sábado, 15 de novembro de 2008

As minhas primeiras vezes

Eu tinha algo em torno de cinco anos na época. Freqüentava uma escolinha cujo nome eu obviamente já não me recordo mais, no entanto têm três coisas que eu nunca me esqueço daquele lugar. E uma que eu costumo esquecer, extremamente inútil. Comecemos pela inútil. Logo depois do recreio, as professoras mandavam a gente fingir que dormia, eu digo fingir porque ninguém dormia realmente. No entanto, enquanto fingíamos que dormíamos e nos achávamos o supra-sumo da esperteza por não estarmos de fato dormindo, e sim, geralmente, jogando pedra-tesoura-papel ou alguma coisa do gênero, as professoras podiam ter o recreio delas. Obviamente eu não prestava atenção no que elas conversavam, mas deviam ser as suas preocupações e seus medos ou talvez fofocas e algumas piadas ruins. O que eu lembro era de um menino, cujo nome acho que eu nunca soube – na verdade não lembro nem do rosto – que realmente dormia. O molequinho apagava em cima da mesinha. Tudo bem que elas criavam todo um ambiente propicio ao sono – luzes apagadas e silêncio – mas mesmo assim ninguém mais dormia. Eu me pergunto o que aconteceu com aquela criança. Mas essa era a historinha inútil. As três coisas que eu lembro que importaram na minha vida foram as seguintes, em ordem de importância.
Eu estava no recreio da escolinha e tinha um “brinquedo” no pátio que era tipo essas barras de fazer exercício que infestam os parques hoje em dia. Eu não sei qual era o propósito de colocar uma dessas numa escolinha de jardim de infância, é claro que apesar disso, nós achamos uma utilidade para a barra. Nós nos balançávamos nela. Um pulava e se segurava na barra enquanto o outro empurrava o primeiro rapaz para frente, criando um efeito de vai e vem. Até ai, apesar de ser uma péssima idéia, sem problemas. O que aconteceu foi que um dia choveu. Choveu enquanto estávamos em sala de aula desenvolvendo nossa coordenação motora com pinturas horríveis ou brinquedos idiotas, ou ainda nosso raciocínio lógico com algum jogo estúpido. Mas, por sorte nossa, parou de chover um pouco antes da hora do recreio. Saímos, então, ávidos para correr em volta de nossos rabos e desenvolver nossos físicos, como as crianças saudáveis e estúpidas que éramos devem fazer, mas sem machucar o coleguinha e sem ser extremamente estúpido. O problema é que para uma criança, que ainda não aprendeu muito sobre como o atrito pode ser diminuído com uma camada de água, se pendurar na barra como ela faz todo dia e balançar, mesmo a barra estando molhada, não é uma idéia muito estúpida. Então, lá fomos nós. Eu não lembro se eu fui o primeiro nem nada do gênero. Eu lembro que eu fui. Lembro também de ter conferido se as “tias” estavam olhando. Acho que elas até falaram alguma coisa do tipo “menino, num faz isso senão você vai se machucar”, mas nenhuma atitude mais enérgica que isso. E, para uma criança estúpida, essa frase só tem o efeito de deixá-lo com mais vontade de fazer estupidez. Então eu subi na barra. Um amigo meu começou a me balançar. Até ai, tudo bem. Ele era pequeno e eu tava conseguindo me segurar, mas a brincadeira não estava emocionante. Foi quando um outro menino, um tanto quanto maior que o primeiro, foi ajudar a me empurrar. Quando meu balançar estava tomando proporções emocionantes, eu me soltei. Aliás, eu escorreguei. E caí em cima do meu braço, cujo osso se rompeu prontamente. Daí pra frente eu não me lembro de muita coisa. Lembro de aprender direita e esquerda pela primeira vez. Esquerda era o lado que tinha o braço engessado. Depois eu esqueci de novo, até descobrir uma pinta no meu braço esquerdo. Funcionou bem durante o tempo necessário. Hoje eu já não uso mais, mas a pinta ainda está aqui. Só um detalhe: contando essa historia de como eu aprendi direita e esquerda com a pinta para a minha mãe, eu descobri que a pinta, que para mim era uma simples marca de nascença, era um pouco mais que isso. Era uma cicatriz. Ela tinha se descuidado quando eu era bebê e eu tinha enfiado meu braço num espinho de laranjeira ou coisa assim. De qualquer maneira, essa é a historia da primeira vez que eu quebrei um osso.
A outra primeira vez que eu queria contar toma lugar nessa mesma escola, não sei se antes ou depois. Na verdade, eu considero a primeira vez porque é a memória mais antiga que eu tenho de algo parecido. É que eu tinha uma professora, uma “tia”, que gostava muito de mim. No sentido fraternal da coisa. E ela sempre me pegava no colo dela, segurava meu rosto enquanto me falava “Deixa eu ver seu olho. Seu olho é lindo. Parece uma jabuticaba de tão escuro que ele é”. Foi a primeira vez que eu me rendi ao elogio de uma mulher. A primeira vez que eu tomei um elogio como sendo algo mais do que uma simples constatação de um fato ou de uma opinião. Eu ficava me perguntando se ela queria alguma coisa comigo, apesar de não ter noção do que isso poderia ser. Eu me lembro de me sentir estranho. Não era como se minha mãe estivesse me falando que meu olho parecia uma jabuticaba, ou minha avó, que de fato me fez esse elogio acredito que mais de uma vez. Era diferente. E foi a primeira vez que foi diferente.
Minha terceira, e mais importante, primeira vez aconteceu pouco antes de um recreio. Sem ter o que fazer conosco até a hora marcada para elas nos deixarem correr em volta dos nossos próprios rabos ou quebrar nossos braços na barra, elas resolveram sondar a vida amorosa dos pequeninos seres humanos que elas acompanhavam todo dia, provavelmente para ter alguma coisa para fazer piada na nossa hora da soneca, logo após nosso recreio. Então elas começaram com uma brincadeira que era assim: Todos nós deveríamos, quando perguntados, falar quem eram nossos(as) respectivos(as) namorados(as) e elas iam contabilizando o negócio na lousa para ver quem tinha mais namorados(as). De qualquer maneira, eu tava garantido. Já fazia algum tempo que eu “namorava”, seja lá o que isso significava pra mim naquela época, uma mocinha cujo nome era Marcela. Muito bonitinha e aparentemente gostava mesmo de mim. Ou assim ela me dizia e, dado os escândalos que ela fazia pra ficar como meu par na quadrilha, eu acreditava. Então, lá estava eu, sempre um garoto do fundão o que quer fosse o fundão na época, esperando chegar a minha vez de declarar orgulhosamente “EU TENHO UMA NAMORADA, A MARCELA” quando eu ouço alguém roubar essas exatas mesmas palavras da minha boca. E não se engane, companheiro, só havia uma Marcela na sala e era a ela que o filho duma puta estava se referindo. Foi quando meu mundo caiu aos pedaços. Como assim a Marcela tinha outro? Eu não podia aceitar aquilo, deveria estar havendo algum engano. Seria todo o conceito de monogamia uma fraude? Foi quando eu reparei que, no tempo em que eu estava absorto em meus pensamentos, outro pauzinho havia surgido ao lado do nome da minha pretensa namorada. E eu só conseguia pensar “Dois? Um tudo bem, pode ser um engano, mas dois? DOIS?”. Então, o golpe final foi dado. O terceiro pauzinho. Eu estava desesperado, descrente, com o meu coraçãozinho infantil partido em pedaços. Enfim, chega a vez da falsa se pronunciar e ela declara, em alto e bom som, que o namorado dela era o Vitor (sou eu, acredito que tenha esquecido de mencionar). Descarada. Agora ela queria fazer tudo ficar bem, não é? Mas as coisas não funcionavam assim comigo. Quando chegou a minha vez, apesar dos dolorosos (pra mim, naturalmente) sorrisinhos que ela ficava me mandando eu respondi à infeliz da professora que havia tido a idéia de tão cruel questionário: Eu não tenho namorada, e vi o sorrisinho se desfazer da boca de minha, naquele momento, ex-namorada. Pouco depois, o sino do recreio tocou e fomos liberados. Eu não sei porque eu demorei pra sair, ou pra levantar. Sei que quando eu levantei e olhei pra porta da sala, que tinha suas luzes apagadas, eu vi o vulto da Marcela esperando. A luz entrando e deixando ela ligeiramente assustadora, imponente, santificada. Eu andei ate a porta e ela me parou. Perguntou : “Porque você disse que não tinha namorada” e eu, cheio de razão, respondi que tinha sido porque três meninos tinham falado que eram namorados dela. Ao que ela responde “mas eles não são”. O que pra época até fazia sentido, afinal, você podia até nunca ter falado com a menina, mas isso não significava que você não podia falar que era sua namorada. Naturalmente. E, com isso em mente eu fiz o que talvez eu nunca deveria ter feito. Ela me perguntou: “Então, a gente tá namorando, ou não?” e eu respondi um tímido e arrependido “tamo”. Essa foi a primeira, e garanto que não a ultima, vez que eu me rendi a uma mulher.






PS: ainda dentro de Isabel.

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