sábado, 21 de novembro de 2015

Game Over

Eu perdi, né? No fundo eu já sabia. Sempre soube. Fui idiota de achar o contrário. Mas até aí,  quem nunca foi idiota. Quem nunca se entregou a uma promessa vazia. Mesmo sabendo da imensidão do vácuo da promessa. Só porque ela soava tão bonita no começo. Só porque ela teria sido tão bonita se tivesse se realizado.
Os comunistas todos sofreram disso. Os anarquistas. O próprio Adam Smith. Sério, lê o cara. Um filho da puta utópico como todos nós. Sonhadores se fodem. Porque acreditam nos sonhos, contra todas as probabilidades. E essa coisa de lutar... pura bobagem. Puro nonsense. Um nonsense lindo, é verdade. Lindo como um sketch do monthy python. Lindo como um quadro do Dalí. Lindo como um móbile do Calder. Lindo. Inútil. Mas lindo.

E se tantas vezes as pessoas se enganaram, acreditaram, sofreram, lutaram, quem sou eu para não lutar. Mas todo comunistas envelhece. Todo anarquista é preso. Todo teórico morre. E a luta fica para trás. O sonho acaba. A realidade entra dando tapas na cara como um babaca folgado que acha que é seu amigo suficiente para isso. Entra na sua vida como um bêbado entra numa roda de amigos na balada. Como um ladrão que quebra o vidro do seu carro estacionado na rua em um dia de chuva. O café amargo que faz o álcool dos seus sonhos desaparecer.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A sorte do clichê tranquilo

- Ai, eu queria a sorte de um amor tranquilo.

Ela disse isso olhando para o alto. Como se pedindo para alguém além dela. Na mesa, a garrafa de cerveja soltava uma leve névoa e molhava a madeira. A música era do final dos anos 60. A luz, baixa. O bar estava meio vazio, com só mais 3 mesas ocupadas.

Na minha cabeça, eu pensava: eu quero bem mais que isso. Eu quero a angústia de um amor mais forte que eu. Eu quero perder o emprego, perder o chão. Eu quero encarar o asfalto da beirada do vigésimo sexto andar. Eu quero dar vexame bêbado no bar. Eu quero dormir de exaustão depois de rolar na cama desesperado por ela estar vazia. Eu quero que meus amigos façam uma intervenção. Eu quero me mudar com ela. Eu quero passar dias com um sorriso bobo na cara enquanto parece que tudo se desmorona em volta de mim. Porque entre uma citação batida e a insensatez, eu prefiro estar errado. Entre a maturidade e a dor, eu prefiro ser um Peter Pan solitário. Entre a sua sobriedade e a minha bobeira, eu prefiro estar para sempre enganado.


Mas eu não falei nada disso. Só ri sem graça e fui para o próximo assunto vazio que fosse me deixar um pouco mais perto de ser o seu amor tranquilo daquela noite e a decepção tranquila na manhã seguinte.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Pulp

A janela pisca azul na parte debaixo da tela do computador, indicando uma mensagem e uma remetente. Mesmo antes de lida, aquela mensagem não faz sentido, apenas transporta ele para uma noite três anos antes.

Naquela noite, luzes piscavam no chão, no teto e nas paredes. Rock ecoava na pista de dança acolchoada como a cela de um manicômio. Ele encostava na bancada do dj com um copo de vodka, alguns amigos e muita tontura. Um deles comenta sobre uma garota que dançava perto deles. "Linda, né?", o amigo fala enquanto tenta ser discreto. Pela primeira vez ele olha para ela. Bonita, mas não o suficiente para declarar um "linda" tão empolgado. Tenta ser educado na resposta, mas parece que a falta de empolgação só deixa o amigo mais animado em defender a beleza da desconhecida. Só resta a ele fazer seu trabalho de wingman: o amigo fala com ela, ele fala com o amigo dela. "Escuta, ele sabe que não tem chance nenhuma com minha amiga, né?".

3 anos depois, era o nome dela escrito na janela que piscava azul na parte inferior da tela dele. E isso não fazia o menor sentido. "E aí, Coronel, tudo certo?". O apelido de Coronel já nem era tão comum. A faculdade tinha acabado. Agora, na agência de propaganda, o apelido era outro. Aparentemente, agora ele lembrava muito o ator que interpretou a versão jovem de um ex-presidente.

A mensagem não era tão bizarra quanto uma voz de uma noite solitária do passado soando no meio de uma manhã de sexta-feira. O amigo que não tinha chance nenhuma chegou a namorar a menina que ele achou linda naquela noite. Fora todo o rolo que isso envolveu. Mas, por pouco mais de um ano, a única vez que eles tinham se visto foi em um bar, no qual ele mal a reconheceu. Uma mistura de tempo passado, falta de atenção e mudanças na aparência dela. Naquele momento, ele poderia concordar com o "linda". Mas estava bêbado e pouco preocupado demais com isso na hora.

Ia ter o show do Pulp no dia da mensagem. Por acaso, do lado da agência onde ele trabalhava. Ela convidou ele para ir. Ele se ofereceu para convidar o amigo em comum, ex-namorado dela. Afinal, era uma maneira de dar sentido àquela mensagem. O amigo já namorava uma outra mulher, mas fazia mais sentido do que ela falar com ele do nada. Conseguiu um ingresso com um colega de trabalho, a quem também convidou. Até porque precisava não ser a vela da noite que ele imaginava fosse acontecer. Comprou o ingresso dela. Só o dela, no final o ex-namorado não pode ir.

Já à noite, ele esperava ela com o colega em um boteco perto do local do show. Entre copos americanos cheios de cerveja, fumaça de cigarros e escapamentos se misturavam à palavrões e piadas. Além do colega que ia com ele, mais um estava lá bebendo uma cerveja pós-trabalho. Entra ela, flutuando sobre a calçada irregular de um dos metros quadrados mais caros de São Paulo. Apresentações são feitas já seguidas de despedidas. O colega que não vai ao show olha para ele com um olhar que diz "Ela é muito gata, cara. Foda isso. Na hora que você me falou no almoço que ia pro show com uma amiga eu não imaginei que fosse tão gata. Como que uma mina assim sai com um cara como você." (Eu poderia estar conjecturando, mas ele me explicou o olhar com essas exatas palavras depois.)


No show, ela paga o ingresso para ele com fichas de bebida enquanto explica que tinha terminado recentemente com o namorado que veio depois do amigo dele. E que ele estava lá. O Pulp pergunta "Do you remember the first time?". O ex dela pergunta se eles podem conversar. Aquela conversa que sempre vira briga. Whatever common people do. O ex vai embora. O show continua. Álcool, luzes, dança e reclamações. As luzes se acendem eventualmente. Eles vão embora. O ex ficou com ciúmes e ele achou a ideia do ex dela com ciúmes do amigo do outro ex dela até engraçada. Ela deixa ele em casa e ele espera o elevador enquanto pensa "Como diabos eu não tinha percebido o quanto ela é linda?".

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Oportunidade


Criando diálogos imaginários para tentar lidar com a frustação de não conseguir ter os diálogos reais. Sofrendo com a falta de oportunidade, assunto, coragem. Aleijado por um senso de rídiculo, insignificância, babaquice. Cuspindo pelos dedos a água das palavras engasgadas, dos desejos desenganados pela realidade. Lembrando da pose, de tentar parecer legal e desencanado com o peito arfando em uma angústia inexplicável. Controlando o levo tremor nas mãos para levar o cigarro à boca. É a saliva que não vem, o sentimento que não passa, a eventual migalha que de repente joga você em uma conversa de verdade que você nunca achou que existiria. E de todas as coisas bonitas que você imaginou, o assunto vai para o fato de você nunca ter provado leite Ninho. 

Leite. 

Ninho.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Parágrafos - parte 1

O que eu faço com as tatuagens do seu braço se eu sinto falta delas em todos os braços que me abraçam. Como se todo mundo devesse nascer com elas. Suas linhas me assombram muito mais do que você jamais soube.

Eu nunca prestei atenção em mãos até a sua. Pode parecer raso, mas seus dedos me parecem que iam ficar ótimos em volta do meu pau.

A Elle Fanning tem um grande defeito: ela é dois anos mais nova que você. Mas, sinceramente, preferia você desfilando no meu quarto. Sem vestidos, no caso. Lingerie e um sorriso de meia boca. Com uma virada que deixa aquele olhar de “você não vem?”.

Se ele te fizer gozar até você pedir arrego, como era comigo, eu juro que não encho mais o saco.

Você jurou que não ia sair mais comigo por um motivo tão estúpido que parece ser por outro. E sabemos muito bem qual é o outro: você sabe que meu pau e a sua buceta foram feitas um para a outra muito mais do que eu fui feito para você.


A gente até pode brincar de sermos amigos. Mas nada nunca vai tirar da minha cabeça que você é a mulher da minha vida. Nem o pior sexo da minha vida. Até porque isso já sabemos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Presença

I

Ele acordou sem motivo aparente. Depois que você acorda, nem sempre dá para saber porque você acordou. É que na hora que o que te acordou aconteceu, você ainda tava dormindo. E agora ele estava acordado e a escuridão era completa. Os olhos abertos eram inúteis. Resolve que é melhor que eles fiquem fechados mesmo. Mas agora, a consciência de que eles não servem para nada, de que o quarto está tão escuro, deixa ele desconfortável. Vez ou outra, ele abre os olhos para testar a incapacidade deles. E segue acordado.

A cama mexeu. Ele abre os olhos rápido, só para fechar de novo ainda mais rápido quando percebe que, abertos ou fechados, não havia diferença. Ele está preso à cama. Com medo. Além do mais, se levantar da cama agora é capaz de acordar a mãe e ele já tomou uma bronca por ter ido dormir tarde e depois apagado na escola durante a aula de geografia. Mas só porque era geografia física e ele não entendia porque ele tinha que saber o nome dos rios para ser astronauta.  E a mãe dá mais medo que a cama mexer. Até porque pode ter sido só impressão. Ele que mexeu. É, foi isso.

De novo. Mexeu de novo e dessa vez ele tinha certeza. Que horas devem ser? E se ele se cobrir inteiro? E se fingir que está dormindo? Para fingir que estava dormindo ele tinha coragem. Fechou os olhos e se esforçou para ficar imóvel. Sentia apenas sua respiração movendo o corpo. Teve a impressão de ter alguém em cima dele, sem encostar, por um tempo. Algo como sentir o deslocamento do ar na sua frente misturado com a sensação de ser observado. Mas quando ele abriu o olho, o sol já tinha nascido. Como se ele tivesse apenas piscado. A mãe já estava falando dentro do quarto sobre como eles já estavam atrasados, que se ele queria tomar café da manhã ia ter que ser no caminho, já não dava mais tempo, e não pensa que eu não ouvi você andando de madrugada no quarto, viu, menino? Você não me engana.


II

Viveu assim por anos. Nada nunca acontecia de diferente e ele simplesmente se acostumou a dormir daquele jeito. Algumas noites, quando a mãe viajava e ele não ficava sozinho, parecia que nada acontecia. A companhia na cama acabava com os fenômenos difíceis de explicar. Mas difícil mesmo era explicar para mãe o que isso tinha a ver com a decisão de sair de casa na primeira oportunidade. Não precisa inventar desculpa, pode admitir que é porque você não gosta mais de viver com a minha companhia, blá blá blá.

A namorada passou a dormir com ele tantas noites que era até estranha a sensação quando ela ia embora. Meio que um vegetariano quando come carne. Nessas noites sozinho, principalmente no começo, ele ainda conseguia sentir. O leve tremor inesperado. A sensação de mais alguém no quarto vazio.
Ele sabia que depois, quando a namorada voltasse, a sua outra companhia ia parar. Ele não tinha esperanças de ficar sem ela. A presença sempre voltava.

Algumas mudanças acontecem de um jeito muito gradual. E até faria sentido se essa fosse. Mas não foi. Foi como se um interruptor tivesse sido ligado. A chave caiu. Ele não amava mais a namorada. Foi um dia de manhã que ele acordou logo antes do despertador. Alguns minutos antes, de acordo com o relógio. Ao invés de voltar a dormir, ele desligou o despertador, levantou sem sono e foi tomar banho. Sem sono, sem sentir nada. Saiu do banho e olhou para a namorada ainda deitada na cama como se olhasse para a cama vazia. Preparou café-da-manhã para os dois como se só estivesse desperdiçando parte da comida. Comeram juntos como se come na mesma mesa de um desconhecido em uma praça de alimentação lotada. Se separaram temporariamente na porta do metrô, ela desceu e ele foi em direção ao ponto de ônibus. Se separariam definitivamente naquela noite se ele tivesse tido a coragem. Mais fácil fingir que dormia. Para isso ele tinha coragem.

Foram 3 meses antes de ela levar todas as coisas embora. A presença não estava mais lá também. Na cama, só os seus movimentos. No escuro, nenhuma sensação estranha. Ele sentia um pouco de falta da namorada, mas com o tempo passou a sentir falta também da presença. Passou a dormir mal. Demorou para se acostumar. Seus sonhos pareciam menos criativos. Seus dias acabaram ficando sonolentos. Mas, com o tempo, a presença virou apenas a nostalgia. De tempos diferentes. Quase uma outra vida.


Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...