sábado, 14 de junho de 2008

Os Nomes e Alice

Eu sempre odiei colocar título nos meus contos. Nunca achava nada que realmente eu gostava. Hoje em dia eu já não tenho esse problema e nem esse ódio. A publicidade tinha que me ensinar alguma coisa, afinal de contas. Mas na época que eu ainda tinha pouco saco eu comecei a escrever textos com nomes de pessoas. Me pareceu uma boa idéia fazer um texto que falasse de uma pessoa através de uma situação. E depois várias ideias de o que fazer com um texto entitulado com o nome de uma pessoa vieram na minha cabeça. No fim das contas eu tenho alguns textos com nome de pessoas. E eu pensei, "porque não fazer um alfabeto de pessoas, agora que eu tenho o blog?" Então, é isso que eu vou fazer. Começo agoa com a letra A. Alice.


Alice

- Oi.
- Oi.
- Fazendo alguma coisa?
- Não, na verdade não.
- Vagabundo.
- E você, fazendo alguma coisa?
- Sai do trabalho agora.
- Workaholic.
- Nem sou.
- São 10 da noite. Eu sou menos vagabundo do que você é workaholic.
- Talvez.
- Vem aqui pra casa.
- Eu não sei aonde você mora, lembra?
- Perto da sua casa, na verdade. Destiny, babe.
- Ahan, destiny, sei.

Ela riu depois disso. Mas veio mesmo assim. Apesar de eu não saber por que eu continuo chamando mulheres pra vir no meu apartamento. O lugar passa uma péssima impressão de mim. Infelizmente é a impressão verdadeira no caso. Que eu sou um vagabundo. Nada na geladeira, caixas de pizza e de sanduíches e de comida chinesa espalhadas pela comodidade do momento. Mas mesmo assim. Nenhum outro lugar tem o cheiro de noite que o meu apartamento tem. O cheiro frio da noite. O cheiro molhado da noite. O cheiro lubrificado da noite. Mas foda-se. Ela me ligou, o apê pode ser o que for, ela me passou uma impressão mais forte do que a impressão de vagabundo que meu apartamento vai deixar. Ela já é minha. Ela já é minha.

- A vista do seu quarto ser um hospital não te deprime?
- Nem um pouco. Na verdade, eu normalmente nem reparo nele. Não como um hospital, pelo menos.
- Como o que então?
- Como uma construção, oras. Afinal de contas, no fundo é o que ele é.
- Mas mesmo assim. O tanto de gente que morre lá.
- Eu não sou espiritualista. Não acredito em energia. E nem dá pra ver o que rola lá dentro daqui.
- Já pensou em comprar um binóculo?
- Já. Mas me falaram que ia ser muito doentio.
- Nem, dava até pra fazer um filme daqui. Tipo janela indiscreta.
- Ou seja, já fizeram. E eu não sou nenhum Hitchcock.
- Pessoas já fizeram sexo, e você não é nenhum Casanova.
- O comentador esportista?
- Rá, rá, rá...
- Certo, certo, a piada não foi boa.

A piada não foi boa, mas eu ri. Ela ficou encostada no parapeito da janela. Eu estava sentado na cama, o que me permitia vê-la e a vista da janela ao mesmo tempo. Salvador Dali e sua Gala na janela. Mas sem as roupas e sem o dia ensolarado. Prefiro o meu quadro.

- Eu tenho que ir.
- Beleza. Consegue achar seu caminho pra casa sozinha?
- Espero que sim, né?
- Consegue, consegue.
- Até porque o vagabundo quebrado não tem carro, e eu não teria como largar o meu aqui.
- Vai, admite que isso tem seu charme.
- Na verdade, não. Todo esse lance canalha malandro que você joga num funciona tão bem mais.
- Na verdade, tem funcionado bem.
- Acredite, você tem outras qualidades que fazem esse lance valer a pena.
- Não faz nem cinco minutos eu num era nenhum Don Juan.
- Rá, rá, rá. E era Casanova.
- É mesmo, o comentador esportista.

Dessa vez ela riu. Humor é repetição. Ela se vestiu e foi embora. E eu fiquei procurando estrelas no céu de São Paulo. Eu realmente deveria comprar um binóculo.

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