo em torno de 25 anos. Chama-se Luís. Nunca teve apelidos, apesar de, ou exatamente por, nada ter contra eles. Cresceu e vive em São Paulo. Pronto. O Luís agora tem características que te lembrariam de alguém que você conhece, leitor. Talvez com uma coisa ou outra de diferente, mas ele é palpável. Ainda não é chegada a hora de fazer desse Luís o “meu Luís”. Soou gay, eu sei, mas vocês entenderam. O Luís encontra-se parado na esquina da avenida paulista com uma rua da qual pouca gente sabe o nome. Nesse caso, inclusive, eu vou com a maioria. Mas, para maiores identificações, é a rua que faz uma das esquinas com o MASP, a que vai no sentido centro, continuação da Casa Branca. O que me lembra que uma das minhas primeiras impressões dos paulistas que passaram a vida inteira em São Paulo é que eles tem fixação por discutir o lugar e o nome das ruas. Mas voltando ao nosso professor, que inclusive não gosta de ser chamado de professor, prefere ser chamado de Luís, apesar de não ter uma explicação para isso, e nem se importar em ter. Ele está parado nessa esquina especifica porque acabou de sair do MASP e estava indo para o metrô quando resolveu fumar um cigarro, apesar de saber das suas 4.700 substancias tóxicas e inclusive saber a fórmula de algumas de cor, e apreciar um velho prédio que compartilha a rua cujo nome eu não sei com o MASP, apesar de, assim como o museu, ter sua entrada voltada para a Paulista. Não achem, no entanto, que o Luís é dado a divagações. Não, é um homem que gosta de se considerar prático, apesar de ser professor. Então, cá estamos com o Luís, devidamente apresentado, parado em algum lugar e com um motivo para estar parado lá. Nesse momento do tempo, ao qual demoramos relativamente pouco para chegar, uma mulher para ao seu lado, não por sua extraordinária beleza, já que ele não a possui, e muito menos pelo seu carisma magnetizante, que ele também não possui, apesar de ser “amado” por seus alunos. Ela pára ao seu lado simplesmente para esperar o sinal, vermelho para ela, se tornar verde. E ela também não faz isso por nenhum forte senso cívico de obedecer às leis, mas por seu caminho estar bloqueado por várias pessoas que esperam os carros passarem e, especialmente hoje, não terem nenhum ímpeto suicida. O nome dessa mulher é Luiza e, se o Luís soubesse, talvez ele achasse interessante o fato de que essa mulher linda que parou ao seu lado ter a variação feminina de seu nome como graça. Provavelmente ele pensaria em alguma piada, mas desistiria quando seu bom senso o alertasse de que qualquer piada que ele pensasse seria ridícula a partir do segundo que ela acabasse de sair da boca dele. O sinal acende sua luz verde e a Luiza atravessa a antes praticamente intransponível rua. E o senhor Luís se surpreende ao vê-la entrar no prédio velho que ele estava admirando segundos antes de ser interrompido por uma vista ligeiramente mais interessante. Para ele, pelo menos. Luís, então, num momento de ousadia, vai até o velho prédio com intuito de conversar com a Luiza. Essa mulher tão linda da qual ele não sabe o nome e; estragando uma de suas aspirações de final, leitor, nunca saberá. Antes soubesse, seu destino poderia vir a ser um tanto quanto menos trágico. Ele chega a porta de vidro do prédio velho e não a vê. Perfeitamente possível se ela tiver entrado em algumas das portas mais próximas. Ele demorou alguns segundos para tomar a atitude e estava um pouco atrasado em relação à distância. E é nessa hora que ele pensa que seria melhor ele ter falado com ela ali no sinal mesmo. Mas, tomado por uma obsessão incomum, ele tenta abrir a porta de vidro do prédio, aparentemente desabitado. Ao encontrá-la trancada ele dá uma olhada em volta e percebe que existe um pequeno portão. Pequeno mesmo, algo em torno de um metro de altura, talvez menos, nada que uma pequena levantada de pernas não consiga transpor. E logo depois de uma melhor olhada, vendo uma escada e algum entulho no fim dela, ele resolve dar a leve levantada de pernas. Ele desce a escada e encontra uma pequena porta ligeiramente enferrujada e entreaberta. Bem, ninguém em São Paulo deixaria uma porta entreaberta protegida apenas por um portão de menos de um metro de altura e um lance de escadas se não quisesse que as pessoas entrassem. Pensa na sua estupidez de ter esquecido de ver se o portão era facilmente aberto. Afinal, isso indicaria que o ambiente, provavelmente comercial, estaria aberto a qualquer um. E Luís, munido agora de motivos para achar que não estava fazendo nenhum mal, era um homem bom afinal, resolve entrar pela porta. Encontra uma sala vazia, com a luz acesa e sem janelas. E uma outra porta. Que dava para um lance de escada. Que dava para uma sala com duas portas, que davam para outra sala, pequena com uma porta só, e outra sala sem portas. Subindo a escada e imaginando que já deveria ter chegado na sala com a porta de vidro, Luís começa a se arrepender de ter entrado. Não por medo, mas ele começa a sentir culpa, apesar de não dever sentir culpa alguma, mas ele não sabia, então é desculpável. No entanto, apesar da culpa ele continua indo por escadas e salas vazias ou com entulho no qual ele não mexe, e corredores com portas para apartamentos estranhamente familiares e com arquiteturas variadas. Depois de uns 50 minutos no prédio – a Luiza realmente valia a pena – ele resolve ir embora, mas as portas não davam exatamente aonde ele achava que elas iam dar. E tudo era meio parecido. Ele andou e andou. Era Sábado.
Na segunda feira seus alunos sentiram sua falta. E no mês seguinte desejaram que ele estivesse em um lugar melhor. Mas isso não dependia mesmo deles.


PS: Texto antigo, andei meio sem "pegada". Não é da sequência dos "nomes", mas foi importante pra idéia inicial.

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