terça-feira, 21 de julho de 2015

Pulp

A janela pisca azul na parte debaixo da tela do computador, indicando uma mensagem e uma remetente. Mesmo antes de lida, aquela mensagem não faz sentido, apenas transporta ele para uma noite três anos antes.

Naquela noite, luzes piscavam no chão, no teto e nas paredes. Rock ecoava na pista de dança acolchoada como a cela de um manicômio. Ele encostava na bancada do dj com um copo de vodka, alguns amigos e muita tontura. Um deles comenta sobre uma garota que dançava perto deles. "Linda, né?", o amigo fala enquanto tenta ser discreto. Pela primeira vez ele olha para ela. Bonita, mas não o suficiente para declarar um "linda" tão empolgado. Tenta ser educado na resposta, mas parece que a falta de empolgação só deixa o amigo mais animado em defender a beleza da desconhecida. Só resta a ele fazer seu trabalho de wingman: o amigo fala com ela, ele fala com o amigo dela. "Escuta, ele sabe que não tem chance nenhuma com minha amiga, né?".

3 anos depois, era o nome dela escrito na janela que piscava azul na parte inferior da tela dele. E isso não fazia o menor sentido. "E aí, Coronel, tudo certo?". O apelido de Coronel já nem era tão comum. A faculdade tinha acabado. Agora, na agência de propaganda, o apelido era outro. Aparentemente, agora ele lembrava muito o ator que interpretou a versão jovem de um ex-presidente.

A mensagem não era tão bizarra quanto uma voz de uma noite solitária do passado soando no meio de uma manhã de sexta-feira. O amigo que não tinha chance nenhuma chegou a namorar a menina que ele achou linda naquela noite. Fora todo o rolo que isso envolveu. Mas, por pouco mais de um ano, a única vez que eles tinham se visto foi em um bar, no qual ele mal a reconheceu. Uma mistura de tempo passado, falta de atenção e mudanças na aparência dela. Naquele momento, ele poderia concordar com o "linda". Mas estava bêbado e pouco preocupado demais com isso na hora.

Ia ter o show do Pulp no dia da mensagem. Por acaso, do lado da agência onde ele trabalhava. Ela convidou ele para ir. Ele se ofereceu para convidar o amigo em comum, ex-namorado dela. Afinal, era uma maneira de dar sentido àquela mensagem. O amigo já namorava uma outra mulher, mas fazia mais sentido do que ela falar com ele do nada. Conseguiu um ingresso com um colega de trabalho, a quem também convidou. Até porque precisava não ser a vela da noite que ele imaginava fosse acontecer. Comprou o ingresso dela. Só o dela, no final o ex-namorado não pode ir.

Já à noite, ele esperava ela com o colega em um boteco perto do local do show. Entre copos americanos cheios de cerveja, fumaça de cigarros e escapamentos se misturavam à palavrões e piadas. Além do colega que ia com ele, mais um estava lá bebendo uma cerveja pós-trabalho. Entra ela, flutuando sobre a calçada irregular de um dos metros quadrados mais caros de São Paulo. Apresentações são feitas já seguidas de despedidas. O colega que não vai ao show olha para ele com um olhar que diz "Ela é muito gata, cara. Foda isso. Na hora que você me falou no almoço que ia pro show com uma amiga eu não imaginei que fosse tão gata. Como que uma mina assim sai com um cara como você." (Eu poderia estar conjecturando, mas ele me explicou o olhar com essas exatas palavras depois.)


No show, ela paga o ingresso para ele com fichas de bebida enquanto explica que tinha terminado recentemente com o namorado que veio depois do amigo dele. E que ele estava lá. O Pulp pergunta "Do you remember the first time?". O ex dela pergunta se eles podem conversar. Aquela conversa que sempre vira briga. Whatever common people do. O ex vai embora. O show continua. Álcool, luzes, dança e reclamações. As luzes se acendem eventualmente. Eles vão embora. O ex ficou com ciúmes e ele achou a ideia do ex dela com ciúmes do amigo do outro ex dela até engraçada. Ela deixa ele em casa e ele espera o elevador enquanto pensa "Como diabos eu não tinha percebido o quanto ela é linda?".

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