-Faz tempo que você não escreve nada.
-Mentira, eu escrevi algumas coisas.
-Faz tempo que você não termina nada.
-Tem ficado ruim.
-Por que?
-Não tô inspirado.
-E por que isso hoje?
-A noite tá com o cheiro certo.
-Só isso?
-Ela não sai da minha cabeça.
-Acha que escrever vai ajudar?
-Não. Nunca ajudou. Não com ela.
-Porque ela é diferente.
-Não. Digo, é. Mas não é por isso.
-Pergunta dupla: como ela é diferente e se não é isso, o que
é?
-Ela... eu respeito ela. Mas eu não sei se eu deveria gostar
dela. Digo, eu gosto, mas não acho que deveria gostar. Entende?
-Tá, espera. Explica isso melhor e aí você responde a
segunda parte.
-Ela não é tudo que eu sempre quis. E mesmo assim eu gosto
dela. E nem é a beleza. Na verdade, nem acho ela a personificação da perfeição
igual eu achava antes.
-Mas chegou a achar?
-Cheguei. Mas não importa.
-Claro que importa. Pode achar de novo.
-Deus, não. Juro que não preciso de mais isso.
-Hahaha. Tá. Entendo.
-É que ela parece que me completa. Por mais que eu já me
sinta completo. Melhor, ela me complementa. Tem as coisas em comum e as coisas
diferentes. E eu gosto das coisas diferentes. Eu fico encantado de ouvir ela
falando das coisas que ela gosta que eu não conheço. Acho que já causei esse
sentimento em pessoas, inclusive.
-Isso já foi dito, verdade. Segunda parte agora.
-Não acho que minha falta de inspiração tenha a ver com isso
porque é justamente o contrário. Novas experiências, novos territórios, sempre
me fizeram mais prolixo.
-Ociosidade te faz prolixo. No bom sentido de prolixo, você
diz, né?
-É, de produzir mais. E não é verdade. Eu escrevo bastante
enquanto estou ocupado. Só não escrevo coisas com ideia. São mais desabafos.
-Bem, uma conversa consigo mesmo não é exatamente uma grande
ideia.
-Eu sei, batido para caralho. Mas pelo menos ficou pronto
fácil.
-Pronto?
-É, acabou.
-Não. Dá para ficar melhor. Acho que é obrigação minha
deixar isso aqui mais interessante do que você desabafando por causa de uma
menina.
-Não sou fã da palavra menina, você sabe. Parece que eu tô
infantilizando a pessoa.
-Mas no caso, não é infantilizar. É uma criança.
-Já é maior de idade tem anos.
-Opa, 2.
-Pouco mais.
-E você já terminou a faculdade há mais tempo que isso.
-Quem se importa?
-Eu. Se afasta.
-Para que?
-Porque já deu. Porque é patético um cara com a sua idade
sofrendo por uma menina dessas. Dá uns 5 anos e procura ela de novo. Aí a idade
vai tá massa.
-Sei lá onde eu vou estar em 5 anos.
-No mesmo lugar. Você é muito acomodado para estar em outro
lugar.
-Tá, mas não fala isso.
-E muito medroso para fazer o que acabou de passar pela sua
cabeça.
-Não é porque você sou eu que pode ler meus pensamentos
assim.
-É fora das regras do jogo, mas você não quer falar isso.
Melhor assim.
-Não faria. Just a thought.
-Tudo começa com um pensamento. Todas as coisas começam na
mente.
-The possession of anything begins in the mind.
-Controla sua mente. Para de brigar. Você tem que operar em
uníssono.
-Isso significa que isso vai virar um monólogo. Quem vai
embora?
-Você. Que tem medo de ir embora.
-Como? Isso não faz sentido.
-Você é fraco. Você é patético. Eu tenho que existir
sozinho.
-Mas, e se fosse uma combinação de nós dois?
-Viu, é isso que eu tô falando. Fraqueza. Medo. Compaixão.
-Eu não vejo isso como fraquezas. Fora o medo, quando é
muito forte. Mas faz parte.
-Eu sei. Isso que é pior. Você tem medo até de não ter medo.
-Eu tenho noção das consequências de não ter medo. Medo é
uma ferramenta.
-Medo é uma fraqueza. Um martelo é uma ferramenta.
-...
-Você tem medo até de quem vai ler isso aqui. Para que
escrever, então?
-Porque talvez ajude.
-Você mesmo disse que não vai ajudar.
-Eu sei, mas talvez ajude. E talvez ela leia...
-E aí o que? Não, porque você parece uma pessoa super normal
aqui, viu?
-Todo mundo conversa consigo mesmo.
-E você sabe disso como?
-É assim que as pessoas pensam, não? Eu acho que é assim que
as pessoas pensam.
-Você não sabe nem se todo mundo de fato pensa.
-Claro que todo mundo pensa. Talvez nem todo mundo tenha
esse tipo de conflito, mas todo mundo pensa.
-E todo mundo tem medo, e por isso é tudo bem você ter também.
-Sim e não.
-Você sabe que pensa que só sim. Você diz o não por medo de
admitir.
-É.
-E enquanto você tiver medo de perder ela, ela nunca vai ser
sua.
-Eu sei.
-Então cala a boca e deixa eu cuidar disso. Agora sim, ainda
tá chato. Mas tá pronto.
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