segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Gabriel
O bar era bonito. Bastante diferente dos lugares que eles freqüentavam quando era mais novos. E era isso que Gabriel pensava enquanto esperava sentado sozinho bebendo uma dose de whisky 12 anos, também bastante diferente daquilo que eles bebiam quando iam de bar em bar durante toda a noite, sempre entediados e sempre achando tudo caro e ruim. E de fato, tudo era caro e ruim. Algumas coisas eram muito caras e boas, mas eles não podiam se dar ao luxo das coisas muito caras. Ele estava cansado. O trabalho estava longe de ser aquilo que ele queria que fosse. Tedioso e cansativo. Ele saia todo dia com a cabeça quase explodindo. Mas pagava as contas. E era isso que importava. Havia desistido do sonho de ser ator já a quase 10 anos, quando estava na metade da faculdade de artes cênicas. E não se arrependia de verdade. Alguns sonhos são simplesmente burros. Ele sonhava com o glamour, mas não gostava tanto assim de atuar. Foi fazer engenharia, mesmo odiando matemática. Ele era a exceção da regra que diz que somos melhores naquilo que gostamos. Quanto maior o ódio que ele tinha de matemática, física, química, mais ele fechava as provas e conseguia resolver equações que ninguém mais conseguia. Foi nessa época que ele conheceu o homem que virá encontra-lo hoje. Ele fazia administração e eles se conheceram no bar que ficava perto da faculdade. Perderam contato alguns anos depois que se formaram e, semana passada, Gabriel recebeu um telefonema. Poucas palavras depois e o encontro foi marcado. E apesar de que racionalmente a idéia de ver um velho amigo agradava Gabriel, ele estava se esforçando pra se sentir bem. Seu amigo chega depois de um tempo. Eles se abraçam e conversam sobre trivialidades por um tempo. O amigo havia casado com a namorada dos tempos de faculdade, de quem Gabriel se lembrava bastante bem, e se separara pouco mais de um ano depois. Comentou sobre como ele havia a pouco tempo retomado o sentimento de um beijo como deveria ser. Como se o tempo de relacionamento estável tivesse suprimido um lado essencial dele, e que depois de um tempo, quando o relacionamento já não pesava sobre seus ombros, esse lado voltou a se pronunciar, como se uma glândula tivesse voltado a produzir hormônios há muito esquecidos pelo corpo dele. Gabriel, naturalmente, achou aquilo tudo exagerado. Entendia que a percepção de mundo era subjetiva demais para que fosse julgada de maneira tão leviana como ele acabara de fazer internamente, mas existe um limite pra tudo. Seu amigo conseguiu captar seu olhar de desconfiança e exemplificou o sentimento de uma maneira com a qual Gabriel pudesse se identificar, já que ele nunca havia passado por nenhum relacionamento sólido de longo prazo. Ele usou o trabalho de Gabriel como exemplo de fardo insuportável. E Gabriel fingiu concordar. Fingiu somente, sem concordar de fato, já que não achava seu trabalho insuportável. Ele o suportava, afinal. Perdido nesses pensamentos ele acabou perdendo boa parte da argumentação de seu amigo, percebendo que não lembrava de quase nada que havia sido dito durante um bom tempo, mas que ao menos havia conseguido manter um olhar aparentemente concentrado e interessado, essencial para o convívio social, como ele já havia aprendido. Por mais um bom tempo eles conversaram, sem grandes revelações ou mesmo tópicos que seriam lembrados por mais de algumas horas. Alguns, nem isso. Passariam desapercebidos até mesmo para aqueles que o discutiram. Palavras lançadas como esperma de masturbação. O amigo de Gabriel por fim se levanta e vai embora, deixando a conta para ele, que havia se oferecido pra pagar a conta quando o amigo falou pela primeira vez que já havia dado sua hora. Gabriel se levantou meia hora depois de seu amigo partir, não sem antes olhar o bar em que estava novamente. Realmente era bonito. Andou até a porta do lugar e respirando o ar frio da noite sentiu um cheiro que há muito tempo não sentia. O cheiro aberto e floral de possibilidades. E foi embora pra casa se mantendo coerente com quem ele tem sido nos últimos anos.
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