domingo, 21 de abril de 2013

O último capítulo sempre é o mais difícil


O lugar chamava Beco. Beco 203. Originalmente porque o lugar ficava em Porto Alegre. Acho que em um beco. No número 203. Em São Paulo era o número 609. 203 vezes 3. Fazia sentido estar lá. Como, de uma maneira engraçada, tudo do Rio Grande do Sul sempre fez sentido para mim. Desde o colegial com as bandas de rock independente e a atitude rock n´ roll.
Ok, talvez eu que não tenha crescido. Mas o que importa é que eu estava lá. Vulnerável. Talvez mais vulnerável que nunca. Não foi culpa dela, ela não sabia. Mas ela era tudo que minha vulnerabilidade pedia. Um padrão. Uma desculpa. Ela era o metro original. Tipo a distância do dedão até o nariz do rei que criou o metro. Tudo que eu esperava de alguém. Ela era tudo que eu esperava que alguém fosse.
Naturalmente isso não apareceu à primeira vista. Me nego a acreditar em amor a primeira vista. Uma babaquice sem tamanho. Mesmo para um cara imaginativo como eu. Um cara que se apaixona pela ideia. Um cara que se apaixona pelo potencial mais que pelo fato. Porque o fato sempre está além do que você pode conseguir em pouco tempo. O fato está no relacionamento. Na vivência. E ainda assim, eu me conheço bem o suficiente para saber que até a minha vivência muda depois de um tempo. Então porque a de qualquer outra pessoa não mudaria? Ainda assim, é gostoso se enganar.
Ela estava com pessoas. Amigas e amigos. Bem, eu descobri que eram só amigos depois, mas a percepção na primeira hora sempre é pessimista. Eu não vou falar com ela. Se eu perder a chance, não era para ser. Destino. Sorte. A gente tem que se segurar em alguma coisa.
Eu também estava com alguns amigos. Um deles não era exatamente o melhor wingman de todos os tempos. O exato oposto, inclusive. Ir com ele até lá me garantiria uma rejeição por contexto. Explico: uma rejeição por contexto é quando as amigas levam a mulher embora. Você não tomou um fora dela. Você tomou um fora do ambiente. Pode até ser um pedido de socorro dela. O que não conta. E normalmente é identificável. Nem que seja no olhar de desespero da mulher.
A noite continuou. Ela deu o telefone para alguém. Estava sozinha. “Oi”. A conversa seguiu natural. Confortável. Tão confortável que eu falei muito mais do que devia. Segredos que eu não conto fácil. Segredos que alguns dos meus melhores amigos não sabem. Coisas que não estão nem nesse livro. Intimidades reservadas a situações especiais. Vergonhosas e libertadoras.
“Esse é meu telefone mesmo, pode ligar para ver.” Não era necessário. A manhã tinha chegado e com ela o fim do meu tempo com a Daniela. “Sabe? Eu terminei com o meu namorado faz pouco tempo.” Eu também, ela ficou sabendo. Mas meu relacionamento terminou melhor terminado. Espero que isso faça sentido.
Depois disso as conversas reforçaram minhas percepções. Inteligente, legal. Eu poderia passar o dia fazendo elogios, mas não ia levar a nada. Não levaram a nada. Mentira, nós fomos para o mesmo lugar uma vez. Não chegou a ser um encontro. Ela foi com amigas. Eu arrastei um amigo. Mal falei com ela. Duas frases. Parecia que ela fugia de mim. Quase que com medo. Para um cara tímido como eu, isso garantiu uma dor de consciência sem tamanho. Que resultou em uma mensagem pelo facebook. Uma mensagem que seria agressiva não fosse minha incapacidade de esquecer a existência dela. Talvez fosse melhor assim.
Os meses passaram. A existência dela me incomodava. Não no mal sentido. No melhor sentido possível. Era bom sentir aquele incômodo. Sentir a vida, as possibilidades. Parece pouco. Mas me fez sentir como se eu estivesse anestesiado fazia anos. Vacinado contra impulsividades. Isso tinha um valor incalculável. Era quase novo. Mesmo depois de tudo isso. De todas elas.
Mas, se até casamentos esfriam, uma relação quase sem nenhum contato não tinha a menor esperança. Era como se eu estivesse na China. Melhor, como se ela estivesse na China. Eu continuava em São Paulo. O que importa é que na mesma cidade que eu haviam várias mulheres. Mais do que nunca. Elas me mantiveram ocupado. São. Mas por mais que meu interesse secundário sempre mudasse, pulasse de uma mulher para outra, ela era meu metro original. Todas eram medidas em relação a ela. Daniela.
Fica fácil ver porque nenhuma chegava onde a Daniela tinha chegado. A Daniela era uma ideia, mais que uma mulher. E ideias são perfeitas. Não tem como competir. Isso me ajudou muito. A promessa de que ela de fato ia atravessar o Atlântico para estudar, ainda mais. “Eu namoraria essa mulher. Mas ela vai embora. Melhor assim.”
Ela não foi. Mas continuou sendo apenas uma ideia. Não havia nada que eu pudesse fazer. O sentimento de impotência tão familiar. Sempre tão difícil de lidar. De qualquer maneira, ela não foi ainda. Continua aqui, mas é como se estivesse lá. Longe de mim muito mais do que os 5 ou 10 quilômetros que de fato nos separam durante nossas conversas.
Só me sobram cigarros e cervejas. Álcool e boemia. A tentativa de encontrar outra personificação das minhas ideias. Dos meus desejos. A busca eterna por aquilo que vai me transformar por fim em um homem sério. Mesmo sabendo que essa busca deveria ser dentro de mim. Não dentro de lugares artificialmente esfumaçados. Com músicas escolhidas a dedo para manter uma animação artificial. Onde todos fingem que só querem ser eles mesmos. Mas na falta de opções melhores, quem sabe? Quem sabe?

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