sábado, 18 de julho de 2009
Ulisses
Eu não venho de uma família importante. Na verdade, acho que ninguém da minha família nas últimas gerações saiu do anonimato. Nenhum herói. Pelo menos não no sentido de se tornar conhecido pelos seus atos, ou de mudar o pensamento das pessoas. Eu, obviamente, sempre tive meus heróis. Aquelas pessoas que eu admirava e tomava como padrão de comportamento. E eles foram aos poucos morrendo e perdendo lugar na minha cabeça. Hoje, eu não os tenho. Pelo menos não daqueles que você quer copiar. Eu tenho pessoas que eu admiro, mas me falta um herói de verdade. Inabalável. Inteligente. Uma pessoa que possa ser admirada. Alguém que eu acredite que faria as escolhas certas se estivesse no meu lugar. Porque eu preciso acreditar que alguem faria. Porque eu tenho certeza que eu não as faço. Nem vou conseguir fazer. Eu não quero assumir responsabilidade pelos meus atos. Eu quero ser o centro do mundo. E eu não posso fazer isso me sentindo culpado pelo fato de que se eu não fizer a coisa certa, ninguém vai fazer. Eu odeio essa culpa. Eu quero ser expiado dessa culpa. E aonde está meu herói? Jogado em algum emprego ruim? Ignorado porque o seu trabalho não condizia com o que era padrão e ele não quis se vender? Meu herói nunca vai aparecer. E de que me importa um herói anônimo? Como eu vou expiar minha culpa pelas ações de alguém que eu não conheço? Que se fodam os heróis anônimos desse mundo. Esses inúteis que encaram a realidade sem as armas pra isso. Só me sobram atos heróicos de pessoas comum. E esses só me afundam mais na minha culpa. Mundo de merda. Piada sem graça.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Tamires
Colaboração externa, no caso, da Amanda, minha namorada.
Tamires
Ela acaba de puxar a meia 7/8 (sete oitavos) devagar, mas sem cuidado ou atenção. Acostumou-se a sentir o elástico apertando a perna, dividindo um pouco a carne. Passou de novo o batom escuro - os lábios haviam perdido a cor para o copo - e logo puxou um e outro olho, esticando para contorná-los. Envolveu-se em preto, apertou as amarras que lhe destacavam a cintura, e subiu em seus sapatos de verniz. Como de costume.
Foi com sua expressão cliché blasé, que tanto se esforçara para representar e hoje surgia naturalmente (não pelo treino, mas involuntariamente). Estava ficando velha para aquilo. A perspectiva de dançar todo dia na balada e ainda ganhar dinheiro por isso deixou de ser seu mundo ideal havia algum tempo.
Subiu no balcão e começou a dançar como fazia há 8 anos, talvez com menos paixão, mas com uma sensualidade reproduzida no ritmo com precisão. Não se lembra de quando deixou de se sentir em um desenho dos anos 30, daqueles em tons sépia que têm alguns quadros faltando e rodam dando "pulinhos", onde as pessoas têm grandes cílios e belas pernas. O filme ficou devagar, saiu do rolo e a tela ficou branca. Foi-se o glamour, o "wanna be", a ânsia de ser aquela personagem, e ficou a dependência dos olhos vidrados de tesão,o admiração e álcool. Vício em um mar convulsivo de indivíduos quase inertes que olhavam para cima e viam nela uma deusa. De sentir olhos percorrendo a linha branca de seu calcanhar até o fim da coxa. Fechou o casaco e saiu pela porta dos fundos. So restavam lá dentro os que não tiveram consciência das luzes acesas e as vassouras dançantes.
Andou sozinha em paralelepípedos pretos e úmidos, apertando os braços. Chegou em seu apartamento e deitou-se no sofá. Acendeu um cigarro. Estava com ressaca de tantos cigarros que fumou sem encostar. Continuou com ele aceso. Abriu o casaco, e virou os quadris lentamente para um lado e depois para o outro, olhando seu corpo serpentear. Assim queria ser vista. Ou não. Fechou o casaco com um movimento brusco. Levantou-se e foi pegar uma bebida ambarada na cozinha. Encostou, pé na parede, olhar atravessando o chão, uma mão na cintura servindo de apoio ao cotovelo, a unha do dedão presa entre dentes e o cigarro ao lado dos olhos distantes. Foda-se como me vêem... bostas. Dizem estar sujeitos ao que o corpo manda, sem voz, sem voto, sem consciência. "é necessidade..." "eu não queria...". Áh, vá. Vão todos pra grande puta gorda que pariu, nunca serviram de nada e nem vão servir.
O que largou ela com fitinhas no cabelo e promessas de arco-íris, o que fez ela acreditar que era diferente, o que fez ela sentir a primeira dor fora do peito, o que 'não queria' ter magoado ela, o que a pôs em um pedestal e se deleitou com as plebéias, o que lhe deu o primeiro tabefe/murro, o que lhe deu o último, o que sumiu do mapa, o que se apaixonou pela melhor amiga, o que se esqueceu dela por duas mais novas, o que lhe roubou por um pico, os que lhe deram rugas, cicatrizes, marcas, pesos, e esse olhar cansado.
'Fodam-se todos eles. Não foi falta de amostragem, homem é estatisticamente um bixo fraco de merda. O que importa é o fim, não o começo. Claro que cada um é diferente de início. Inteligente, adorável, irresistível, quente, boêmio, poeta, músico, estiloso, cheiroso, bom filho, bom irmão, bom amante e quem sabe bom marido, cada um com seus predicados, que vão dar na mesma merda. Rimel espalhado pelo rosto e remédio pra dormir.'
Colocou o copo vazio na pia saia da cozinha quando o telefone tocou.
Tá. to precisando de você. (Esse aí também não presta. Mas esse fardo não é meu)
Fala Fábio...
Contou a ela de alguma merda que tinha feito com alguma dondoca que namorava. De novo.
'Ele se liga numa coroa... Édipo mal resolvido. Ou complexo de bon vivant. Preguiça de pegar no batente, falta de figura paterna. Taí uma coisa para a qual os homens podem prestar: evitar que existam mais merdinhas no mundo, dando um exemplo decente (mesmo que falso). Eu sou mais a minha mãe. Deus me livre ser como ela... Mas tenho que dar o crédito. Ninguem levantou um puto dedo pra ajudar ela. Nem eu. E ela fez tudo sozinha. Nunca precisou de ninguém. Homem que aparecia era só atraso de vida, por isso não se envolveu com nenhum. Minha mãe é a virgem maria. No fim meu irmão cresceu estragado... mas é a vida.'
Ele se despediu, e ela acordou de seu devaneio psicanalítico de programa de bafão. Foi tomar banho, limpou a alma, deitou de roupão para ver alguma coisa leve na TV, mas não tirou o preto dos olhos. Pra ficar bem claro quem ela tinha se tornado, e não esquecer que não dava pra voltar.
Tamires
Ela acaba de puxar a meia 7/8 (sete oitavos) devagar, mas sem cuidado ou atenção. Acostumou-se a sentir o elástico apertando a perna, dividindo um pouco a carne. Passou de novo o batom escuro - os lábios haviam perdido a cor para o copo - e logo puxou um e outro olho, esticando para contorná-los. Envolveu-se em preto, apertou as amarras que lhe destacavam a cintura, e subiu em seus sapatos de verniz. Como de costume.
Foi com sua expressão cliché blasé, que tanto se esforçara para representar e hoje surgia naturalmente (não pelo treino, mas involuntariamente). Estava ficando velha para aquilo. A perspectiva de dançar todo dia na balada e ainda ganhar dinheiro por isso deixou de ser seu mundo ideal havia algum tempo.
Subiu no balcão e começou a dançar como fazia há 8 anos, talvez com menos paixão, mas com uma sensualidade reproduzida no ritmo com precisão. Não se lembra de quando deixou de se sentir em um desenho dos anos 30, daqueles em tons sépia que têm alguns quadros faltando e rodam dando "pulinhos", onde as pessoas têm grandes cílios e belas pernas. O filme ficou devagar, saiu do rolo e a tela ficou branca. Foi-se o glamour, o "wanna be", a ânsia de ser aquela personagem, e ficou a dependência dos olhos vidrados de tesão,o admiração e álcool. Vício em um mar convulsivo de indivíduos quase inertes que olhavam para cima e viam nela uma deusa. De sentir olhos percorrendo a linha branca de seu calcanhar até o fim da coxa. Fechou o casaco e saiu pela porta dos fundos. So restavam lá dentro os que não tiveram consciência das luzes acesas e as vassouras dançantes.
Andou sozinha em paralelepípedos pretos e úmidos, apertando os braços. Chegou em seu apartamento e deitou-se no sofá. Acendeu um cigarro. Estava com ressaca de tantos cigarros que fumou sem encostar. Continuou com ele aceso. Abriu o casaco, e virou os quadris lentamente para um lado e depois para o outro, olhando seu corpo serpentear. Assim queria ser vista. Ou não. Fechou o casaco com um movimento brusco. Levantou-se e foi pegar uma bebida ambarada na cozinha. Encostou, pé na parede, olhar atravessando o chão, uma mão na cintura servindo de apoio ao cotovelo, a unha do dedão presa entre dentes e o cigarro ao lado dos olhos distantes. Foda-se como me vêem... bostas. Dizem estar sujeitos ao que o corpo manda, sem voz, sem voto, sem consciência. "é necessidade..." "eu não queria...". Áh, vá. Vão todos pra grande puta gorda que pariu, nunca serviram de nada e nem vão servir.
O que largou ela com fitinhas no cabelo e promessas de arco-íris, o que fez ela acreditar que era diferente, o que fez ela sentir a primeira dor fora do peito, o que 'não queria' ter magoado ela, o que a pôs em um pedestal e se deleitou com as plebéias, o que lhe deu o primeiro tabefe/murro, o que lhe deu o último, o que sumiu do mapa, o que se apaixonou pela melhor amiga, o que se esqueceu dela por duas mais novas, o que lhe roubou por um pico, os que lhe deram rugas, cicatrizes, marcas, pesos, e esse olhar cansado.
'Fodam-se todos eles. Não foi falta de amostragem, homem é estatisticamente um bixo fraco de merda. O que importa é o fim, não o começo. Claro que cada um é diferente de início. Inteligente, adorável, irresistível, quente, boêmio, poeta, músico, estiloso, cheiroso, bom filho, bom irmão, bom amante e quem sabe bom marido, cada um com seus predicados, que vão dar na mesma merda. Rimel espalhado pelo rosto e remédio pra dormir.'
Colocou o copo vazio na pia saia da cozinha quando o telefone tocou.
Tá. to precisando de você. (Esse aí também não presta. Mas esse fardo não é meu)
Fala Fábio...
Contou a ela de alguma merda que tinha feito com alguma dondoca que namorava. De novo.
'Ele se liga numa coroa... Édipo mal resolvido. Ou complexo de bon vivant. Preguiça de pegar no batente, falta de figura paterna. Taí uma coisa para a qual os homens podem prestar: evitar que existam mais merdinhas no mundo, dando um exemplo decente (mesmo que falso). Eu sou mais a minha mãe. Deus me livre ser como ela... Mas tenho que dar o crédito. Ninguem levantou um puto dedo pra ajudar ela. Nem eu. E ela fez tudo sozinha. Nunca precisou de ninguém. Homem que aparecia era só atraso de vida, por isso não se envolveu com nenhum. Minha mãe é a virgem maria. No fim meu irmão cresceu estragado... mas é a vida.'
Ele se despediu, e ela acordou de seu devaneio psicanalítico de programa de bafão. Foi tomar banho, limpou a alma, deitou de roupão para ver alguma coisa leve na TV, mas não tirou o preto dos olhos. Pra ficar bem claro quem ela tinha se tornado, e não esquecer que não dava pra voltar.
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