quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Rebecca

1.
Toda noite na Funhouse se parece um pouco. As músicas são seguras. Não impressionam, mas são irreprimíveis. As bebidas tem um preço justo. As pessoas parecem sempre as mesmas, e algumas vezes de fato são. A Funhouse é um sofá fofo no meio da minha zona de conforto. Com uma TV na frente.
Era sábado e não iria ser diferente. Deixei meu espírito aventureiro trancado no banheiro – amordaçado, para não atrapalhar os vizinhos – e fui encontrar meus amigos na Funhouse. Era um sábado frio de começo de outono. Em São Paulo, isso quer dizer que você acha que dá para sair de camiseta sem problema, “dentro vai estar quentinho”, mas toma um tapa na cara do vento frio no final da noite.
Eu tenho um amigo, o Sacha, que trabalha no mercado financeiro. Não consigo explicar exatamente, mas tem a ver com operações de imóveis e hipotecas ou alguma coisa assim. Ao contrário de mim, ele é um cara que espera mais da noite. E ao contrário de mim, ele está disposto a arriscar uma noite ruim por um retorno maior. Isso quer dizer que ele vai em lugares que não vão ser tão divertidos por si só, em busca da possibilidade de alguma coisa dar certo. Eu poderia até falar, sem forçar a barra, que ele vai em busca da mulher perfeita. Umas das diferenças e um dos motivos pelo qual eu não saio da minha zona de conforto é que eu acho que a mulher perfeita para mim vai estar lá. Dentro da minha zona de conforto. De preferência aconchegada com um edredom vendo um filme do Woody Allen. Porque, para mim, beleza sempre foi uma coisa que eu tratei como secundário. É eliminatório, mas não é classificatório. Eu não me interessaria por alguém que não me atrai fisicamente, mas nunca saí à caça de Helena de Tróia. Enquanto para o Sacha, beleza é um fator classificatório. Ele está disposto a agüentar divergências que eu não estaria, só porque a mulher poderia ser a razão do divórcio do Brad Pitt com a Angelina Jolie. (Eu queria colocar um casal mais novo e hypado, mas não conheço. Seja co-autor, substitua os nomes em negrito pelo casal hypado do momento.)
Esse amigo estava comigo. Assim como outros amigos. Entre eles, um cara que eu mal conhecia. Novo em São Paulo e com falta de companhia, ele foi meio perdido para lá. Me conheceu na semana anterior, perguntou onde eu ia e foi junto.
Tudo corria de maneira satisfatória e sem percalços. O som era o esperado, as pessoas que eu tinha visto eram as esperadas, a bebida fazia efeito e o vento frio me lembrava que eu deveria ter trazido algum agasalho comigo enquanto eu fumava. O que para mim era um sábado a noite como qualquer outro, no entanto, era bastante desmotivador para o Sacha. “Não tem mulher nessa merda” eram as palavras que faziam meu senso de anfitrião bufar. Anfitrião porque a Funhouse era o chalézinho nas montanhas da minha zona de conforto. Acabei o cigarro, dei um sermão sobre como ele estava pré-disposto a não ver as mulheres que de fato existiam no lugar, acho que literalmente peguei ele pela mão ou pelo pulso e carreguei o rapaz para a entrada da pista.
Eram mais ou menos 3h da manhã e meu plano era sofrer um blecaute alcoólico lá pelas 5h30. Esse plano também ia a contento, apesar de um pouco a frente no cronograma.
“Olha, Sacha, vamos começar ali pelo DJ. Naquele grupo, tem uma gata. No grupo atrás, tem duas, apesar de uma estar acompanhada. Eu acho. Tem aquelas duas ali que tão meio cercadas, mas você é mestre em romper esse problema. Juro, acho engraçado até hoje essa mania de roqueiro de ficar pastorando as minas que eles querem. Mais ali no fundo, mesmo sem conseguir julgar porque não dá para ver direito, tem umas quatro. Umas dela deve ser gata para você. Sempre lembrando, a concorrência aqui não é tão alta. E olha, tem esse grupo aqui na frente.”
Pane número um. Nuvens se formam na fronteira da minha zona de conforto.
Ela estava de branco. Alta, quando comparada com as outras mulheres em volta. Alta o suficiente para se destacar. De branco o suficiente para brilhar na luz como uma benção no inferninho que me era tão querido. Os dois montes formados pelos ossos da bochecha dela emolduravam olhos que eu, naturalmente, não conseguia ver a cor, mas que eu tinha certeza que era cor de hipnose. O corpo era exatamente o que eu queria ter nos meus braços desde que eu me toquei que meus braços serviam também para abraçar. Por um momento, o adolescente espinhento e desengonçado que destruía rodinhas de verdade e consequência quando era chamado pelos amigos para se juntar a elas – as meninas saiam da roda, algumas correndo – dominou o meu cérebro. Eu não sou mais esse cara, o fim da puberdade me fez bem, mas naquela hora eu senti os fios da minha barba ficarem esparsos. Eu tinha 14 anos de novo, e um bigode de pedreiro que minha mãe não deixava eu tirar.
A diferença entre o garoto tímido de 14 anos e eu, naquele momento, era a quantidade de álcool no sangue. Ah, quantas coisas erradas eu teria feito com 14 anos se eu já tivesse aprendido a torturar meu superego afogando ele em vodka. Eu conseguia sentir meu Id esquecer de tirar a cabeça do superego da bacia para respirar enquanto babava na mulher na minha frente. Ao invés da paralisia natural que ocorre, quando minha timidez segura minhas vontades no chão com um mata-leão, eu tinha um Id gritando comigo.
“Então, Sacha, e ali está a mulher mais bonita da noite. A mulher que ninguém aqui tem capacidade de conseguir. Ali está a mulher que, sinceramente, nem deveria estar aqui. A Funhouse não foi feita para mulheres tão bonitas”
O Sacha riu, concordou, saiu e eu continuei minha linha de argumentação. O mundo não tinha sido feito para mulheres tão bonitas. Não o mundo real, onde as pessoas tem que pegar ônibus lotado e trabalhar e suar no sol do meio dia em restaurantes por kilo cheios e sem ar condicionado. Não esse lugar barulhento e cruel, com mendigos pedindo dinheiro e comida e álcool nas esquinas. Onde os trens se atrasam e pessoas são empurradas para dentro e que quando abrem parecem a versão ferroviária de um fusca de palhaços. Com chefes resmungando sobre atrasos e produtividade. Esse lugar no qual as mulheres perdem almoços para se depilar e fazer a unha. Salários inteiros gastos em cortes de cabelo e cremes e sapatos e vestidos e bijouterias e maquiagens excessivas para cobrir marcas no rosto. Onde as pessoas envelhecem e se acomodam em sofás fofos no meio das suas zonas de conforto vendo Domingão do Faustão enquanto comem macarronada e reclamam passivamente do governo durante os intervalos. Ela pertencia a outro lugar.
Eu não gosto do mundo real, por isso me escondo em ficção. Mas eu tenho simpatia por esse pessoal que está aqui comigo. Não concordo com tudo que eles fazem, mas entendo que às vezes a inércia é mais forte. Por que as mulheres desse mundo não podem ter tanta beleza? Uma coisa é você tentar concorrer com capas de revista e atrizes de novela, pelo menos elas não são reais. Outra coisa diferente e essa mulher ter a audácia de descer ao purgatório e andar por aí acabando com a chance das outras de encontrar amor. Pessoas bonitas que como um filme adolescente americano comandam a vida da peble sob suas coroas de reis e rainhas do baile. The beutiful people. It’s all about the size of your steeple. Marylin Manson falou isso. E eu entendi errado. Não vou entrar no detalhe do erro, mas tinha a ver com steeple soar como cheekbone se gritado por cima de um muro de distorção e bateria.
Bem, mas não cabia a mim fazer nada sobre isso. Ia me recolher a minha insignificância. Abraçar minha condição de peble e cantar Marylin Manson junto com meus amigos excluídos. Meu povo. Punks, metaleiros, rockers, mods. Com suas peles tatuadas, suas barbas desgrenhadas, seus cabelos raspados e coloridos, suas orelhas alargadas, sua agressividade e sua beleza que não dependem de natureza, mas de atitude e inteligência. Sair para fumar mais um cigarro enquanto eu me arrependia de não ter trazido minha jaqueta de couro para me proteger do vento e pensar sobre um coturno pro próximo inverno, que o All-Star já tá rasgando e não esquenta nada.
Mas ela não saia da minha cabeça. Me incomodava. Alguém tinha que fazer alguma coisa sobre ela. Dizer para ela isso. Que ninguém precisa de tanta beleza. Eis que meu Id percebe que esqueceu a injeção de adrenalina em casa e o coração do superego não vai sobreviver à tortura. Minha timidez desmaia por falta de ar graças ao mata-leão da minha vontade. O garoto de 14 anos está livre para fazer as besteiras que ele sempre quis.
Pane número dois. As nuvens ficam escuras e o calor aconchegante da minha zona de conforto começa a gerar uma zona de baixa pressão.
Eu ando até ela, mesmo ela estando cercada de pessoas. Não pretendo ficar muito, o olhar de reprovação que eu antecipo vai ser toda a adrenalina que meu superego precisa para se vingar do meu Id. Entro no meio da roda, sou inconveniente com todas as pessoas ali. Mal percebo o rosto delas. E falo que tem uma música do Marylin Manson que diz tais palavras. Eu erro a letra. Percebo que no fundo, por causa da letra errada, as palavras não fazem sentido. Me preparo para sair dali com o rabo entre as pernas ao menor sinal de ter sido pentelho, e eu sabia que eu tinha sido pentelho.
Um sorriso. “Desculpa, não entendi”. Repito. “Não conheço muito Marylin Manson. Mas porque você diz isso?” Sorrisos. Simpatia. Gritante.
Pane número três. Minha zona de conforto recebe os primeiros avisos para se preparar para um furacão.
Eu saio do meio da roda. Cavo um buraco ao lado dela. Já nem quero mais falar o que eu vim falar. Já nem sei o que eu estou fazendo. Faço tudo pela inércia de já ter começado a fazer. Já não entendo mais nada. Minhas ideias param de dançar ciranda e começam a bater as cabeças na parede não acolchoada do meu crânio. Acabo atrás dela. Não queria atrapalhar a roda. Nunca pertenci àquela roda. Meu lugar era atrás mesmo. Entre todas as outras pessoas se acotovelando ao som de um riff.
Não consigo me explicar direito. Ela continua simpática. Falo que o motivo inicial de eu ter ido ali era porque ela era mais bonita do que qualquer outra pessoa daquele lugar. O que é verdade. Eu volto a ter 27 anos. Eu enxergo a pessoa. Em toda a insegurança dela. Porque ela se nega a aceitar o que, agora, era só um elogio sincero. Completamente sincero e sem segundas intenções. Eu nem esperava estar ali mais. Imagina ter alguma intenção reservada para um segundo momento. Mudamos de assunto. Ela é gente boa, gentil. Eu insisto que não faço elogios. Morro de medo deles. Além do mais, eles estavam se provando descartáveis. Fazia tempo que não precisava deles. Tinha até escrito um texto sobre eles. Sobre ter medo deles. Depois, se ela quisesse, até mostraria para ela.
“Becky, a gente vai sair da pista. Você vem?”
“Não”
Pane número qualquer. O furacão jogou meu chalézinho montanha abaixo. Vacas atingem sofás em um redemoinho aéreo molhado de chuva.
Ela ficou na pista. Sozinha. Comigo.
Ela faz jornalismo, tem 19 anos. Eu brinco com a idade. Sou bem mais velho, afinal. Ela até gosta do que tava tocando, mas gostava mesmo era de Rihanna. Eu pronuncio o nome da mulher errado. Rirrana. Ela me corrige. Fala que gosta também de Lana Del Rey. Eu prometo escutar. Nunca tinha dado muitas chances para a cantora. Tinha ouvido pouco bem das pessoas certas, mas as pessoas erradas tinham falado muito mal. Sempre é um bom sinal para achar boa música. Eu percebo que algumas horas ela não me entende. Me lembro que eu estou completamente bêbado. Não quero mais estar bêbado. Ela ficou na pista comigo. Eu não quero estragar a segunda intenção que agora pula na minha cara. Tento um beijo. O que é claramente uma opção ótima quando você mal consegue se comunicar. Para um bêbado, parece, pelo menos. Não acontece. Óbvio. Conversamos mais um pouco e ela me chama para sair da pista. Mais fácil conversar no lounge.
A internet no lounge funciona. Na pista nem tanto. Ela me dá o celular e eu procuro o texto que eu tinha falado nele. No meu blog. O rapaz novo que eu tinha conhecido na semana anterior me vê. Pega uma bebida enquanto fala “Eu tenho mais de mil reais para gastar hoje com álcool. Pede o que você quiser.” Mas eu não quero ficar bêbado. Eu quero ela. Enquanto ela lê, sou arrastado até o bar e relutantemente bebo um copo de alguma coisa flamejante.
Eu volto. Ela acabou de ler. Gostou do texto. Aceita o elogio agora. Mais um tempo se passa e nós nos beijamos.
Blecaute. Minha zona de conforto já não parece existir. O caos que se instaurou parece que irá dominar até o fim dos tempos. Minha zona de conforto é Mordor e Sauron tem o um anel.
Paramos frequentemente para conversar. Conversar com ela é ótimo. Tem um ex dela na balada. Na hora, eu penso que talvez seja melhor não ficar tão perto, mas o cara parece tranqüilo. Apesar de eu não entender como alguém pode ficar tranqüilo sendo ex dela e vendo ela comigo. Será que era porque eu claramente não era uma ameaça de longo prazo?
O lugar esvazia. A conversa continua cheia. Interessante. Natural. Ela me diz que não costuma ir para casa tão cedo. Eu ofereço a minha. A gente pode beber uma cerveja e continuar conversando, ouvindo música. Quem sabe ela me apresenta Lana Del Rey direito. A Rirrana eu já conhecia. Ela me corrige de novo. Rihanna. Mas diz que não. Que tal o posto? Aqui na frente mesmo. O posto tudo bem. Pagamos. Saímos. Era uma noite fria de começo de outono. Dessas que parece que dá para sair de camiseta mas que te estapeia na cara quando você põe o nariz na rua às 5h00 da manhã. Depois de uma cerveja tremida no posto, ela concorda em ir para minha casa. É quente e eu prometo que sou seguro. Helena vai a Tróia.
Ela me mostra Lana. Ela me mostra coisas da faculdade. Eu mostro o que eu faço. Beijos. Os olhos são verde-hipnose. A boca é além de metáforas. São 9h e eu não quero que ela vá embora. Eu estou sóbrio. A adrenalina de cada momento expurgou o álcool do meu sangue. Eu levo ela embora. Devolvo Helena de Tróia à Grécia e me sinto um Páris fracassado.
Relatório de danos: minha zona de conforto é agora um cenário de filme pós-apocalíptico.

2.
Assim que eu fiquei solteiro, quase um ano antes de conhecer a Becky, eu descobri que conhecer gente é mais fácil na faculdade, escola ou qualquer lugar que você freqüente do gênero. Eu só trabalhava. E depois, nem isso. Aí eu descobri que pegar alguém na balada não significa que a pessoa vai te manter na vida dela. Sair em outra ocasião foi se tornando um evento cada vez mais raro. Na minha cabeça, se a pessoa ficou com você a noite inteira, ela vai querer ficar com você mais um pouco outro dia. Imagina quando a pessoa transa com você e passa a noite na sua casa. Apesar de a segunda ocasião de fato gerar mais segundos encontros, a minha percepção estava completamente errada. Como a Rebecca não tinha dormido comigo, minhas esperanças de ver ela de novo eram parcas. Principalmente porque eu ainda estava maravilhado com a mulher e ter o que se quer é reservado para um tipo de pessoas à qual eu não pertenço. Não nesse caso.
Mas a gente começou a conversar bastante, para meu espanto. Várias vezes eu senti que, apesar de não ter rolado, havia a vontade. Tudo que eu preciso é de vontade. Contanto que eu reconheça isso, o resto é secundário. A existência dela me incomodava ainda. Mas já não era ruim. Era bom ter a lembrança. Era bom alimentar a esperança. Um bom tempo se passou assim até que eu fui informado do rapaz que detinha o monopólio da atenção dela. Por algum motivo, aquilo me parecia um percalço aceitável. Mas a verdade era que eu era um cidadão de segunda classe no coração da Rebecca. E ela me contou isso porque o rapaz voltara à vida dela. Meu lugar era no gueto. Mas conversar com ela era legal, então eu fiquei por ali mesmo. Vivendo de migalhas.
Acho engraçado que ela não era o estilo de mulher que eu normalmente me interessava. Música é um assunto importante para mim. E ela gostava de coisas boas. Mas também gostava de um monte de coisa que eu não escutava. E que mesmo depois de escutar, eu decidi continuar não escutando. Isso deveria ter sido um sinal para eu parar. Mas passamos madrugadas conversando e trocando músicas. Nem sempre coisas sérias. A maior parte das vezes, inclusive, não eram coisas sérias. Mas ela, ao contrário do que eu esperaria de alguém que ouve o que ela ouve, falava daquilo com a paixão de quem realmente se importa com aquilo. E isso para mim era suficiente. Porque era aquilo que eu me importava, na verdade. Acho ruim quando a pessoa não liga, não se sente tocada por música. É uma parte essencial da minha vida. Espero que seja essencial na vida das pessoas que eu quero mais próximas a mim. E mesmo discordando, eu passei a respeitar o gosto dela.
Sei que parece que eu faço muitas desculpas para a situação. Mas é que ela era diferente de todas as outras mulheres na minha vida. Eu tentava justificar isso para mim. Para as pessoas que se surpreendiam com minhas descrições quando eu falava dela. Porque, sim, ela era linda, mas era muito mais que isso. Tanto que isso se tornou secundário. Do jeito que deveria ter sido. Eu gostava da pessoa. Era esse o “eu” que eu conhecia. Mas a pessoa era diferente. E eu me peguei sorrindo enquanto ouvia sobre coisas que levantariam minha sobrancelha. Novos mundos se apresentavam. Mundos que eu tinha escolhido ignorar.
O aniversário dela estava chegando. Eu não dou presentes para pessoas nos aniversários delas, então não estava preocupado com isso. Mas em uma conversa sobre filmes eu comentei sobre Todos os homens do presidente. Um filme genial sobre o escândalo de Watergate. Como dois jornalistas derrubaram o presidente dos EUA. Ela nunca tinha visto. Conhecia a história, mas nunca tinha visto o filme. Eu comprei para ela. De aniversário. Mas eu nem fui no aniversário dela. Não fui exatamente convidado e não faço o tipo que aparece nos lugares. Ofereci deixar o DVD na casa dela, e ela se recusou. “Você não é entregador do Submarino.” Disse que ia se sentir mal se não me desse pelo menos um abraço. Eu esperei. Tudo que eu podia fazer era esperar.
“Tenho uma notícia para te dar. Vou esperar para confirmar, mas acho que vai rolar.”
Passei um tempo perguntando o que era. Ela demorou para confirmar, queria ter certeza, depois queria escrever um negócio. Começou um blog. Escreveu o texto e me mandou o link. Fez isso depois de um bom tempo. Nunca confirmei se a notícia era o que o texto descrevia. Linhas tristes sobre decepção. Alguns monopólios não funcionam. O do coração dela foi mal administrado. Mais alguns convites e finalmente ela concordou em sair comigo.
Mas a minha auto-estima sofre com meio-fio. Fica largada na sarjeta mesmo. Na época, eu via outra mulher. As coisas andavam bem. Eu gostava dela. Ela me convidou para fazer um programa no sábado. No mesmo dia, eu tinha a despedida de um amigo. Fiquei de confirmar depois da despedida, o amigo era importante. Apesar de todos os “sim, eu VOU te ver, Douglas”, eu continuava inseguro. E continuava segurando a outra mulher. Sem confirmar e sem cancelar a noite. Não queria ficar sozinho depois de sair do bar. Não me senti bem com aquilo, mas prioridades primeiro. E o bastãozinho da vez estava com a Rebecca. Ela me avisou onde estava, falou para eu ir encontrar ela. A outra moça entendeu que eu ia ficar no bar com os amigos. Nunca desmenti. Me despedi, entrei ébrio no táxi e dei as coordenadas.
Ela estava sentada sozinha em uma mesa do Mc Donalds. Mais conversa, mais música, mais verde hipnotizante. Foram 3 meses do primeiro dia até aquele. Eu tinha esquecido a voz dela. Eu descobri ali o quanto eu senti falta da voz dela. Esse negócio das pessoas não falarem mais ao telefone tem desvantagens sérias. Quando eu escrevi um texto sobre ela, eu esqueci a cor dos olhos. Fui de verde porque verde era o que eu lembrava, mas quem confiaria na memória de um bêbado. Pedi desculpas pelo erro quando mostrei o texto para ela, fazia sentido na hora que fossem verdes. Ela me lembrou, em maiúsculas garrafais que os olhos dela eram verdes. Depois de ver naquele dia, dentro do ambiente calculadamente pouco confortável do Mc Donalds, eu nunca mais vou esquecer que eles são verdes.
Saímos de lá quase sem rumo. Na falta de ideia melhor, fomos à Funhouse mesmo. Eu acho que disse que amava ela. Culpa do álcool. Isso depois de já termos ficado. Passamos a noite conversando e bebendo no bar. Fomos para a pista para uma música só. I saw her standing there. Deixei ela em casa em um horário até razoável. De táxi, dessa vez. Mas fui até a casa dela com ela, mesmo não sendo caminho.
Eu esqueci de levar o DVD. Antes disso, eu pensei em desistir. Cansado. Não via que ia rolar. Segurei a onda porque queria entregar o DVD. Comentei com ela um dia. Ela riu. Falou que era um sinal para eu não desistir. Bem, eu continuei. Duas semanas depois de sair com ela, ou três, ela manda uma mensagem para mim. Eu estava bêbado, na balada. Um mero “ow”. Respondo. Ela pergunta se eu não quero ir entregar o DVD. Pago imediatamente, pego um táxi, passo em casa, pego o DVD e vou para a casa dela. Sempre com medo de ela dormir no meio tempo. Com medo de ser só entregar o DVD e ganhar um abraço. Medo. Porque eu ainda sentia que eu ia acordar na cama a qualquer momento.
Ela estava com alguns amigos. Acabei ficando na casa dela até o meio-dia. Com ela. Abraçado. Ficaria mais. Ficaria o tempo que ela quisesse. Senti, de fato, que eu pertencia. Com ela nos meus braços, parecia que ela pertencia a eles. Com ela, eu sentia que aquela era a pessoa que deveria estar ali. Mais, eu sentia que ela se sentia confortável ali. Saí de lá o dono do mundo. Sem dúvidas. Tudo estava certo com o universo. Já me acostumei que essa sensação não dura, mas é ótima. Temporariamente preencher o buraco, já dizia o A Perfect Circle. A partir dali, eu achei que as coisas fossem andar.
Mas elas não andaram. Elas pararam, engataram a ré e quase fundiram o motor acelerando. Já esperara mais do que o tempo que demorava, mas eu sentia que a cada dia eu perdia espaço. Eu sentia que o fim do encanto dela por mim, por menor que tenha sido, estava perto do fim. Me senti de volta no gueto. Cidadão de segunda classe. Incapaz de mudar meu próprio destino. Vivendo de migalhas.
Eu quis me afastar. Ver se ela sentia minha falta. Mas ela é a única pessoa com quem eu não consigo ficar sem falar. Eu quis focar em outras mulheres. Algumas delas com tanto potencial, mas nada parecia funcionar. Sempre deixava meus finais de semana livres, na esperança de receber outro “ow”. Nada.
“Eu não consigo, Douglas. Eu estou acostumada com homens no meu pé. Eu gosto muito de você, mas se eu não sou suficiente para você, não dá para a gente se ver mais.” “Só eu te chamo para sair, você nunca dá atenção para mim.” Eu me sentia um canalha por essas afirmações serem verdade e serem sobre mim. E não serem as únicas do gênero. Sobre como eu acabava lidando com todas as outras mulheres na minha vida. Como moradoras do gueto do meu coração. Vivendo de cancelamentos e possibilidades que viravam nãos. Quem pode julgar uma pessoa por tratar você do jeito que você trata outras pessoas.

Mas o que mais me incomodava é que eu aprendi, depois de muito tempo batendo cabeça, o jeito certo de fazer as coisas. O que funciona na hora de conquistar alguém. Mas eu não consigo fazer com ela. Eu fico largado sem ação esperando que alguma coisa mude. Como um viciado, eu fico adiando o dia de começar a rehab. Estabelecendo prazos. Para mim mesmo. O próximo eu vou cumprir. Uma hora eu vou ter que cumprir.

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...