domingo, 12 de outubro de 2008

Isabel 2

Isabel Cia. Ltda.


Isabel tinha longas pernas e belos seios, e desculpem as intertextualidades que se seguem, revestidos de uma pele branca como a neve, gentilmente tocada por um cabelo negro como a noite que cai. Olhos escuros e profundos. Mas era uma mulher real, embora antes eu realmente me negasse a ver isso. Tinha celulite e estrias, senhores e senhoras, e alguns “pneuzinhos” que sobravam para fora de calças mais apertadas. O que não significa que fosse gorda, era até bem magra. E cagava. E usava trinta mil produtos químicos no cabelo e cremes para a pele e tinha que se depilar aqui e ali e tirava as sobrancelhas e tinha mau hálito pela manhã e suava em dias de calor e teve que usar aparelhos quando mais nova e tinha espinhas quando ficava nervosa, apesar das pobres espinhas rapidamente serem eliminadas por mais produtos químicos, e usava quilos de maquiagem para cobrir as espinhas mais resistentes e fazia a unha duas vezes por semana, e usava lápis de contorno labial e ia a academia todos os dias e tomava três banhos, um de manhã, um no horário de almoço e um antes de dormir, e usava perfume sempre e contava freneticamente as calorias de tudo que comia. E tinha tempo de ser competente no trabalho, era gerente de marketing da filial de São Paulo de uma empresa mais ou menos grande, que se preparava para abrir o capital e expandir seus negócios para outros países do mercosul. Ela respondia diretamente para o diretor de marketing, um tal de Bruno. Alto, com um rosto angular e fino. Lábios finos e secos numa boca mais ou menos grande. Cabelos ondulados constantemente penteados para trás com gel. Uma leve barriga de chopp, que ele tenta desesperadamente fazer sumir com aulas de abdominal e horas de esteira. Mas era um cara até gente boa, apesar de bobo. A Isabel não gostava dele, mas fingia que gostava. E ele era apaixonado por ela, dava para ver nos olhos dele. Mas era tímido, o pobre coitado. Ele tentava se mostrar comunicativo e, eu lembro, de uma vez que nós fomos juntos a uma festa. Eu, a Isabel e o pessoal do escritório dela. Ele se virava bem com as garotas, fazia bem o “cerco”, mas não era muito bom na hora, coloquemos assim, de finalizar o projeto. E eu sentia que com ela o problema era ainda maior.
Isabel também era amiga da Flávia, uma mulher cuja idade mental rondava os quinze anos. Não que ela fosse burra, de maneira nenhuma, ela só era infantil no trato com as pessoas. Flávia tinha uma fortíssima vocação para psicóloga. Era o ombro no qual todas as suas amigas iam chorar. E talvez por ser pouco dotada de beleza física, ela não tinha uma vida sócio-sexual muito ativa, problema que ela resolveu vivendo a vida de suas amigas na sua imaginação. Mas no fundo era uma pessoa linda, quase a Isabel “virada do avesso”. Um grande coração. Infelizmente uma grande barriga, proporcional a suas grandes pernas e bochechas e braços e tudo o mais. A Flávia tinha se tornado minha amiga também, mas com algumas restrições. Por exemplo, teve um dia que nós estávamos no bar, só eu e ela, bebendo cerveja. Era um bar pequeno. A palavra boteco se encaixaria melhor do que bar, no caso. Conversávamos sobre o mundo, as guerras, as mortes, a fome, o capitalismo, o socialismo e coisas do gênero. Criávamos teorias e respostas de mesa de bar, aquelas que fazem rir. E rir das possíveis soluções para os problemas do mundo é minha definição de humor negro. Não era o assunto, nem o tipo de humor, preferido da Flávia então com o tempo ela foi parando de rir e ficando mais quieta. Eu desisti do assunto, mas não sabia muito bem sobre o que falar. Não me sentia num dia bom pra fofocas e coisas do gênero, e esses sim eram os assuntos preferidos dela. Fofocas moderadas, que fique bem claro, ela era uma moça confiável em relação aos segredos que contavam pra ela. Eu ainda estava com a Isabel, mas eu já estava tomando consciência do buraco em que eu estava metido e começara a ficar desesperado com a situação, mas o problema ainda não havia chegado ao pico. Ela virou pra mim e perguntou “E como vai você e a Bel?” voltando a esboçar um sorriso no rosto. Eu fui sincero e expliquei pra ela que a Isabel me prendia dentro da minha própria cabeça e que eu estava começando a me preocupar com os efeitos disso em mim e que por isso nós não estávamos muito bem pelo meu lado das coisas e por ai eu fui. E nessa hora ela deu um sorriso solidário e me olhou com um olhar empático e compreensível e disse “Eu te entendo”. E eu odeio isso, e eu odiei ela naquele segundo e por alguns minutos. Não, você não sabe como eu me sinto. Só eu sei como eu me sinto e mais ninguém. Ela nunca tinha passado por nada parecido. Mas o resto nela compensa. Pelo menos como amiga, eu acho. É, só como amiga.

Um comentário:

Eterna Transitória disse...

Adoro amigas como a Flávia.
=)

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