Então eu fui viajar e passei um tempo impossibilitado de postar. E depois toda a vez que eu pensava em postar eu queria postar textos que estavam no computador que eu não estava usando. A preguiça era maior e eu acabei sem postar. Agora eu estou me sentindo culpado de ter largado completamente o blog durante tanto tempo e coloquei um texto que merecia, sinceramente, uma revisão. Um dia eu falto, ele fica aqui pela idéia. Segue o texto e fica a promessa de mais regularidade nos posts.
e o que mais?
Eu sofro cronicamente de falta de assunto. O problema básico é acreditar que poucos assuntos são relevantes. E isso é extremamente problemático para mim por dois motivos. O primeiro é essa necessidade estúpida que eu tenho de escrever. Digo estúpida pelo claro paradoxo que se dá entre essas duas características minhas. Eu preciso escrever, mas eu não tenho absolutamente nada que eu acredite relevante para escrever sobre. E esse paradoxo gera momentos como esse, um idiota explicando porque as linhas anteriores do seu texto são tão irrelevantes e mesmo assim foram escritas. Foram portanto, escritas simplesmente para serem explicadas. E o segundo, e menos paradoxal, problema é que eu adoro o som da minha própria voz. Tratemos disso, que me pareceria tão inútil quanto, mas menos desinteresssante e metalingüístico que o meu primeiro problema, não fosse a epopéia que esse meu amor me levou a viver.
Pensando agora sobre isso me lembrei da primeira vez que eu ouvi minha voz sendo reproduzida por algo que não fosse minha boca, ou pelo menos uma das primeiras vezes, já que a lembrança dos meus primeiros anos não me é tão clara quanto para algumas pessoas que afirmam se lembrar claramente de sua festa de aniversário de três anos. Minha mãe adorava filmar, hábito que passou por forte decadência com o fim do vhs e o começo do dvd apenas para ser retomado com o século vinte e um e a mídia digital e o you tube e assim por diante. Esse hábito de minha progenitora gerou diversos vídeos, hoje completamente perdidos junto com o vhs e o interesse geral por eles, de festinhas e churrascos e confraternizações e jantares e natais e páscoas e todas essas possíveis desculpas para se fazer um vídeo. Eu me lembro de me ver falando pela TV que reproduzia o vhs gravado pela minha mãe de algum aniversário meu qualquer. Absolutamente nenhum efeito estranho. Para mim, tava tudo lindo e tudo bem. O choque veio mesmo depois de um tempo quando eu ganhei um gravadorzinho colorido da gradiente, salvo engano. Gravei minha voz. E depois cometi o pecado de escuta-la. O motivo de tal discrepância de realidade, a qual todos já devem estar acostumados, só foi resolvido na minha simplória mente muitos anos mais tarde por um professor de ciências que explicou que o som é formado de ondas – claro, professor, eu nado nas ondas do som todo dia com pink floyd – que não carregam matéria, mas que carregam energia, e que no entanto precisam de um meio material para se propagar – esse comentário do meio material foi a única coisa indispensável que eu escrevi até agora – normalmente no dia-a-dia esse meio sendo o ar. No entanto, a onda não é pré-conceituosa e se propaga em qualquer meio que aparece pela frente, mas se propaga de maneira diferente em cada meio que utiliza, sendo assim – finalmente – o som que eu ouço da minha própria voz não é o som que as pessoas ouvem da minha voz, mas sim uma mistura desse som com o som que eu ouço desse som se propagando pelos meus ossos da cabeça. E depois de um período de alta repetição da palavra som, eu posso agora concluir. Minha voz, na minha cabeça, é linda. Eu sinceramente me ouço como se eu fosse a merda do supra sumo da melodia. Suave, grave e marcante. Eu sou apaixonado pela voz que eu ouço na minha cabeça. Principalmente depois de passado o período cruel da vida de todo adolescente em que sua voz varia do agudo “mocinha cú doce” pro grave “viado eu? Nunca”. Depois disso minha voz conseguiu atingir o tom perfeito. Na minha cabeça, vale sempre a pena repetir. No entanto, pesquisas e a minha própria impressão, mostram que minha voz é mediana apenas. No máximo. Agora, imagine que eu tenho vontade de falar. Mas não tenho sobre o que falar e minhas tentativas de cantar nunca fizeram sucesso. Inclusive durante um tempo eu falava tão pouco que eu tinha dificuldade em pronunciar as palavras. Por deus, eu escrevia mais rápido do que falava. Porque sempre tem alguem que te faz escrever sobre alguma coisa, mesmo que você não esteja muito afim. Mas pouca gente quer realmente que você fale alguma coisa fora um mero “uhun” que não exige articulação bocal e nem me sacia a ânsia pela minha voz.
Sendo assim, passei alguns anos da minha vida tentando encontrar uma maneira de ouvir sempre a minha voz da maneira como eu a ouvia sem precisar ficar constantemente a procura de assunto. A primeira tentativa óbvia foi pegar um desses programas de emulação de voz, desses que menininhas bonitinhas e gostosas se utilizam para virar grandes cantoras pop mesmo sem conseguir falar sem desafinar no tom que elas cantam. O resultado não foi tão negativo, mas mesmo depois de dois anos estudando aqueles programas e fazendo diversas tentativas fracassadas eu não consegui chegar na minha voz exata. E depois disso eu desisti por algum tempo. Resolvi que ia seguir com a minha vida sem assunto, mesmo sem a beleza da minha própria voz. Mas assim como Narciso não conseguia viver sem olhar seu reflexo no espelho d'água, eu sentia falta da minha própria voz. Pensei até em ir a um psicólogo depois de um tempo, tamanha falta que minha voz estava fazendo em minha vida. Acreditei que estaria matando dois coelhos com um cajadada só, já que poderia passar pelo menos uma hora por semana explicando para alguem o motivo da minha tristeza e assim, já estaria diminuindo a mesma, com o som da minha própria voz. Algumas sessões depois tudo que eu consegui foi passar uma hora por semana olhando para o teto e ouvindo o psicólogo em vão tentar me fazer falar mais do que monossilabas com aquela voz irritante que ele tinha.
Tentei em vão achar uma voz tão boa quanto a minha. Ouvi todos os grandes cantores: Frank Sinatra, Pavarotti, Freddy Mercury. Nada. Participei de saraus de poesia, onde eu poderia ler poetas que eu gostava ao som da minha própria voz sem ferir os ouvidos de ninguém com as minhas desafinadas freqüentes de quando eu tentava cantar, mas eu não consegui achar nem um poema que valesse a pena ser lido frente a mais nenhuma outra pessoa fora eu mesmo no espelho. E simplesmente ler um poema pra si mesmo em voz alta já gerava algum descontentamento no meu prédio, de paredes finas e vizinhos chatos, que só não se incomodavam com as tv's ligadas porque eram ligadas sempre no mesmo canal, gerando um uníssono bizarro pelo pequeno prédio de três andares em que eu morava.
Tentei ir em karaokês, mas descobri que a minha voz saindo do alto falante era mais alta do que a minha voz na minha cabeça. Tentei fazer yoga e meditação, para que eu pudesse ouvir pelo menos um mantra entoado pela minha voz, mas além de não ser suficiente, eu não tinha a elasticidade necessária para mais da metade da aula e então comecei a ficar com vergonha de ir. Cheguei até a fazer aulas de teatro, mas os exercícios de confiança me deixavam muito desconfiado.
Já descrente de que um dia eu pudesse ouvir minha voz constantemente sem precisar de assunto, eu tive a idéia mágica. Seria OPERADOR DE TELEMARKETING. Horas e horas falando com uma pessoa que realmente não quer te ouvir. Perfeito. No entanto o trabalho era tão ruim que eu fui forçado a sair em menos de seis meses. Quase a mesma coisa aconteceu quando eu pensei em fazer pesquisa pessoalmente na rua, a diferença é que eu me sentia muito mal em abordar as pessoas cara a cara com uma coisa tão irrelevante que eu acabava não falando com quase ninguém. Pensei também em ir dar aula de história num cursinho pré-vestibular. Depois de um ano eu fui demitido porque todos os alunos tinham ido mal no vestibular em si. Aparentemente eu não dei a matéria que caia na prova, apesar de eu achar que eu só não havia dado o completamente irrelevante. Depois de ler a prova eu percebi que a irrelevância das questões era muito maior do que eu tinha previsto e resolvi nem tentar novamente. Mas aquele foi um bom ano.
Um comentário:
porra.
li seu texto e vi que sinto falta da minha caligrafia. malditos tempos modernos.
belo texto douglao.
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