sexta-feira, 1 de março de 2013

Cigarros e carros


O silêncio da rua é quebrado repetidamente por carros solitários. O cigarro queima abandonado no cinzeiro. Tranquilo enquanto faz aquilo que foi feito para fazer. Eu o interrompo e atrapalho com as minhas tragadas. Já faz muito tempo que não escrevo sobre cigarros e noites solitárias. Não que eles tenham sumido da minha vida, mas aquilo que eles representam, sim. Mesmo quando essa solidão da madrugada voltou, eu me recusei a escrever novamente sobre esses meus antigos e constantes companheiros. Como se negá-los, pelo menos na minha escrita, fosse fazer o sentimento desaparecer. Mas no fundo, eu gosto disso. Besteira negar. Besteira fugir. Gosto de contar histórias sobre pequenos momentos de solidão. De viver na minha cabeça a vontade que eu tenho de sair andando pelas ruas e de controlar tudo que vai acontecer. Acho que outras pessoas, no meu lugar, simplesmente sairiam. De carro, pelo menos, se forem dessas pessoas que se preocupam muito com a violência da cidade grande. Eu nunca tenho muito comigo para ser roubado. E isso fica claro de longe. Ajuda que sou homem, alto, largo e barbudo. Pareço um alvo menos fácil. Pareço certamente mais selvagem do que sou.

O cigarro acabou, mas os carros continuam passando em intervalos quase regulares. Talvez eles sejam uma metáfora mais correta para a solidão. Mesmo uma solidão como a minha, quase fabricada. Quase idealizada. Do mesmo jeito que eu faço com as minhas paixões e a maior parte dos meus medos e ansiedades. Ser racional e factual com emoções me parece errado. Por exemplo, não existe motivo para timidez. Mas eu sou tímido. Digo que não existe motivo porque a rejeição de uma pessoa que você mal conhece não deveria importar. Mas me importa. O ser racional mais irracional do planeta. Não falo só de mim, falo de todos nós, nos obrigando a justificar sentimentos a partir de corroborações de textos de auto-ajuda e ficção. Nos forçamos a acreditar em histórias com as quais nos identificamos para que possamos sonhar com o final daquela história para nós. Sonhar com aquele amor, aquela felicidade, aquela segurança. Aquilo que talvez exista fora de nós e que parece ser o parafuso que andava faltando.

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