terça-feira, 9 de setembro de 2014
Lugar
Entre asas de avião e pedágios de estrada, fui abandonando lugares. Eles ainda existem na minha memória, em sua maioria, intactos pela passagem do tempo. Entre salas de espera de aeroportos e postos de gasolina pouco movimentados, fui perdendo e abandonando a realidade e me escondendo no imutável mundo da minha mente. Esquecendo para sempre lugares que eu nunca mais vou poder relembrar, lembrando para sempre de lugares que não existem mais. Entre esteiras de bagagem e mijadas de acostamento, deixei de ser dos lugares. Sou só um desconhecido no meu patrimônio histórico.
domingo, 6 de julho de 2014
Fim
Me incomoda que você nunca vai me conhecer inteiro. Daquele jeito que as pessoas mais próximas me conhecem: melhor que eu mesmo. Nunca vai saber dos meus choros desmotivados. Nem daqueles que eu escondo durante filmes. Nunca vai reparar no quanto eu luto contra o sono, mesmo podendo ir dormir. Nunca vai entender como eu escrevo. Ou mesmo aquilo que me faz escrever. Nunca vai se ver só parcialmente num texto meu. Participação especial daquela opinião da semana retrasada. Não. Você faz questão de ser sempre a personagem principal, ou nada. Nunca vai reclamar do jeito repetitivo que eu faço carinho. Nunca vai saber o quanto isso tem a ver com a minha timidez. Você nunca vai entender por que eu bebo. Nunca vai entender minha ânsia de ficar fora mesmo depois de ter reclamado tanto para sair. Nunca vai conhecer o quanto eu consigo ser chato. E nem o mais legal que eu consigo ser. Você nunca vai ver minhas raízes. Nunca vai viver meus bares, minhas praças, meus amigos mais distantes. Você nunca vai me ver tocar. Nunca vai me ver procurando um poema desesperadamente, no meio da noite, só para mim. Nunca vai ouvir um desses poemas saindo da minha boca. Nunca vai passar tanto tempo comigo que no final ir embora é tão bom quanto ter ficado tanto tempo comigo. Você nunca vai ser minha. E por isso, você acaba perdendo o melhor de mim.
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Aceito
Eu aceito um fora seu.
Daqui a vinte anos.
Se quiser, pode chamar de divórcio.
Eu aceito um fora seu quando, depois dele, eu me sinta
confortável em saber que eu tentei tudo que eu podia tentar.
Agora deixa essa calcinha no chão e deita aqui do meu lado.
Aqui no meu peito.
Deixa eu sentir suas pernas nas minhas.
Deixa eu fingir que amanhã eu não vou ter outra preocupação.
Deixa eu fingir que você é tudo em que eu vou precisar
pensar.
Nada dessas coisas feias de trabalho, trânsito, contas e
desculpas.
Deixa eu fingir que eu nunca mais vou precisar ler um linha
enquanto eu tiver você do meu lado que não seja de uma poesia que eu tenha
vontade de ler para você.
Me ajuda a finalmente entender a beleza das coisas do
Neruda.
Deixa eu fingir que eu não vou mais pensar em escuridão,
escrever mortes e que toda a piada que eu fizer vai ser para fazer você rir e
não para vender um desodorante.
Deixa eu fingir que é isso que você quer também, nem que
seja só até o sol nascer e você ter que ir embora.
Eu sei que é me enganar.
Eu sei que seu fora não vai demorar nem 24 horas, como toda
vez.
Eu sei que na segunda, além de não ter você, eu vou estar
preocupado com meus prazos e com contas.
E você vai estar preocupada com as suas coisas também.
E que o mundo vai continuar girando e esmagando sonhos no
caminho.
Meus, seus e de todos que vivem nele.
Mas agora, só agora, tudo que eu quero é fingir como eu
finjo na minha cabeça as histórias que eu escrevo.
Depois, quando você colocar a calcinha, a saia, a blusa e
pegar seu carro para ir para longe de mim, pensa nisso e lembra de voltar.
Para me deixar fingir tudo isso de novo. Pelo menos na minha
cabeça.
sexta-feira, 28 de março de 2014
Parede
Subiu a rua cambaleando. Era comum. Os últimos trocados
compraram a última cerveja. Valia a caminhada de volta para casa. Claro, não
valia de verdade, mas na hora a decisão era fácil. A caminhada ainda era só uma
ideia. Mas a cerveja passava, e a caminhada chegava. Era comum. Subir aquela
rua cambaleando.
Ela tinha entrado no bar com o nariz empinado. O nariz
apontava para onde os olhos queriam estar. Longe dele. O paradoxo é que eles,
os olhos, entraram lá sabendo que encontrariam os dele. Eventualmente.
-Você falou que não queria me machucar.
-Verdade
-Verdade só que falou. Mentira que não queria machucar.
-Errei. Acontece. Mas você ainda duvidou.
-Errei. Mas acontece, né?
O nariz saiu baixo. Não sabia o que queria quando entrou.
Não queria mais ele, ele pensava. Ele não sabia o que dizer, o quer fazer.
Ficou parado e se deixou ficar sozinho. A última cerveja. A última companhia.
Subiu a rua cambaleando. Era comum. Atravessou a rua e
desceu a escada que levava da rua superior ao viaduto. O caminho seguia por
ali. Por baixo.
No fim da escada, uma parede. Nova. Digo, a parede não
estava lá antes. Mas tinha aparência de ter estado lá há muito tempo. Desgastada
pelos anos, era como se ela tivesse se mudado para o caminho dele. Liberado o
caminho de outro e resolvido fechar o dele.
Sem certeza de como prosseguir, sem entender a simplicidade
de voltar, ele se sentou e encarou a parede que se ergueu no seu caminho. Ali
ela estava e ali era ficaria. Imóveis. Ele e a parede. Frente a frente. Até um
deles desistir.
quarta-feira, 5 de março de 2014
Meio Assim
Você me deixa meio bobo.
Do tipo de bobo que fala coisas que ele
claramente não devia.
Que fica criando teorias da conspiração com
tudo que você fala.
Pior, daquele tipo que regressa para a
infância e quando contrariado só responde “mas eu QUERO!”
Toda minha tão adorada racionalidade vai
pro espaço.
Meu único contato é receber um eventual
cartão postal da Lua.
Wish you were here.
Goodbye.
E eu continuo procurando isso.
Essa bobeira que seu sorriso me traz.
Mas em outros dentes.
Porque os seus dentes se enconderam de mim
atrás de lábios sérios.
Expressões preocupadas.
Sobrancelhas concentradas nas minhas
desculpas.
Minhas desculpas por ter ficado bobo
demais.
Falado demais.
Ter visto verdades demais atrás das suas
palavras.
Ter tido vontade demais.
Porque eu quero ficar bobo demais e você só
me quer meio bobo.
domingo, 2 de março de 2014
Certeza
Eu só não quero sentir como se eu nunca
mais fosse ver você toda vez que você passa pela porta.
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
Uma Investigação Sobre Sentimentos - Parte 1
Tem mulher na minha vida que gerou um livro inteiro, mulher
que gerou vários contos, mulher que gerou poema, música postada no facebook e
tem mulher que não virou nem um tweet.
E não é o tempo. Algumas ficaram não mais que uma hora na
minha vida e sumiram deixando uma produção significativa escorrendo pelos meus
dedos. Enquanto outras passaram meses e saíram sem deixar nem um vazio para
trás.
Também não chega a ser a intimidade. Digo, dessas forçadas
que existem por causa de sexo. Alguns beijos me tiraram o chão e alguns sexos
não me inspiraram a sair da cama nem para abrir a porta.
A beleza talvez tenha uma correlação maior. É fácil pensar
que as mais bonitas foram as que mais mexeram comigo. Mas talvez tenham mexido
comigo exatamente porque beleza é subjetivo. Deixa eu explicar melhor, eu achei
elas mais bonitas porque elas mexeram comigo. Se for analisar a opinião dos
outros - uma média do mundo, pessoas com outras opiniões, uma tentativa de
chegar a uma análise de beleza imparcial - talvez essa correlação fosse mais
fraca. Talvez nem existisse. Eu tenho, afinal, um gosto peculiar. Por assim
dizer.
Não queria jogar a resposta para um suposto charme ou uma
química sem equação que a defina. Nada mais preguiçoso que apelar para coisas
que não podem ser explicadas. Não. Tem que existir alguma coisa a mais.
Contexto é uma desculpa que faz sentido, mas falha em entregar uma solução.
Joga toda a responsabilidade para fora de mim. Pode influenciar, como tenho
certeza que já influenciou, mas não leva a nada. É como inspiração. Uma hora,
quando você começa a criar profissionalmente, você tem que admitir que ela pode
até ajudar, mas nunca definir.
Então o que? Personalidade? Alguma coisa no jeito de falar.
Alguma coisa na escolha de palavras e nas ideias. A maneira de expresssar os
pensamentos. Ninguém é terrivelmente original às 2h da manhã com música alta
tocando e gente esbarrando em você. A não ser que você só seja original às 2h
da manhã com música alta tocando e gente esbarrando em você. Mas aí é tipo uma
mutação e eu acho que nunca conheci ninguém assim.
Mas aí, quais são os traços? O que eu consigo identificar de
longe que me dê o impulso de escolher, entre tantas pessoas, aquela cuja
personalidade vai derreter o cubo de gelo da minha fonte literária? E, mais
importante, por que? Mas, bem, uma coisa de cada vez. Não dá para pensar nisso
o dia inteiro.
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