sábado, 1 de novembro de 2008

Teatro. Mais um da isabel.

Eu abri a porta de casa. Entrei, meio cambaleando de álcool e sono, direto na sala e desabei sobre o sofá. Acendi um cigarro e puxei o cinzeiro mais próximo para mais perto ainda. O suficiente para eu não precisar mover o tronco para bater a cinza. E fiquei fumando um cigarro com a luz apagada. Mas as luzes da cidade entravam pela porta de vidro da minúscula sacada e iluminavam o ambiente.
Eu não ouvi os passos. Só reparei que ele estava lá quando o vi. A jaqueta surrada, a calça jeans rasgada, a camiseta de banda e o coturno vestindo o ser de barba e cabelos abundantes e uma garrafa de cerveja, daquelas de 600, na mão. Ele tava encostado na parede, olhando pra mim. Acendeu um cigarro que estava na boca com um isqueiro bic que iluminou seu rosto por uns 3 segundos. Era eu. Bem, pelo menos era muito parecido, só que com a barba e os cabelos com o dobro do tamanho dos meus.
- Quantas mulheres você pegou na balada de fresco que você foi hoje?
- Por que eu acho que você já sabe a resposta dessa pergunta?
- Nenhuma, não é? Sabe o porquê? Porque você não tem culhão. Se você tivesse pegado aquela morena de bunda boa, que tava com aquela blusinha verde cheia de frufru, de jeito, você ia ta comendo ela agora. E eu não ia ter que ficar dando sermão pra marmanjo às 4 da manhã.
Por um lado eu concordava com ele. Eu tinha ficado olhando para essa morena durante um tempo. Pensei mais de uma vez em ir falar com ela. Tinha um sorriso lindo e dançava de um jeito que me deixava louco. E ela olhou pra mim algumas vezes, soltou aquele sorriso maravilhoso pro meu lado.
- Era bem mais gostosa que a aquela vagabundinha que você namora. Um homem num pode se rebaixar do jeito que você faz não. Porra, é só ela fazer biquinho que você fica todo caidinho. Ela te prendeu pela boceta.
Foi quando eu vi um outro cara, também com um cigarro na mão, mas bem vestido, de terno. No entanto, a camisa estava meio aberta e a barba meio que por fazer. Eu o vi assim que ele soltou um “Calma ai”.
- Pelo menos ele tem estabilidade com ela – continuou o novo integrante da discussão, apontando pro cara barbudo com a mão trêmula com que segurava o cigarro – Imagina se o puto tivesse que ficar se preocupando em arranjar mulher todo fim de semana, é só mais estresse. Ele num tem tempo pra essas brincadeirinhas de criança não, porra. Ele tem que colocar dinheiro na conta pra poder comer e beber as porcarias que o babaca ali gosta.
Falou essa frase final apontando pra outra pessoa que estava sentada numa cadeira, cuja presença eu ainda não havia notado. Esse tinha cara de ser pseudo intelectual. Estava meio perdido na discussão, com cara de quem estava pensando em outra coisa. Sem deixar cair a máscara de desinteressado na discussão argumentou de volta:
- Eu ? Não. Eu vivo muito bem com pouca coisa. Algum lugar pra escrever, comida suficiente para não morrer de fome e cigarro em abundância. É só isso que eu peço. É só isso que eu sempre pedi. Foi você, companheiro, que sempre se preocupou com dinheiro.
- Alguém tem que se preocupar com dinheiro, porra. Não se vive de poesia. Esse apartamento, o whisky e tudo o mais só ta aqui por minha causa. Minha causa!
E entre gritos de “cala a boca, seu yuppie nojento”, “seu punk de merda” e “pseudo intelectual do caralho”, eu vi Isabel. Ela surgiu e todos ficaram quietos. E eu queria falar alguma coisa, mas a simples “presença” dela me impedia de abrir a boca. E eu olhei para baixo e me vi totalmente acorrentado. O metaleiro colocou um olhar de revolta resignada na cara, e o pseudo intelectual tirou a mascara de desinteresse e mostrou sua face de desprezo respeitoso. O yuppie engoliu o ego e se sentou. Eu não lembro exatamente do resto. Dormi no sofá mesmo. Acordei no dia seguinte com o sol na cara e dor de cabeça. Foi essa a noite que eu percebi minha situação. Foi esse evento que me fez ver as correntes que me prendiam. Eu passei o dia me lembrando dos meus sonhos de criança. De ouvir Iron Maiden e Metallica. E de depois começar a escrever e me interessar por literatura. E do dia que eu passei no vestibular de economia, pensando que se eu não conseguisse salvar o mundo, pelo menos eu não ia morrer de fome. E da minha mãe feliz e de eu gradualmente desistindo de salvar o mundo. Existe alguma coisa que valha a pena ser salva? Naquele dia não existia. Nada. Completamente nada.

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