terça-feira, 8 de outubro de 2019

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo.
Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar.
Para quem encontra no outro sempre mais amor do que tem em si.
Sempre a tranquilidade da atenção recíproca. A calma da linguagem exagerada do amor alheio.

Eu já funcionei assim. Vivendo da leveza de amores tranquilos. Esses amores que vem mais do que vão. E que talvez por isso, nunca façam morada.

Mas eu não sou desses.
Eu prefiro a porrada.
Os amores que deixam sem chão, sem fala.
Da insônia que ignora as responsabilidades.

Para que ter um amor tranquilo se a leveza leva ele embora?

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Dos dentes do cavalo dado


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Pode ser um domingo, talvez um feriado.
Pode ser na balada ou num ônibus lotado.
Não existe lugar melhor para esconder algo errado
Do que os dentes do cavalo dado.

Pode ser na feirinha ou no mercado.
Pode ser no clube ou mesmo no estádio.
Não existe lugar melhor para esconder algo errado
Do que os dentes do cavalo dado.

Que se saiba por todo o país.
Que se fale por todo o estado.
Não existe nada mais infeliz
Que os dentes do cavalo dado.

Você nunca vai esquecer daquela manhã
Depois de muitas horas acordado
Que sua mente, novamente sã
Olhou os dentes do cavalo dado.

Para a vida não te dar mais um susto
Ou te pegar despreparado
Lembre-se sempre que foi com muito custo
Que se esconderam os dentes do cavalo dado.

Que não mais um olhar, de beleza inegável
Leve você a tão diferente estado
Que te faça tragar o intragável
Por esquecer dos dentes do cavalo dado.

domingo, 27 de março de 2016

3 Dias

Eu poderia dizer que era o seu cheiro que ainda continuava na minha melhor toalha. E de fato era. Mas não era só um cheiro seu qualquer. Não era o seu pescoço que continuava a ressoar nas minhas narinas enquanto eu usava uma toalha que simplesmente estava disponível. Não era do perfume que você passava no pulso que vinha o tapa na minha cara da sua ausência. Era a sua buceta que ainda estava ali no meu banheiro. O mesmo cheiro de sexo que me acompanhava no bigode e nos dedos. Que eu lavava quase que com cuidado para não tirar. Para manter a lembrança olfativa de você deitada com as pernas abertas para mim. Se retorcendo junto com a minha língua. Segurando o meu lençol como a corda salvadora do abismo.

Sem conseguir me secar por medo de te perder, por medo de confundir a maciez da minha melhor toalha com a maciez da sua pele – nenhuma toalha jamais chegaria aos pés da sua pele – sai do banheiro desapontado em direção a minha cama vazia. Para rodar na cama que você dormiu. No santo sudário dos seus abraços. Tentando manter a fé em uma ressurreição impossível.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Deserto






O deserto do Atacama floresce no Chile e por um segundo eu me lembro de um deserto que eu conheço melhor. Que também floresce, pelo que parece. Do mesmo jeito, até. Com flores que se expõe já prevendo a aridez do futuro próximo. Mas com a certeza de que é melhor estar lá agora do que ser sempre seco e bege. E quando vier a hora de voltar a ser deserto, a hora de expor as cicatrizes do chão rachado, ter a confiança de que por mais deserto que seja, as flores ainda florescem de vez em quando. Como no deserto do Atacama no Chile.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Correlação e Causalidade

Eu poderia de fato elencar 50 motivos de por que você. Eu poderia escrever uma tese sobre isso. Apresentar na frente de uma banca, que ia ficar tão emocionada com a qualidade do trabalho que eles iam me aprovar magna cum laude – ou qualquer coisa assim – em meio a abraços emocionados e lágrimas discretas. Eu poderia fazer um filme com um elenco famoso que ia fazer tudo de graça pela qualidade do roteiro. Ganhar prêmios em festivais de filme independentes e ser a surpresa do Oscar.

Eu poderiam mudar para a montanha e ser o ermitão dos 50 motivos de por que você. E as pessoas iam escalar a montanha para me ouvir falar. Com a barba chegando na cintura, eu ficaria sentado de pernas cruzadas pensando em perguntas sem respostas e dando conselhos tautológicos para testar a sabedoria dos peregrinos que se arriscassem.

E ainda assim, isso não ia mudar nada. Nenhum dos 50 motivos de por que você envolve a resposta de por que eu. Quantos mais motivos de por que você, menos motivos existem para que seja eu do outro lado.


No fim, o verdadeiro motivo de por que você, o único que importa, é por que sou eu do outro lado. E, para mim, parece certo. Porque parece que tudo que eu sou foi a construção de alguém que consegue explicar todos os motivos de por que você.

sábado, 21 de novembro de 2015

Game Over

Eu perdi, né? No fundo eu já sabia. Sempre soube. Fui idiota de achar o contrário. Mas até aí,  quem nunca foi idiota. Quem nunca se entregou a uma promessa vazia. Mesmo sabendo da imensidão do vácuo da promessa. Só porque ela soava tão bonita no começo. Só porque ela teria sido tão bonita se tivesse se realizado.
Os comunistas todos sofreram disso. Os anarquistas. O próprio Adam Smith. Sério, lê o cara. Um filho da puta utópico como todos nós. Sonhadores se fodem. Porque acreditam nos sonhos, contra todas as probabilidades. E essa coisa de lutar... pura bobagem. Puro nonsense. Um nonsense lindo, é verdade. Lindo como um sketch do monthy python. Lindo como um quadro do Dalí. Lindo como um móbile do Calder. Lindo. Inútil. Mas lindo.

E se tantas vezes as pessoas se enganaram, acreditaram, sofreram, lutaram, quem sou eu para não lutar. Mas todo comunistas envelhece. Todo anarquista é preso. Todo teórico morre. E a luta fica para trás. O sonho acaba. A realidade entra dando tapas na cara como um babaca folgado que acha que é seu amigo suficiente para isso. Entra na sua vida como um bêbado entra numa roda de amigos na balada. Como um ladrão que quebra o vidro do seu carro estacionado na rua em um dia de chuva. O café amargo que faz o álcool dos seus sonhos desaparecer.

Da leveza do amor tranquilo

Ela me disse: eu quero a leveza de um amor tranquilo. Amor fácil, meu bem, é para quem tem dificuldade de amar. Para quem encontra no outr...